Obnubilado

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Na mesa da cozinha, como em várias madrugadas acontecia, eu e mainha sentávamos e jogávamos conversa fora. Hora sobre o dia que acabara de passar, hora sobre o futuro que estava próximo a chegar.

A mesa ainda suja de migalhas de pão francês, a toalha de plástico com alguns queimados das panelas quentes, os mosquitos não deixando a gente em paz. Além do zumbido insuportável, ainda picavam-nos como que nós fôssemos seu café da noite. Conformados, continuávamos ali. Cansados do marasmo do dia, e do mormaço também. O sol quente da cidade soma-se às atividades diárias e derrota qualquer lutador nas horas da madrugada. Um vinho barato sempre está na geladeira para essas horas. É Quinta do Morgado. Tomamo-lo em copo americano.

_ Tu viu a tia Verônica? Ela tava meio triste, por que hein?

_ Oxe, menino, para com isso. Deixa tua tia em paz. Ela tem os problemas dela.

_ Agora, e não pode falar dela não, é?

_ Ela acabou outro namoro há pouco tempo.

_ Nossa, de novo. Depois de você ter roubado o traste dela, ela nunca mais conseguiu ficar com ninguém.

_ Não é assim, meu filho. Lá vem o outro com esse assunto de novo.

_ Agora! Por que você não gosta de falar sobre isso. Não fez, agora aguenta.

_ Ai, Ai meu Deus. Vamos mudar de assunto. E o colégio como está?

_ E os impostos, como estão? Tudo em dia. Água, Luz, IPTU?

_ Ra, Rai!

_ Não é pra falar em obrigações. Então, toma!

_ Ah, meu filho. Só você mesmo.

_ Mãe, quando é que tu vai vender aquela casa velha e sair do aluguel, hein? Só tu mesmo pra ter uma casa parada e pagar aluguel. Já destruímos três casas de aluguel e essa aqui já tá caindo aos pedaços.

_ Eu mesmo, não. A casa que era do meu pai. Onde vocês nasceram. Eu não vou vender não. O que a gente tem não pode vender.

_ Mas, você venderia e compraria outra. Não pagaria mais aluguel.

_ Mas do jeito que ela tá, não vai dá muito dinheiro não. Teria que fazer uma reforma grande.

_ Ai, Ai. Tu arrumas dificuldade em tudo, Né.

_ Peste! Quanto mosquito. Vala meu Deus.

_ O meu sonho era morar em uma casa que não tivesse nenhum mosquito. Imagina poder dormir sem mosquiteiro, sem lençol, com a janela aberta. Nossa, que sonho!

_ Eu já tô acostumada, mas hoje tá demais. Vala meu Deus!

Comecei a querer fugir de mim: _ Ah mainha, vamos sair daqui. Tentar viver em outro estado. Em outra casa. Você não vê que nada dá certo aqui. Viver essa vidinha sem nada acontecer. Daqui eu posso ver todo o meu futuro, então para que viver. Vamos mãe!

Meu corpo tremia, em minha mente chegavam pensamentos de várias correntes. Nada se juntava, só meu olhar falava agora. Espero a resposta até que minha mãe abre a boca.

"Sim meu filho, eu entendo você. Eu consigo te compreender e vivo tudo isso também. Vamos mudar até acharmos o melhor para nós todos. Se um for assim, todos virão por aqui".

Era isso que eu queria ter ouvido. Mas _ Meu filho, por que seus irmãos não sentem o mesmo então. Por que eles não têm o mesmo desespero?

Ela me olhou docemente, pegou seu saco de bóbis, e foi acabar de pô-los sentada na cadeira de balanço da sala, assistindo à TV.

Zoada de AzulejoOnde histórias criam vida. Descubra agora