Marisol me olhou com uma cara de choro e sabia que ela estava pedindo desculpas por me delatar, apenas acenei com a cabeça calmamente e sussurrei um “tudo bem”, em troca ela fez a mesma coisa avisando que as meninas estavam bem e que ela estava cuidando delas. Ela claramente estava mais magra do que antes de eu a deixar, claro que Banks as tinha deixado com fome em retaliação, eu deveria ter esperado essa jogada suja dele, seu rosto estava com algumas marcas roxas o que dava ênfase em sua marca especial que era um pássaro voando debaixo do olho esquerdo, ela sempre teve uma ótima relação com os animais e por isso acabamos nos dando bem, minha loba adorava ela do fundo do coração.
Enquanto estávamos nessa conversa silenciosa perdi a maioria da interação entre Raul e Heidi, quando ia começar a prestar atenção percebi pelo canto de olho Mari puxando desconfortavelmente o punho da blusa para esconder a ferida que tinha no pulso e isso acabou me mostrando a palma da mão dela que estava cheia de cicatrizes por fazer o feitiço de localização várias vezes e isso me fez rosnar audivelmente o que chamou atenção de todos.
- Foi difícil te achar, mas não foi tão difícil achar a casa da grande prefeita Heidi Campbell. Agora se você já terminou de brincar de casinha temos que voltar, já perdi dinheiro demais vindo aqui. E podem ficar tranquilos, não falarei que vocês raptaram minha filha, se ela voltar agora e se me derem o pequeno que está ali atrás – aponta Banks para Jacen que tinha acordado e Lena rosnou e se levantou deixando o filhote encolhido debaixo das pernas dela enquanto ficava em postura de ataque quando escutou o final da frase.
- Saia da minha propriedade agora, Kira está sob meus cuidados e você não encostará nela nunca mais. Saiba que eu sei tudo o que você faz e fez com ela e com as outras meninas que você “cuida” então me irrite e eu poderei contar sem querer para alguns amigos meus da polícia seu ramo de operação.
- Você é bem afiada, mas se falar para a polícia nada vai acontecer, eles trabalham para mim. Eu posso fazer uma denuncia anônima falando que temos uma imigrante ilegal por aqui, ela vai voltar para mim de um jeito ou de outro, eles sempre voltam.
Eu estava segurando muito meu choro, tinha finalmente achado meu lugar no mundo e esse desgraçado queria me levar para o inferno de novo e sabia que ele me puniria trinta vezes pior do que tinha feito da última vez, olhei para Heidi que estava pensativa.
Derrotada apenas abaixei a cabeça, empurrei cuidadosamente Lyra e Ani para poder andar e lentamente fui dando pequenos passos para perto deles, mas Adrian não deixou, saindo de onde ele estava e saltando em minha frente me impedindo de dar mais um passo.
- Adrian me deixa ir, não quero que ele fique bravo e me machuque – falo sussurrando.
Ele balançou a cabeça negando e me empurrou para trás, Banks estava olhando fixamente para a cena com um sorriso maldoso no rosto, com a confusão não tinha visto que Kai entrou na casa, se arrumou e saiu com um celular na mão conversando baixinho com alguém.
- Chega – gritou Kai possesso – Seu cretino como pode fazer isso com crianças? Você sabe o que fazer – sussurrou no telefone, não sabia se Banks tinha escutado mais todos da casa, tinha escutado claramente.
- Kai Mendes, é até uma honra ver sua cara feia de novo, como vai à vida, Trevor vai bem? Soube que você saiu da vida de piloto por amor? Essa foi a pior palhaçada que eu já vi – fala dando risada.
- Para mim não foi nada bom ter que ver sua cara, minha vida está indo bem e de Trevor melhor ainda, sim eu desisti da carreira por Heidi e isso não foi ruim.
- Podemos ir ou vamos ficar para o almoço? – pergunta Raul sem nem ter escutado o que Kai tinha falado.
