Os Mandan - II

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Tokalah e seus companheiros serviram-se da refeição entregue por Kimimela enquanto trocavam algumas palavras sobre os últimos acontecimentos. Kinahauk foi extremamente enfático quando disse que Mahalah não parecia mais ser o líder que seu clã necessitava, sendo que parecia ter sucumbido a vontade dos brancos.

一 O nosso povo está descontente e temeroso com as decisões de Maralah, mas ele é nosso manto e ninguém ousa questiona-lo. Afinal, os deuses falam com ele, assim como falam com você e se opor a ele seria questionar os espíritos e a grande mãe. 一 Disse kinahauk ao encarar o jovem chefe a sua frente 一 Creio que a grande mãe te guiou até aqui, lhe fez ver os wakiki vivendo e comendo conosco para lhe mostrar que precisamos que nos ajude a bem... A encontrar um novo caminho para nosso clã. 一 Continuou o homem fazendo Tokalah soltar o pedaço de cervo a sua frente e encará-lo por instantes. Kinahauk sentiu como se sua alma estivesse sendo despida diante dos olhos negros e firmes do homem a sua frente. Desde menino havia dúvidas sobre as linhagens sagradas que guiavam os clãs dos Mandan e todos os mantos que conheceu nenhum parecia ter algo diferente dele, pelo menos até aquele momento. A última vez que viu Tokalah ele ainda era um menino, apesar de os clãs se manterem relativamente próximos, as relações entre eles eram restritas às trocas e a grandes rituais aos quais kinahauk nunca era chamado a participar, pois não tinha grande estima entre os anciãos ou guerreiros do clã. Naquela época, Tokalah, como seu nome denunciava, não passava de uma raposa, um garoto inquieto, inteligente e rápido que gostava de fazer travessuras com as outras crianças. Porém agora em nada lembrava aquela criança despreocupada, os anos lhe trouxeram um corpo forte, uma mente ávida e as palavras E perguntas incessantes foram substituídas por um silêncio sombrio e analista. Kinahauk tinha certeza que se algum manto fora tocado pelo grande espírito, este era o primogênito de sua esposa, o chefe Lua Negra.

一 Os filhos homens de Maralah estão mortos a liderança do clã só será assunto quando ele não viver mais.

一 Sim, os filhos dele estão mortos e talvez seja por isso que ele não mais se importe com nosso destino. Eu sei que não tenho o sangue correto em minhas veias, mas meus filhos tem e até que tenham idade suficiente sei que poderia cuidar de meus irmãos e irmãs, se tiver seu apoio ninguém irá questionar, todos estão fartos da situação. E saiba que se ficar ao meu lado, ao lado de sua mãe, eu lhe apoiarei em tudo. Se fosse escolha minha teríamos ficado aí seu lado durante o saque na cidade dos wakikis.

Tokalah ficou em silêncio por instantes e depois voltou o olhar a mãe que observava apreensiva a conversa.

一 E você? O que pensa disso Kimimela?

一 Jamais me levantaria contra meu pai, mesmo que suas decisões não me agradem, ele é nosso manto e segue o grande espírito a qual não devemos questionar 一 Disse a mulher causando espanto no marido.

一Acho que terminamos aqui, preciso falar com Maralah agora.

Assim que Tokalah deixou a tenda kinnahauk voltou-se a mulher furioso questionando-a sobre a falta de apoio.

一Meu filho é um homem justo, como o pai dele foi, a forma como propos isto a ele... Enlouqueceu? Se eu lhe apoiasse a derrubar meu próprio pai de forma vil, ele perderia qualquer respeito que tenha por mim.

一 Ele é seu filho, se pedisse ele iria lhe apoiar.

一 Eu o trouxe ao mundo, ele era meu dever, não o amamentei, não velei o sono dele, eu o deixei para voltar pra você. Ele me respeita porque cumpri com meu dever com meu clã, mas não me vê como mãe dele. Se pensa em usar isso em seu benefício, desista. Mas a grande mãe trouxe -os aqui por um motivo, ele perdeu a mulher a pouco tempo por conta dos wakiki, vamos lembrá-lo e a todos aqui que os olhos d'água não são nossos amigos.

