Lágrimas Secam por si Só

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Certa feita mainha foi pagar alguns boletos no colégio bem na hora do recreio. Não me achando pelo pátio, ela subiu a rampa e lá estava eu, sozinho, sentado ao chão.

Ela se surpreendeu ao ver seu filho, brincalhão e brigão em casa, ali, sozinho e lanchando às pressas no chão da rampa.

_ Meu filho, por que não está lá em baixo com seus amigos?

_ Oi! O que você está fazendo aqui? Levantei rapidamente, espantado com aquela presença.

_ Eu subi mais cedo porque tô com dor de barriga.

Sem acreditar muito minha mãe fez uma cara de Ah, tá bom... e disse:

_ Meu filho, eu vim aqui comprar sua camisa dos jogos. Que ir lá comigo?

Então, lá fui eu comprar minha camiseta dos Jogos Olímpicos Escolar. Quando ela foi embora, já estava na hora de eu voltar à sala de aula.

Ser normal nunca foi normal para mim, sempre me senti diferente, ou fui forçado a acreditar que era. Não vou dizer que nunca desci ao pátio. Já o fiz várias vezes, só que sempre era uma experiência dolorosa. Parecia uma selva perigosa onde não havia regras e eu era uma das presas principais.

Crianças brincavam de pega-pega e me empurravam, ficava com minha cara mexendo e só queria me proteger, resguardar-me em um lugar seguro. Por outro lado tinham meus irmãos, não queria que eles soubessem pelo que eu passava. Tinha vergonha da minha condição mesmo não sendo minha culpa.

Têm coisas que não existem para serem ditas, só para existirem.

Certa vez estava andando pelo pátio quando um bonitão do terceiro ano científico, o Wendell, gritou no meu ouvido:

_ Saí da frente coisa preta! Olhei pra trás curioso para ver a cara de quem falou aquilo, mas rapidamente baixei a visão e saí apressado até o Banheiro.

O Banheiro sempre foi meu local preferido. Entrava numa cabine isolada, abaixava a tampa da privada, sentava e chorava, e chorava, e chorava tudo que queria despejar em forma de ódio nos outros garotos. Nem sei como ainda consigo chorar hoje em dia, como as lágrimas não secaram.

Sabe o barulho que se faz quando se chora num Banheiro;

Zoada de Azulejo.

Trimmmmmmmmmmm

Sinal toca, lavo o rosto, seco-o e volto para a sala como se nada tivesse acontecido.

O ódio passa o amor não. O ódio não me tira nada que eu não possa repor. Só me faz perder tempo.



O amor me deixa pequeno; consome-me. Sinto-me dissipando pouco a pouco. Fico cada pouco mais sozinho. Já não sei onde vou parar.



Eu esperava ser salvo por quem era pago para isso: os professores, diretores e inspetores de disciplina. Eles viam com frequência eu sendo açoitado, mas se faziam de cegos. Imagino o quanto deva ser difícil para eles também; somos todos humanos, uns mais fortes, outros mais fracos.

A criança pode usar a prerrogativa de sê-la para expor um adulto a uma situação vexatória. Para os adultos, aquele ambiente é seu ganha-pão.

Na última carteira da quinta fila da esquerda para direita, observo a professora Sandra começar a aula de português. Ela se veste como velha. Não que ela não seja, mas pra que carimbar. (Saia longa cor de terra, blusa verde-escuro, tipo verde lodo sabe?! sapatilhas de estudantes normalistas do final do século XIX e meias finas bege).

Zoada de AzulejoOnde histórias criam vida. Descubra agora