- Podem ir, mas sem a Kira ou Jacen, vocês sairão agora sem fazer um pio ou Trevor e os outros quebrarão todos os contratos com você, até mesmo a polícia. Agora saiam – fala Kai com uma voz que não deixava interpretações.
- Isso ainda não acabou lobinha – resmunga Banks saindo.
Quando eles saíram da minha linha de visão eu apenas corri para dentro me trancando no primeiro banheiro que encontrei liberando o choro que estava guardado, enterrando a cabeça entre meus joelhos. Escutei Adrian, Conrad, Lyra, Ani e até Tristan bater na porta pedindo para eu sair que eles estavam preocupados, fingi que não tinha escutado e continuei sentada olhando para o teto, minha fome tinha ido embora na mesma hora que senti o cheiro dele e eu só queria sumir ou me enfiar na floresta e sair quando eu tivesse certeza que ele morreu.
Depois do que pareceu dias, mas foi apenas algumas horas tomei coragem, para finalmente sair do banheiro, antes lavei meu rosto para dar uma desinchada, e fui pegar meu celular na bolsa, quando o peguei ele estava sem bateria então tive que colocar para carregar e me arrumei, não queria que os outros me vissem mais teria que os enfrentar, e o cheiro de comida estava me atiçando. Suspirando desci as escadas sendo recebida por toda a matilha em um círculo um pouco confuso, envolta do último degrau e seus olhares preocupados, até Henry estava lá e ele parecia muito uma pessoa bem desapegada.
- Querida você está bem? – pergunta Heidi dando um passo à frente apertando minhas mãos.
Balancei a cabeça negando e ela apenas me olhou com pena, e o salvador daquela situação foi o pequeno Jacen que correu em minha direção abraçando minhas pernas, tomei um susto com a força que o pequeno fez.
- Obrigado tia Kira por não deixar aquele moço feio me levar – falou baixinho.
- Jace eu não fiz nada, você deve agradecer a Heidi e Kai, eu ia com ele para você não ir – falo sentando no degrau e o abraçando.
- Mais você iria com aquele decrépito apenas para não trazer confusão para a matilha, isso é o que alfas fazem, é quase como um instinto de proteger a matilha e os mais fracos – fala Ani.
- Então isso é bom? – pergunto limpando as lágrimas de Jace.
- Às vezes. Mas vamos falar de outra coisa, quer comer? Yuri comentou com a gente que você estava com fome e que desceria mais rápido – fala Kara brincando.
- Obrigado por falar demais Yuri – resmungo pegando Jacen no colo e indo para o sofá - Tenho uma ideia de como fazer a vida de Banks um inferno, se Kai ligar para os amigos dele pedindo para o deixarem de fora de tudo mesmo quando ele concordou em nos “deixar em paz” e pedir para os contatos de Heidi entrarem lá e pegarem as crianças acho que derrubaremos ele não é mesmo? – pergunto retoricamente.
- Você tinha ou tem alguma amiguinha lá que quer buscar? - pergunta Alexei, ele tinha se transformado em humano de novo e era tão assustador quanto lobo, ele era alto, o cabelo dele chegava até a cintura preso por tranças e seus dentes pontiagudos apareciam mesmo como humano.
- Não, prefiro que as meninas não sabiam onde eu estou ou venham para cá, se Banks descobrir isso elas irão sofrer na mão dele, independente do que façamos - falo triste pensar nessas possibilidades me fez sentir ainda mais depressiva.
- Irei falar com meus contatos também, Rexis deve ajudar em alguma coisa nesse caso – fala Ani andando de um lado a outro agitada.
- Quem é Rexis?
- Um amigo meu desde as guerras, ele também é um lobo mas não faz parte de nenhuma matilha, ele apenas ajuda as que pedem e vai embora.
- Legal – fala Jacen saindo do meu colo e indo correr atrás de Scott.
- Esse tem energia de dar inveja – comentou Heather bem humorada.
- Filho do pai dele né – retruca Kaleb. Fiquei com vergonha de perguntar quem era o pai de Jace e porque não estava aqui então fiquei quieta, mas Ezra deve ter percebido minha cara de interrogação e decidiu explicar.