Tokalah seguiu em direção a grande cabana, uma construção de madeira, barro e galhos trançados em forma circular onde Maralah vivia com duas esposas e com a velha curandeira do clã. Antes de entrar já havia sido anunciado e o chefe Nascido da Tormenta, o aguardava com um sorriso gentil. Ao lado dele, um jovem baixo de cabelos castanhos avermelhados e olhos de um verde brilhante que fez Tokalah lembrar do musgo verde que crescia as margens do rio.

一 Lua Negra, que hora mais propícia pra grande mãe trazê-lo até nós 一 disse nascido na tormenta quando Lua Negra voltou um olhar inquisidor ao rapaz de casaco azul. 一 Quero que conheça os novos amigos do clã do sul, este é Iyotaka. 一 Falou o velho chefe indicando o jovem ao seu lado

一 Meu nome é Edgar, mas aqui me chamam de Iyotaka, o homem falante ou algo assim 一 Disse o rapaz que causando espanto a Lua Negra por entender tudo o que ele disse 一 eu falo um pouco de Mandan, chefe Mahala tem me ensinado bastante, mas sou mais fluente na língua comum das planícies, então peço desculpas de antemão se falar alguma bobagem.

Tokalah continuou em silêncio avaliando o homem dos pés a cabeça, já estiveram diante de homens brancos, mas era a primeira vez que um deles não tentava lhe ferir ou corria em desespero ao ver aqueles que chamavam de selvagens.

一 Eu não falei alguma bobagem não é Mahalah? 一 Edgar questionou sem entender o silêncio do homem que andou em seu entorno como um leão da montanha cercando sua presa.

一 Não, falou certo. Acho que Tokalah precisa de um tempo.

一 Porque recebe nossos inimigos em sua tenta? 一 finalmente o índio cortou seu silêncio.

一 Não somos inimigos 一 Edgar respondeu 一 embora tivéssemos alguns embates na maior parte do tempo houve paz entre meu povo e o seu e a sétima cavalaria não pretende entrar em guerra com o seu povo. É por isso que estou aqui, não sou um soldado, embora tenha uma patente, sou um diplomata e o governador confia que possamos resolver nossas diferenças sem derramar sangue.

一 O sangue do meu povo vem sido derramado há muito tempo.

一 E acha que derramando mais sangue vai acabar com isso? Soube que pretendem se unir ao exército de Crazy Horse. Infelizmente os acordos que ele fez com o governo não foram honrados e admito que na maioria das vezes a culpa foi nossa. Mas se segui-lo, assim como ele serão considerados inimigos e sem querer subestima-los, estão comprando uma guerra que não podem vencer. Eu não estou te pedindo para fazer um acordo com o governador, estou lhe pedindo para me ouvir, saber das propostas e depois poderá pensar e decidir. 一 explicou o jovem tentando se manter firme, como no dia que conheceu Mahalah, porém diferente do velho com feições amigáveis ao seu lado, Lua Negra parecia querer rasgar sua garganta na primeira oportunidade.

一 Você fala muito, meu pai dizia que homens quando falam demais ou são sábios ou estão mentindo, mas os brancos chamam suas mentiras de política.一 Disse Tokalah com seriedade 一 E Edgar soltou um sorriso involuntário que fez o índio cerrar os olhos curioso.

一 Desculpa, suas palavras me fizeram lembrar de minha irmã, ela é uma mulherzinha astuta que sempre tem resposta pra tudo, mesmo se estiver se borrando de medo como eu estou agora ela consegue deixar nosso pai sem resposta e ele odeia isso. 一 disse soltando o ar dos pulmões 一 Bom voltando ao assunto eu não posso negar que há verdade nas palavras de seu pai, mas também há verdade nas minhas e eu não estou aqui com promessas vazias ao seu povo. Estou aqui porque o meu povo já sofreu muito com guerras evitáveis e isso precisa acabar, eu ainda não tenho filhos, mas quando os tiver, não quero ter de mandar meus meninos de quatorze anos matarem os seus meninos. Só peço que me escute e se julgar que seguir Crazy é o melhor pro seu povo, prometo não importuna-lo mais.

一Se não me convencer, eu fico com os seus rifles 一 disse Tokalah lembrando-se do pequeno grupo de soldados que segurava firme em seus winchesters enquanto ele e seus companheiros passavam. 一 E seu escalpo.

一 Feito, mas quero dois dias pra te convencer 一 Disse Edgar tentando impor a voz.

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A filha do General - EM ANDAMENTOOnde histórias criam vida. Descubra agora