Parte II

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— O que eu perdi? — Erick retorna.

— Eu só tava falando‐

— Nada. — Julian desvia. Bochechas enrubescidas. — Só papo bobo.

Erick percebe que algo estranho aconteceu. Julian costuma ficar rosa em dias frios, mas o avermelhado que parecia prender o fôlego do mesmo, denunciava alguma coisa. Talvez fosse o fato de ter deixado o amigo com um estranho ao qual não conhece. Julian é sociável, porém, tímido também. Erick faz uma nota mental para se desculpar mais tarde, depois, ocupa o lugar vazio ao lado de Julian e diz:

— Já estão trazendo nossas bebidas.

Um frio na espinha acontece em Julian. Um medo que ele aprendeu a ignorar durante toda sua vida veio à tona com um flerte inesperado. Um segredo que ele tranca a sete chaves desde os seus doze anos, quando percebeu que seus encantos eram direcionados opostamente ao que lhe era instigado na infância. ABC do Amor é o maior exemplo, já que, secretamente, Josh Hutcherson é incapaz de fazer um filme ao qual Julian não assista.

— Como vão as aulas? — Julian irrompe, não querendo arriscar que um silêncio constrangedor se ramifique na mesa.

As bebidas chegam.

Ele lançara a pergunta no ar e Erick é quem a pega. Enquanto o mais baixo dos três se remexia na poltrona e falava como estava chato ter que escrever artigos com várias páginas sobre um conteúdo tão desinteressante, o maior fitava o jovem de estatura mediana e pensava consigo mesmo: "Será que ele ficou incomodado? Não foi inconveniente da minha parte, foi?" Ele sente que foi, mas o que antes causava desajustes no rapaz, agora provoca interesse.

Tentando não ser muito agressivo e indelicado, ele tem uma ideia. Toma o seu café preto, no tempo que Erick termina a sua indignação com a faculdade.

— Acho que todos temos que concordar com você, cara — diz Yan, sobre o que Erick falara à pouco, mesmo sem ouvir metade. — Mas mudando de assunto...

Julian sente que algo está por vir e sente uma pitada de apreensão. Sente, também, seu rosto voltar a esquentar.

— Esse frio de outono é muito gostosinho, principalmente quando temos alguém. — Ataca usando sua habilidade teatral, fingindo indiferença. — Vocês namoram?

Verde e castanho se cruzam novamente. Pois, bem, mesmo Yan sendo talentoso, para Julian é mais que óbvio o motivo e alvo da pergunta.

Erick ainda sente revolta e nem se dá conta de como a pergunta é incomum para o momento.

— Ah, cara — Erick simplesmente diz, levando sua mão ao queixo e fazendo um ar dramático. — Há muito tempo não sei como é a sensação de beijar uma bela garota.

Para Julian, era inquietante o abatimento repentino do amigo. Uma semana atrás ele disse que iria sair com alguma menina aleatória... E, para o garoto de casaco verde, era improvável que nada tenha acontecido. Estava certo.

Sobre a xícara branca de porcelana, o castanho ainda foca no verde.

Yan espera que o menor dê dicas sobre sua sexualidade, porém, depois de um gole no chá de erva‐doce, Julian diz seco:

— Não.

O clima fica completamente abstrato.

Todavia, algumas interrogações como: "O que esse garoto quer? Ele está interessado em mim? Ele é... hmm, gay? Ou isso só alguma brincadeira idiota? E por que diabos você está tão nervoso com isso, Julian?! Ele não é atraente para mim. É?" vagam pela cabeça que contém fios claros de castanho. "Além de tudo, porque esse ar irritante de superioridade é, também, tão sedutor?" finaliza seus pensamentos com o último vestígio de líquido da sua xícara.

— Sua bebida está esfriando. —Julian sempre foi mestre em fugir de assuntos que não lhe convém.

Erick sai do seu transe mórbido e foca na caneca de chá.

— Ele nunca namorou, mas sempre teve muitas garotas aos seus pés. Nunca entendi essa busca pela garota perfeita — Erick diz, inocente. Em contrapartida, esta inocência se deve às inúmeras mentiras e escapatórias bem articuladas contadas por Julian ao decorrer dos anos.

Felizmente, para Yan, essa informação fora bem proveitosa. E o resquício de dúvida foi abolida quando Julian sai da mesa falando:

— Preciso ir ao banheiro.

Quando Julian está longe o suficiente, abruptamente Yan traz Erick de volta a realidade com um estalar de dedos.

— Você está quase dormindo, cara.

— Desculpa. — O moreno coça o olho esquerdo. — Esse chá me deixa sonolento.

Yan está meio receoso quanto ao que quer fazer. Não sabe como Julian se sente a respeito da sexualidade. Porém, faz mesmo assim.

— Ei, preciso te perguntar uma coisa.

— Manda. — Erick parece mais despertado agora.

— Qual é a do seu amigo?

Erick vira a cabeça para o lado, confuso. "O que Julian fez dessa vez?" pensa.

— Tipo — pigarreia, Yan. — Ele curte, sabe, garotos?

Os olhos de Erick arregalam‐se e uma feição de surpresa chocante transborda no rosto do mesmo. Ele conhecera Yan há menos de duas semanas, não tivera tempo suficiente para saber muito sobre o novo amigo.

Yan, por sua vez, não deixa se afetar com tão pouco. E, de fato, não precisa. Erick nunca teve problemas com a orientação sexual de ninguém.

— Ah, Julian? — gagueja o menor, ainda absorvendo a situação. — Não, não, ele é... hétero. — Hesita.

— Isso quase pareceu uma pergunta. — Yan toma a última gota de café. — Você nunca pensou nisso?

— Você tá falando como se... já soubesse algo. — Hesita novamente. Erick viaja sua mente pelo tempo que conhece o amigo, eles nunca falam muito sobre isso, ou melhor, Julian não fala muito sobre isso.

— Não há problemas com isso, né?

— Absolutamente não! — Erick faz que não repetidamente com a cabeça.

Yan apenas ri disso tudo. Não é a primeira vez que um amigo descobre do nada sobre isto. É sempre engraçado quando não surtam e saem por aí falando baboseiras mentirosas sobre ele. O que, infelizmente, aconteceu algumas vezes.

A porta do banheiro se abre e Julian surge na visão de seu amigo, aproximando‐se, andando devagar, aproveitando o máximo de tempo que pode ficar longe do embaraço que Yan lhe provoca.

Visto que os olhos negros e curiosos de Erick não vacila em toda sua caminhada, Julian indaga ao chegar na mesa:

— O quê?

— Nada. — Desnorteia‐se o moreno. Bebe toda a bebida de uma vez, sem ligar com a temperatura que lhe desce a goela. — Acho que já podemos ir. Deixei tudo pago.

Os olhares de "você não precisava pagar" caem sobre Erick, mas ele não liga. Yan agarra sua mochila e levanta esbarrando não acidentalmente no braço de Julian.

Uma corrente arrepiante percorre do casaco verde até o jeans. Os olhos esmeraldas tremem e o resto do corpo se retrai. Rapidamente Julian pega sua bolsa da mesa e foge para a saída.

Agora atento, Erick, enfim, nota o clima entre os dois que lhe acompanha.


O pôr do sol deixa tudo muito mais alaranjado. As folhas secas estão por toda parte; algumas amarelas, verdes, castanhas...

E quanto ao outro verde e castanho? Bem, andam em silêncio até seu destino, ao qual já lhe alcançou a visão.

Verde e CastanhoOnde histórias criam vida. Descubra agora