Capítulo 3

74 13 20
                                        

Meus olhos arregalados percorriam toda a extensão do meu quarto escuro. Pisquei diversas vezes procurando enxergar algo além do preto. O vento uivou lá fora e um galho cutucou a minha janela. Encolhi-me inteira e puxei o lençol por cima da cabeça. 

Meu coração batia rápido no peito, como o tic tac do relógio da cozinha. Eu me tremia como um cão covarde. Sentia-me uma garotinha medrosa que tinha pesadelos com os monstros que viviam no fundo do guarda roupa, assim como eu fui. O suor descia pelo meu rosto, apesar das minhas mãos estarem frias. Minha colcha de cama estava uma completa bagunça e meu travesseiro estava caído no chão perto da porta de entrada. Parecia que o furacão Katrina havia passado em meu quarto essa noite.

Levantei-me, organizei a minha cama e olhei o relógio. Eram apenas cinco horas, muito cedo para a escola. Respirei fundo e procurei me acalmar. Era só um pesadelo. Não era nada demais, todo mundo já teve pesadelos. Isso é completamente normal, Agnes. Não é como se tivesse um monstro querendo matar você nesse exato momento.

Desci as escadas tentando fazer o mínimo barulho possível para que mamãe não acordasse, mas o desgaste do tempo fez com que os degraus de madeira quase cantassem uma melodia fúnebre para nós. Para minha sorte, não ouvi nada que indicasse que mamãe havia acordado. 

Fui para a cozinha, peguei um copo e despejei água nele. Minha boca estava seca. Eu havia soado demais. Até mesmo a minha colcha de cama havia ficado úmida. Se voltássemos ao tempo em que eu ainda era uma garotinha, haveria mais do que apenas suor nela.

Sentei-me na cadeira e cocei os olhos tentando tirar os últimos vestígios de sono que ainda tinham um efeito sobre mim. Um bocejo saiu da minha boca. Eu precisava de café, um café quentinho e saboroso. Fervi um pouco de água, peguei um sache e o maravilhoso cheiro da cafeína adentrou minhas narinas.

Bebi um gole e iniciei uma reflexão acerca do que sonhara. Ontem tivera um sonho parecido e, eu tinha que admitir, isso não era normal, pelo menos não para mim. Eu não costumava ter sonhos ou pesadelos, era como se durante a noite o meu cérebro se desligasse e só retornasse no outro dia, quase reivindicando folgas como um assalariado. Contudo, de uma hora para outra, ele havia decidido que desligar não era mais uma boa ideia e agora me deixava belas histórias, com feras enormes e grotescas querendo me despedaçar. Que lindo. 

Levantei-me e preparei outra dose de café. Precisaria de ao menos mais uma para me manter firme durante o resto do dia.

Após algumas horas, já estava indo em direção à Anne Stuart School com Rebeca no passageiro. O sinal tocou assim que adentramos a sala, ao mesmo tempo em que vi que meu lugar já havia sido ocupado por Clarissa. Ao seu lado estava Mark, na mesma carteira em que tinha se sentado no dia anterior. Ele cruzou os braços e a posição de seus músculos ficou marcada sob seu suéter preto. Os olhos de Clarissa se voltaram sobre eles na mesma hora e suas pupilas dilataram.

Respirei fundo. Clarissa e suas perseguições amorosas, eu mereço.

— Ela já está passando dos limites. — Rebeca sussurrou em meu ouvido. — Se quiser ajuda depois da aula, eu já estou para mudar de faixa no karatê. — Ofereceu.

Revirei os olhos. O mais engraçado de tudo era saber que ela estava falando sério.

— Está tudo bem. Se for me mandar algum recado hoje, lembre-se de que Clarissa é dedo-duro.

Fui em direção à única cadeira que estava vazia, e para o meu azar, ela ficava em frente à de Mark.

Sentei-me calmamente, tentando parecer o mais indiferente possível. De soslaio, avistei Clarissa ainda com o olhar preso no novato atrás de mim. Isso era algum tipo de flerte adolescente esquisito? Funcionava? Não conseguia imaginar o que Clarissa ganharia com isso.

Sangue LealOnde histórias criam vida. Descubra agora