Capítulo 10

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Elisa

Certamente qualquer pessoa que me veja agora poderia facilmente me considerar uma doida desvairada que tinha acabado de fugir de algum hospício. Não pelo que eu estou prestes a fazer, até porque ninguém provavelmente poderia olhar para minha cara e descobrir que em questão de alguns minutos saltarei de um penhasco por livre e espontânea vontade das minhas necessidades. E sim, por não ter uma pessoa no mundo que em sua sã consciência ficaria em pé, parecendo uma estátua no meio da rua, sem se importar de estar sendo castigada pelo sol do meio-dia.

Não, não precisa ligar para o hospício para eles trazerem a camisa de força ou uma injeção cheia de tranquilizantes para me capturar de volta. Eu juro que estou em meu juízo perfeito, os miolos ainda estão aqui, funcionando, mesmo que entre eles estejam acontecendo uma espécie de guerra.

Um implorando de joelhos: Desista! Ainda há tempo, vá embora sem olhar para trás, se preferir vire uma toupeira e cave o mais profundo buraco e se esconda. Afinal, com o fundo do poço você já está acostumada e tem até mesmo a sua carteirinha de hospede vip, o que significará uns metros a mais de profundidade, quando você está para entrar em um vendaval onde não restará um pedaço de você para contar história? Porque esse homem vai virar sua vida de cabeça para baixo, depois para cima, e de um lado para o outro, como estivesse em uma moto em um globo da morte. E você tem pavor de motos, assim como nunca foi muito fã de adrenalina. Lembra quando foi a primeira vez em uma montanha-russa?

É, infelizmente eu lembrava do trágico dia que fiz o milagre de fazer chover uma mistura fedorenta e gosmenta de batata frita e sorvetes.

Enquanto o outro, não parece nada abalado. Estar em sua própria cadeira acolchoada, de pernas cruzadas, bebericando um pouco de chá, beliscando alguns biscoitos de manteiga e revirando os olhos para o show dramático do outro. A medida que fala em um tom rude, como se fosse um tapa em minha cara: Você realmente precisa fazer isso, lembre-se dos motivos por trás.

É, como se fosse fácil esquecer do pesadelos que me assombram todas as noites.

Ignorando os dois, que continuam a trocar farpas entre si. Eu olho para o restaurante em minha frente. É grande e nitidamente o mais caro que tem na avenida paulista. Um lugar que eu nunca entraria — mesmo que tivesse todo o dinheiro do mundo. Não consigo entender como apenas alguns grãos de um arroz podem ser tão especial por ser produzido não sei onde, por não conter tal ingrediente maléfico e pode ter um cozimento diferenciado e custar o valor de um rim no mercado negro. Um mínimo pedaço de carne tem o preço de uma córnea. A sobremesa custa uma parte do fígado. E a gratificação do garçom, pode ser um de seus pulmões.

E o pior, que além de ficar sem metade dos seus órgãos vitais, ainda ficaria com fome. Por que a quantidade de comida servida aqui, é como se fosse para pequenos beija-flor.

Como se você estivesse aqui para negociar o preço de seu rim.

Algo estala dentro de mim.

Sinto o golpe de direita em minha barriga. O meu estomago se revira. Os meus nervos ficam a flor da pele e meu coração fica na garganta.

Porque nitidamente eu não estava aqui para negociar o meu rim. Mas com certeza iria negociar a minha alma, a minha honra, a minha dignidade e respeito.

Um acordo com o diabo. Tudo por dinheiro.

Cansada de evitar o inevitável; respiro fundo, ajeito os meus ombros e me preparo mentalmente para a batalha e me dirijo, mesmo com as pernas bambas, para entrada do restaurante.

Assim que entro, o cheiro de alho torrando na manteiga, de cebola caramelizada e ervas me atinge com total força, me causando água na boca e fazendo o meu estomago protestar e se alegrar com a expectativa de se deliciar com a comida gostosa. Não que recentemente eu tenha entrado em um local tão chique assim, isso ficou na minha infância. E eu nunca podia comer algo na cafeteria, e os lugares que eu ia era alguma pizzaria ou cantina simples do meu próprio bairro. Onde o aroma predominante era de óleo de soja queimando, cebolas fritas, calabresa e queijo, que tinha mais maisena que o próprio leite. Nada de sofisticado. Dou mais alguns passos, tendo a leve sensação de que estou sendo guiada pelo meu olfato, tão qual o pica-pau quando expiava o Leôncio fazendo algum churrasco.

CASAMENTO ARRANJADO: O CEO E A ÓRFÃ. DEGUSTAÇÃO Onde histórias criam vida. Descubra agora