Cocô de pombo

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Comecei a dormir, os pensamentos me seguindo. São meus inimigos; na cama, sozinho, eles estão comigo. Entro em desespero e quero poder gritar. Quando dou por falta de mim, já durmo. Mexo, mexo e suo. Parece que alguém enforca meu pescoço. Esperneio para todos os lados e levanto-me na direção do cume do mosquiteiro, pulando sobre o colchão, sobre o lastro de madeira da cama, quero gritar e não consigo, levo as mãos ao pescoço e só sinto as minhas próprias mãos lá. A zoada do lastro de madeira da cama acorda minha mãe ao lado que grita e desperta minha irmã mais velha. Quando a luz acende tudo passa, e agora sinto um forte azedo no esôfago. Não na boca, nem no estômago, só lá: no esôfago. Vou ao banheiro urinar, minha bexiga está cheia. Volto para cama sem ter conseguido expelir nenhuma gota sequer. Mas, quando deito, minha cama está molhada de xixi. Sobre o azedo no esôfago minha irmã diz: _ deve ser cocô de pombo. Uma amiga minha disse que um mirou e acertou bem dentro de sua boca aberta, e o gosto era assim; azedo.

A luz apaga e eu volto a dormir, já esgotado de pensamentos.

No escuro do meu quarto vejo algo como nuvens de um lado. Não temo o que está na minha frente, mesmo insólito, torna-se concreto já que está acontecendo. O que ainda não aconteceu na minha frente ainda não teve permissão para tanto. Disto eu amedronto-me. Pensamentos mais vagos puxam um sono pesado, acordo com o canto do galo e o cheiro de borracha da mamadeira roçando meus lábios; outro dia se fez. Menos um. Meio-dia logo estará aí, as manhãs passam que nem se sentem. É o melhor horário para praticar atividades monótonas. São horas mortas. Saí de casa já ansioso para voltar. Na mochila o caderno e os livros. No braço curvado, como que em meio abraço a si mesmo, o de matemática. A professora Tânia dará a primeira aula. Não me ficou claro se é na universidade ou na especialização que os docentes aprendem a introduzir aulas. Acho que são autodidatas nessa área.

Zoada de AzulejoOnde histórias criam vida. Descubra agora