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Pov Marília

Sabe a sensação de limite? Quando parece que tudo já chegou no seu máximo? A sua paciência, a sua insistência, a sua vontade de fazer as coisas? Quando você se sente tão cansado, como se um vento fosse capaz de te derrubar? É assim que eu me sinto.

- Te ligaram do escritório...- Meu irmão me avisava.

Voltei para o lugar que sabia que sempre vai ter o meu lugar guardado, estava deitada no colo da minha mãe, como se fosse uma criança, quando tem sua primeira decepção com algum colega da escola.

- Os shows dessa semana foram cancelados - Ele me cutucava tentando chamar a minha atenção - Achei que você gostaria de saber.

- Porque foram cancelados meu filho? - Minha mãe perguntava baixo, não sei se era para mim não ouvir, mas não deu certo.

Gustavo não responde, apenas me olha, como se estivesse tentando passar para a minha mãe, que não poderia falar comigo ali.

- O que aconteceu? - Me levanto rapidamente e tento tirar o celular da mão dele, que acaba se afastando mais rápido.

- Você não pode passar estresse Marília.

- Você está me estressando fazendo isso.

Me irritava as pessoas me tratarem como alguém sensível, a única pessoa que eu gostava que me tratasse assim não estava comigo, então para mim não fazia diferença.

- Ela já está estável - Gustavo tentava me acalmar, mesmo eu odiando esse jeito de agir - Mas a Maraisa está no hospital.

Sinto uma pontada no peito, a mesma de quando você vê algo que não deveria, sinto meu estômago embrulhado e minhas pernas perderem o rumo, se não fosse a minha mãe me segurando e Gustavo me pegando no colo, eu provavelmente estaria no chão.

- Você precisa respirar Marília - Minha mãe alertava, odiava ver ela preocupada assim comigo - Ela já está estável.

De alguma forma, me sinto culpada por aquilo, por ela estar assim, sabia como ela reagia a momentos como esse, me culpo por não ter ficado, ou ter tentando entender de alguma forma, ou simplesmente ter ficado, mesmo brava. No mesmo instante volta os flashbacks do dia do acidente, das suas constantes recaídas, e como eu conseguia manter ela de pé, mesmo que fosse da maneira mais idiota possível, ou apenas ficando ao seu lado, mas agora, me sinto culpada por ter deixado ela cair, e sofrer as consequências da minha escolha.

- Eu quero falar com ela - Peço para a minha mãe, eu já estava quase chorando com toda essa situação, só queria resolver tudo, e acabar com esse pesadelo de uma vez.

Pego o meu celular, minhas mãos tremiam, não conseguia fazer as coisas devagar, na terceira chamada da ligação, uma pessoa atende, mas pela voz não é a minha esposa.

- Oi Lila - Escuto a voz da Maiara, e pelo tom, ela estava desanimada.

- Eu posso falar com a Maraisa? - Não quero perder meu tempo tentando ser educada.

Escuto sua respiração pesada, e também escuto algumas vozes, provavelmente das pessoas do hospital.

- Desculpa Lila, mas não.

Fico confusa, Maiara sempre foi a pessoa que mais tentou para ficarmos juntas, e agora, nessa altura, não me deixava falar com a minha mulher.

- Como assim "não"?

- Ela quase teve uma overdose, está estável, eu preciso cuidar dela.

Tento segurar as lágrimas que insistem em cair, não quero me desesperar, mas nessa situação está quase impossível.

- Eu quero falar com ela - Falo com dificuldade, com o choro preso na garganta - Porfavor...

- Eu não posso Lila - Conseguia ouvir a sua voz fraca, provavelmente ela estava no mesmo estado que eu - Ela está sensível.

- Eu não vou fazer mal para ela Maiara, ela é minha esposa.

- Mas ela é minha irmã Marília, eu sempre vou escolher o que é melhor para ela.

Escutar isso, mesmo de uma pessoa tão próxima, que você não é o melhor para a pessoa que você mais ama no mundo, dói, e como dói.

Ficamos em silêncio, eu queria insistir mas não tinha forças, não conseguia, apenas fico na ligação na esperança que ela mudasse de idéia.

- Você sabe o porque ela nunca sustenta uma gravidez? - Maiara pergunta quebrando o silêncio que tinha se instalado.

- Eu não sei...

- Por que o corpo dela é frágil, a alma dela é sensível, por isso ela se fecha, para não se machucar - Sentia aquelas palavras pesando cada vez mais - O que ela não demonstra em palavras, o corpo dela demonstra na saúde, como se tivesse descontando, o tempo todo.

- Eu não tenho culpa Maiara - Falo com o choro livre - Eu não queria que fosse assim...

- Você não tem culpa, realmente, mas você se casou com ela, você tinha essa responsabilidade.

- Eu só quero falar com ela...

- Ela te contou uma coisa que ela lutava todos os dias, uma luta constante que ela tinha, ela confiou em você, e você a julgou no primeiro momento.

- Maiara eu já estou me culpando o suficiente, não precisa fazer isso...

- Eu não te culpo, você é humana, você também erra, eu só estou decepcionada, mas eu não posso te culpar pelas expectativas que eu coloquei nisso, e que ela também colocou.

- Que hospital vocês estão? - Tentava de todas as formas não deixar aquelas palavras entrarem em mim, eu não ia me perdoar nunca por ter feito aquilo.

- Se cuida Lila...- É a última coisa que ela fala antes de desligar a chamada.

Perco meu chão, não me preocupo mais com nada, nem com ninguém aí meu redor, só queria chorar, tentar me libertar de alguma forma, mas era impossível, tentava me conectar com ela pela nossa aliança, mas eu não conseguia.

Minha mãe me abraçava, e meu irmão segurava a minha mão, os dois tentando de alguma forma me dar suporte.

Eu só queria sair correndo para ela, abraçar, beijar, cuidar, mas eu não posso, me sinto incapaz de cuidar da pessoa que eu amo, me sinto uma inútil nesse momento.

Consequences (Reescrevendo)Onde histórias criam vida. Descubra agora