- O pai dele era meu antigo “mestre”, o nome dele era Jake, Anika falou bem rapidamente dele quando você chegou, ele morreu nos protegendo. E no final nem soube que teria um filho – fala o azulado segurando as lágrimas.
Concordei com a cabeça pensando em como seria se eu morresse e não soubesse que teria um filho, era uma perspectiva triste mais no mundo que vivíamos era cheio dessas ironias, pelo menos o pequeno tinha uma família que o protegia e cuidava então não era assim tão ruim. O silêncio ficou pesado naquela sala e poderia cortar a tensão com uma faca, mas Conrad tentou quase inutilmente levantar nosso astral.
- Como foi sua noite ontem, Kira? – pergunta ignorando minha cara de desgosto.
- Legal – respondo meio que obrigada.
- Deve ter sido mais que apenas legal, vamos Kira, não quero ver ninguém triste hoje por um babaca então conte para a gente nos mínimos detalhes.
Não queria, mas vendo com ele se importava se eu estava ou não triste fez meu coração derreter.
- Só conto depois de eu comer.
- Você passou quase dois dias inteiros caçando e ainda está com fome? – pergunta Tristan abrindo um sorriso de puro sarcasmo.
- Passar a tarde sendo perseguida por um alce não é legal e cansa tá bom, além disso, eu preciso tirar o atraso de 14 anos sem comer direito – reclamo cruzando os braços.
- Como assim, explica isso direito, quase não temos alces por aqui, pelo menos eu acho – murmura Conrad confuso.
- Pelo visto temos sim – Yuri entra na conversa.
- Onde você achou essa coisa? – pergunta Adrian.
- Pedi para Yuri me levar em algum lugar porque queria conhecer o território, depois do rio, mas no meio do caminho demos de cara com o demônio em forma de alce que nos perseguiu até agora pouco.
- Que mês estamos? – pergunta Ezra.
- Outubro, mais precisamente dia 18, por quê? – responde Lyra.
- Esse mês é época de acasalamento deles, por isso os machos estão mais agressivos. Vocês tiveram sorte de saírem vivos.
- Yuri falou a mesma coisa, como vocês sabem disso?
- Eu sou guarda florestal e Ezra quer ser biólogo, então somos meio que obrigados a saber quase tudo sobre essa floresta.
- Sério? Que incrível, o que vocês fazem? menos Heidi e os dois – pergunto para o resto do pessoal enquanto comia um pouco de ovo mexido que Lena tinha feito, Conrad estava certo a comida dela era realmente boa.
- Eu sou artista, e gosto de grafitar nas horas vagas, se quiser que faça alguma coisa na sua parede é só chamar – fala Heather abrindo seu celular e mostrando algumas fotos lindas de seus desenhos, e agora fez sentido o porquê de seu cabelo todo colorido.
- Irei chamar sim, pode deixar.
- Lena, Kai, Alexei e Conrad agora são pilotos de entrega, muitas das vezes não são produtos legais, mas quem se importa não é mesmo? E às vezes ainda fazem uns trabalhos por fora, mas com menos frequência – fala Henry tomando a dianteira – Brenda é fotógrafa, Kaleb e Nick estão montando uma pequena editora e irá empregar o resto do pessoal que ainda não tem emprego, Kara e Tristan trabalham juntos no mesmo hospital, ele é médico e ela enfermeira. Anika é professora de karatê para crianças e de autodefesa para mulheres e Lyra trabalha em uma empresa de engenharia e está cursando isso na faculdade também, o resto está desempregado ou não quer trabalhar mesmo.
- E você Kira, o que está fazendo de faculdade ou quer fazer?
- Eu queria fazer alguma coisa voltada com mecânica e máquinas, terminei o ensino médio ano passado, mas como não tinha dinheiro e Banks não me deixou fazer as provas para entrar em uma faculdade pública eu deixei por isso mesmo.
