Poema Sujo - Ferreira Gullar

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"Perdeu-se na confusão de tanta noite e tanto dia" [Poema Sujo – Ferreira Gullar]

Acordei cedo e perambulei pela casa procurando distração. Naquela manhã de sexta, queria assistir a um desenho em um canal diferente da XUXA, minha irmã do meio não deixou. Brigamos feio. Tapas, puxões, meu nariz escorria, eu suava bastante e nós dois chorávamos muito. Aquela não foi nossa primeira briga, outras aconteceriam e acabariam.

Meu pai, como sempre, nos dava liberdade para resolvermos nossas brigas. Enquanto brigávamos, ele preparava o almoço usando um short jeans feito de uma calça velha e com o peitoral cabeludo desnudo.

Por que será que os adultos acham não dever resolver as brigas das crianças. Por que eles acham termos capacidade de resolvermos sozinhos.

'Acho mesmo é que eles têm medo.'



O Bicho

É um ódio que todo mundo tem.

E por que tem que ser assim!

Nossos primeiros inimigos convivem conosco. São nossos amigos também.

Por que é tão difícil crescer amando o irmão?

Brigo com ela pra ti ferir mais. Sei que isso punge a mim, mas mais-te.

Você quem quis me pôr neste mundo fadado, onde nada dá certo. O destino me marcou. A noite também.

Eu só quero ser feliz!

Faço as escolhas certas sim.

Faço o que consigo e da maneira que sei. Mas tudo já parece estar traçado.

Não tenho saída.

Fujo, fujo e carrego tudo comigo. Não consigo sozinho. Só, ainda fujo de mim. E não consigo.

Não que eu não quisesse abraçá-la, e mostrar-lhe o quanto a amo.

Mas não posso. Mais que isso: não consigo.

O inferno já é aqui.

Passo pelo mar diariamente e não muda nada.

Sei que deus está lá; nas águas e não no céu.

O céu é um vão, as águas são a criação. É dádiva. O presente maior.

Sua puta!

Rapariga!

Perebenta!

Nojenta!

Cachorra!

Safada!

Na realidade eu só quero nos salvar, nada mais.

Mainha nos olha e chora, roga ao céu sem saber o que está acontecendo.

Nem eu sei, mainha. Explica-me você que me pôs aqui.

Você me deu o que para receber carinho?!

Você me deu o que para desfrutar de uma família feliz?!

NADA!

Você só me tirou o direito de não existir. Deu-me a vida e me entregou a ela.

NÃO! Vou te mostrar que não é assim.

Não tinha consciência de nada. O ódio sem motivo era provocado por nada.

Parece que só estar vivo me incitava à revolta.

Quem são os culpados?

Meus pais!?

É uma solução simplista demais. Mas em primeira instância é a que eu tenho pra dar.

Zoada de AzulejoOnde histórias criam vida. Descubra agora