Todas as Pestes do mundo

3 0 0
                                    

No quadro verde-lodo estava escrita a lição, e a professora Tânia, a baixinha, aconselhava seus alunos homens a tomarem cuidado com a Loira do Banheiro, causo da vez que intrigava os moradores da parte leste do sertão alagoano _ ela é uma loira vistosa que porta adereços dourados e prateados. Nos pés tamanco escarlate de salto alto. Exímia dançarina e encantadora nas palavras, só seu olhar já fala. Nos bordéis do interior, ela brilhava e provocava brigas. Todos dela querem uma nesguinha. Ela dança e rodopia seu vestido cor púrpura, vai até o fim com os mais importantes homens dali. Mas depois de retocar seu batom no espelho do banheiro, some. Deixando trêmulos os que chafurdaram naquela fonte. No espelho do estabelecimento, a frase: A Peste esteve aqui!

A elegância pode passar despercebida. A deselegância não.

Sob olhares atentos e estarrecidos das crianças, a professora não se intimida e continua a dá seu testemunho.

_ Têm pais de alunos que me indagam grosseiramente sobre meus apontamentos. Não posso só ensinar números, para muitos eles se tornarão inúteis. A palavra de Deus combina com tudo, com a Matemática não haveria de diferir. Estou diante de uma geração privilegiada. Já imaginaram presenciar o Alfa. O Ômega, pois.

_ Concordo com os seus pais que o livro do Apocalipse é o que mais desperta curiosidade. Na medida em que a leitura avança, nas horas em que a idade não acompanha, meus meninos não conseguem dormir. Têm pesadelos, fazem associações do escrito com sua realidade.

Ali o mal estava feito. Dizer o que não devemos fazer é nos dá escolhas. Se não as tivéssemos, não seria uma opção errar.

Assim que cheguei a casa procurei em silêncio uma bíblia de bolso que fora distribuída gratuitamente naquela mesma sala por missionários das Testemunhas de Jeová.

Achei, achei!

Nas minhas mãos está a Bíblia do Novo Testamento; cinza, pequena, capa gostosa de morder – é um tipo de papel acrescido de emborrachado. Dentro papel fino, cheiro de livro e letras miúdas.

Apocalipse, Apocalipse, Apocalipse... Achei! É o último, o fim. Meu coração dispara antes mesmo da primeira palavra. O começo e o fim da leitura são feitos em aproximadamente uma hora.

Literatura fascinante e ilustrativa. Da cadeira de balanço da sala caminho lentamente até o meu quarto, dali não sairia mais naquela noite. Meus pensamentos dão rasantes próximos uns dos outros, mas não se chocam. Tudo lá dentro é perfeito, porém não posso viver lá. Comparei-me a deus ali. O ódio retórico não é ruim; não leva o outro a nada e só faz bem a si.



Uma hora depois da vitamina de banana, pus os pés no chão e caminhei, limpando os olhos, até a sala. Não via ninguém. Liguei o Micro System preto da estante da sala e sentei no sofá (não pude deixar de perceber o Livro dos Espíritos, descansando dentro de sua capa dura, bem ali a minha frente. Era o livro de minha avó). Logo após a propaganda do café Emecê, o locutor anuncia o top 10 do dia. Ai, Ai, Ai! Aquela música vencedora – Fala só de amor, um reggae de Edson Gomes – entrou em mim e criou vida. Foi dela que saiu o imaginário adormecido na madrugada.

Uhhhhhh apapêaaaaa uhhhhhhh

Até mesmo um guerreiro

(Tem o seu momento)

Pra

Falar do seu amor

(Do seu sentimento)

E agora...

(Fala só de amor)

Todo mundo tem um amor!

(Fala só de amor)

Todo mundo tem um amor, yeah!

(Fala só de amor)

Olha todo mundo tem um amor, yeah!

(Fala só de amor)

E eu também tenho o meu amor, "né"?

Por mais forte que seja o homem

(Que seja o homem)

Sempre chega o momento

(Sempre chega o)

De

Cair diante de

(Um sentimento)

Sei que a água, a água é mole

(E a pedra é dura)

Eu sei que a água, a água é mole

(E a pedra é dura)

Mas, já fala o ditado

(Tanto bate até que fura)


Fui à área esperar a volta de alguém da família. Temendo o nada, lutava em vão para esvaziar minha mente.

Zoada de AzulejoOnde histórias criam vida. Descubra agora