- Se quiser temos como te ajudar nisso, posso arranjar uma certidão de adoção falsificada e te colocar na melhor universidade que existe – fala Heidi.
- Não, vocês já fizeram coisas demais para mim, eu tenho que correr atrás sozinha agora. Mas admito que conseguir uma cidadania daqui seria bom para eu não ser presa – falo com um toque de humor.
- Daqui a pouco irei mexer meus pauzinhos, agora o que faremos? – pergunta Kai.
- O que vocês fazem para não morrerem de tédio por aqui? – pergunto bem humorada.
- Bom, hoje infelizmente não temos corrida de Fórmula 1 ou de outro tipo, então não temos muita coisa pra se fazer. Mais saiba os domingos que tem corrida são sagrados, normalmente os que vem são só eu, Kai, Alexei, Conrad e Lyra então tem espaço para mais um - fala Lena dando de ombros quando olharam feio para ela.
- Eles não só assistem isso quanto ficam gritando se alguma coisa dá errado, na última corrida o favorito de Kai foi jogado pra fora da pista e começou uma discussão enorme sobre quem estava errado - fala Kara de braços cruzados.
- Eu não tenho culpa se Lena torce para pessoas que jogam sujo - fala Kai cutucando a ferida.
Lena abriu a boca para retrucar mas Ezra tapou a boca dela para evitar mais uma discussão enorme por causa de nada.
- Bom, você pode me ajudar a arrumar a Bala de Prata – fala Kai tentando tirar o foco para a briga que ele quase tinha começado.
- Você não sabe o quanto eu odeio esse nome – murmura Heidi batendo a mão na testa.
- Todos concordam que é um ótimo nome e piada interna também – retruca Kai.
- O lendário carro que fez a corrida de 24 horas e foi considerada o carro mais rápido do mundo em 1980? – pergunto maravilhada.
- Admiro uma criança que saiba o que é bom. Então você vem ou não?
Saio atrás dele igual uma criança muito animada, o que era o caso, mas percebi que uma pessoa não gostou tanto da proposta que tinham me feito, Alexei veio atrás e sabia que aquele carro era tudo para os dois.
Me surpreendi com a visão do carro milenar que estava na minha frente, era um Ford Shelby Mustang GT500 de 1970 prata a coisa mais linda, uma verdadeira raridade, estava tremendo apenas de chegar perto dela, Alexei deu risada da minha emoção.
- Ela é mais linda do que eu imaginei – falo afagando o capô com reverência.
- Ela é meu bem mais precioso. Depois do meu amor pela Heidi é claro – Kai logo tratou de emendar por escutar um belo e audível rosnado de sua mulher, o que me fez cair na risada mesmo eu ainda estando impressionada.
- O que você precisa que eu conserte?
- Ela anda tendo muitos problemas com a caixa de cambio nova que trocamos recentemente e está soltando muita fumaça, eu e Alexei tentamos de tudo e não achamos nada que indique o porquê desses problemas.
- Onde tem uma caixa de ferramentas? - pergunto abrindo o capô com cuidado.
Kai resmungou alguma coisa sobre eu ser uma criança insolente e Alexei me entregou.
- E se puder fita adesiva também.
- Pra que você quer fita? - perguntou Alexei confuso.
- Vocês entenderão - digo fazendo suspense.
Comecei a ver aquele motor lindo que tinha que fazer alguns reparos daqui a pouco e não achei problema, mas como sabia que ele estava lá pedi para Kai ligar o carro.
Com a audição apurada consegui escutar um pequeno som de repuxo no final da mangueira do carburador, então pedi para Kai desligar o motor e peguei a fita que estava na mão de Alexei e fui enrolando envolta de toda a extensão da mangueira e apertei um pouco mais os parafusos do motor que estavam soltos, pedi para ligar de novo e com uma satisfação interna vi que a potência de aceleração dele tinha aumentando consideravelmente e o som tinha sumido.
- Prontinho, posso ir para a caixa de câmbio já? Trevor é seu amigo? - digo limpando minha mão na calça mesmo, ela ficou um pouco suja, nada muito preocupante.
