Untitled Part 2

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Acordei cedo para revisar as lições de Matemática. Hoje é segunda-feira, último dia das provas bimestrais. Eu me sinto preparado. Gosto de números. Fui dormir tarde ontem, em meio a catetos e hipotenusas.

Acontece assim: entramos, as turmas são misturadas para dificultar a pesca, vem um professor e entrega as provas correspondentes a cada turma.

Mesmo assim dá para armar um esquema e passar pesca. (Como as provas são objetivas, e uma lista de chamada é passada nos primeiros trinta minutos, dá para se pôr a letra das questões já respondidas – bem clarinho, de lápis – no nome a quem se queira ajudar. Borrachas com capas são ferramentas amigas dos pescões. Pedaços de papéis podem caber resumos de livros para depois caberem na capa da borracha. Dependendo do professor que aplique as provas dá até para trocá-las. O difícil é ser sortudo o suficiente para destrocá-las com a mesma sorte). O exercício de forjar a pesca já é a revisão de véspera. Quando acaba a prova, estamos liberados para voltar para casa e estudar para a prova do dia seguinte.

Fiz a prova rapidinho, tava afiado na matéria. Na realidade, fiz a prova rapidamente porque estava descompromissado.

Desci às 14h:45, a prova ia até as 16h.

Quando cheguei ao pátio da escola, fiquei na escada que antecede a rampa. Sozinho.

De lá, tem-se uma visão geral do pátio. Foi de lá que pude ver o Wendell saltando de felicidade. Acho que ele fechou seu simulado. Minha irmã mais velha também terminou cedo, avistei-a conferindo o gabarito no canto direito do pátio. Meu olhar corria de um lado para o outro, queria enxergar meus outros irmãos, mas os detalhes passavam despercebidospor meus olhos. Meu coração disparou quase na mesma hora que o sinal tocou. As horas passaram-se depressa demais.

Cruzei o pátio lentamente em linha reta, tudo estava distante: sons, pessoas, pensamentos. Não conseguia concatenar nada. Não queria pensar em nada. Não queria voltar atrás.

Subi as escadas, 52 degraus, e percebi a segunda porta à direita fechada. Escutava muitas vozes vindas de lá. Vozes animadas e adultas. Abri a porta devagar, a primeira pessoa que avistei foi o inspetor Everton Cavalcante, ele olhou para mim assustado. Tentei adivinhar o que ele estava pensando. Desisti. Abri a mochila e tirei a arma. Quando olhei para frente, todos ainda estavam paralisados, esperando o desenrolar da cena.

Primeiro tiro, o inspetor Everton cai ao chão. Gritaria, pânico, desespero. Segundo tiro, na cabeça da Professora Sandra, as paredes se sujaram. Terceiro tiro para frente pegou no ombro da Professora Tânia, ela começa a rezar. Eu vi um manto branco me segurando por trás, virei e foi o quarto tiro. Tudo já estava vermelho. Irmã Val estava no chão. O Professor Givaldo grita comigo, quer me bater.

Eu comecei a chorar, chorava muito e estava trêmulo. Não queria que ninguém me visse. Corri pelas escadas, minhas pernas não me queriam sustentar. A essa altura todo o pátio entrava em furor. Escutei muita balburdia. A arma ainda estava na minha mão, totalmente descarregada.

Esqueci de presenciá-los morrer, quero que suas almas tentem em vão me parar. Voltei e postei-me à porta da sala dos professores e lá fiquei, olhando o sangue, olhando o branco. Sentimentos? Alguns, ou melhor; todos. Até rir eu ri.

Sinto de novo um vulto me segurando, agora mais forte. O porteiro que me viu entrar naquela escola no maternal me imobiliza. Sou jogado ao chão. De lá, consigo ver meus irmãos chorando compulsivamente ao meu redor.

Escuto sirenes tocando, a polícia chegou. Sou levado algemado. Não vi mais nada. Estava olhando pro chão do pátio.


Abri com uma mulher e fechei com um homem

Meu Marckinho vai nascer, meu Marckinhovai nascer. Na maternidade, o obstetra diz:

Zoada de AzulejoOnde histórias criam vida. Descubra agora