Capítulo 29

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ZAYN/JAWADD P.O.V. (1ª PESSOA)

Naquele dia, acordei com o barulho da chuva contra a persiana e o gelado de alguns respingos no meu pé descoberto. Era inverno, mas quando eu me sentia triste, sozinho em meio ao apartamento sem mamãe, gostava de abrir a janela pela metade, apenas para sentir o vento frio contra as minhas costas. A brisa gélida fazia carícias imaginárias sobre a pele da minha lombar, me deixando arrepiado. Os pelos se eriçavam gradualmente, como se dedos suaves percorressem o mesmo lugar. Prestes a dormir, então, eu me levantava preguiçoso para fechar as frestas da persiana. Na noite anterior, contudo, por desgraça do destino, eu me embebi nas carícias da ventania e dormi.

Durante todo aquele tempo em casa, como nunca estive antes, enquanto trabalhava, aprendi a me apegar às paredes brancas do meu quarto. Hanna dizia que eu estava num estágio complicado de atração pela solidão, de um jeito que a fazia comparar a situação a um vício depressivo. Por isso, eu me esforçava para pelo menos caminhar nos perímetros da área de lazer do prédio, logo depois do café.

Naquele dia, porém, eu me senti indisposto. Os arrepios da noite anterior permaneceram em mim de tal forma que eu só pude me prender ao lençol, embolado como um caracol. Talvez fosse culpa da gripe que estaria por vir, por causa da friagem.

Depois de alguns minutos em silêncio, porque estava entediado, mas ainda sem vontade de levantar, ergui meus braços até a última porta da gaveta que ficava encostada ao meu lado direito da cama.  Ali estava meu maior segredo, depois daquele que me afastou de Liam. Eu estava pensando nele, mais uma vez, para falar a verdade. Sendo franco: abri a gaveta, não porque estava entediado, mas porque precisava me livrar daqueles pensamentos, me ocupando com algum entretenimento.

O segredo, enfim, era um celular antigo da Doniya. Um tijolão de qualidade duvidosa, mas sem dúvida com durabilidade milenar. Ela trocava de aparelho a cada seis meses, enfileirando no armário do quarto pilhas imensas de lixo eletrônico à moda capitalista. Então, eu escolhi a dedo aquele que julguei ser o único que não lhe faria falta. Precisava da minha privacidade de volta; me sentia vigiado com o celular com o qual Stan havia me presenteado no natal, essencialmente porque ele continuava a fazer parte daquela corja de pseudoamericanos enfardados.

A primeira coisa que fazia ao ligá-lo era abrir o Tumblr. Na verdade, era o único aplicativo instalado, porque as demais redes sociais jamais seriam convenientes novamente. Eu tinha ciência de que o site era nojento, provavelmente frequentado por uma grande maioria de usuários pedófilos, mas a grande vantagem era que ninguém nunca me acharia ali. Mesmo que tentassem, eu me intitulava Zayn Malik.  A mesma farsa que fodia meu psicológico havia anos era o meu pseudônimo num blog de poesias pessoais ou coisas do gênero.

Nos últimos meses, o aplicativo estava especialmente mais atraente. Uma moça cujo user era simplesmente goodatfalling andava curtindo minhas publicações e, de tempo em tempo, fazendo comentários cada vez maiores. Na sua página, ela publicava alguns trechos de música seguidos de fotografias que ela mesma tirava. Eram fotos cheias de efeitos abstratos, com paisagens irreconhecíveis, que eu particularmente odiei no início. Mas eu andava rabugento demais. Por isso, não confiei nos meus próprios julgamentos, dei uma chance a ela e logo começamos uma amizade interessante. Nada de conversas muito frequentes, nem muito íntimas, mas era o tipo de interação que me deixava ser quem eu queria ser: uma pessoa qualquer.

A música do dia era Mice, da Billie Marten. A foto em anexo era, aparentemente, um pedaço de pele texturizado com efeitos em P&B. Como de costume, eu comentei:

"O jeito que a Billie compara estrelas a ratos... Como eu não pensei nisso antes? Londres raramente tem céus com estrelas visíveis, de qualquer forma."

Blue Jeans || Ziam Mayne ||Onde histórias criam vida. Descubra agora