- Como você conhece ele? - perguntou Kai baixinho impressionado.
- Quando Raul estava pensando em se mudar ele pediu ajuda e Trevor foi lá, acabamos conversando, ele até me prometeu um emprego, eu só tinha dez anos naquela época, mas nunca esqueço da promessa dele - digo sentando no banco de motorista tomando todo o cuidado do mundo pra não quebrar nada.
Comecei a olhar o câmbio e logo percebi o que estava errado, tinha um vácuo de ar quando se trocava as marchas, estava pensando como arrumaria isso, quando lembrei que tinha aprendido um jeito não tão rápido mais que consertaria em definitivo.
- Kai, você só precisa trocar o óleo do câmbio e a água do radiador - falo levantando e saindo, ficando do lado deles.
- Por quê? - pergunta Alexei surpreso.
- Vocês devem ter percebido o vácuo de ar e a demora para trocar a marcha, pelo que eu sei e por vocês terem trocado ela recentemente e um problema de temperatura e talvez do cano que pode estar com algum vazamento, mas eu acho muito improvável.
- Uau, essa menina sabe mesmo o que tá falando, quem te ensinou tudo isso?
- Aprendi sozinha ou com os mecânicos que eu tinha que conversar e visitar de vez em quando.
- Certo acho que podemos fazer o que você pediu sozinhos, vá conversar com Conrad ele também tem alguns carros que você poderia dar uma olhada.
Concordei com a cabeça e entrei vendo todo mundo na sala, olhando para mim com expectativa.
- Como foi lá? - perguntou Lena, enquanto eu lavava as mãos na pia da cozinha mesmo, não gostava da sensação delas sujas mesmo sem ter pegado no pesado.
- Normal.
- Não se pode falar que ver a grande Bala de Prata é uma coisa normal - emenda Conrad.
- Além disso, ele tem mais ciúmes daquela lata velha do que eu - resmunga Heidi.
- Ele não costuma confiar em ninguém para consertar o bebê dele, então sinta-se honrada, nem eu que era parceira de corrida com ele, poderia encostar nela - fala Lena.
- Ele não me deixa nem chegar perto da garagem - fala Yuri chateado.
- Isso porque você quase bateu em um poste tarde da noite voltando de uma balada - retruca Kai aparecendo do nada.
- Foi uma vez só, e eu não bati não é? - pergunta Yuri se irritando.
- Meninos se acalmem, Yuri para de ser tão irritadiço, Kai pare de implicar com o menino. Agora fala pra gente como Kira se saiu em seu teste? - interfere Heidi na discussão.
- Teste?
- Foi excelente, Lena, Conrad e Henry ela fará um ótimo trabalho com os seus brinquedos. Lyra você achou uma amiga a altura de seu nível com gambiarras. Desculpa Kira, mas desde quando ouvi que você era boa mecânica, eu tive essa ideia de ver se era verdade mesmo então ontem à noite enquanto o resto caçava a gente voltou e quebramos algumas coisinhas para te testar.
Com certeza devo ter ficado vermelha pelos elogios, nunca tinha recebido tantos, mas percebi que Yuri estava realmente chateado, queria o fazer companhia até ele estar melhor, esse foi o instinto da minha loba gritando, ela já estava super apegada com ele mesmo sem saber quase nada dele.
- Kira, se você quiser podemos começar seu treinamento - fala Ani.
- Ainda é cedo - retruca Henry.
- Quanto mais cedo melhor Henry, você sabe bem disso.
- Ela irá começar por qual parte? - pergunta Ezra.
- Meditação - fala Henry com a voz que não deixava perguntas.
- Porque começar com o pior? - pergunta Yuri.
- Pior pra você garoto, não sabemos como ela irá reagir.
Não estava entendendo a discussão dos deles então apenas abri a geladeira e peguei uma maçã esperando a briga terminar pra ver o que eu faria agora. Ani entrou no meio também falou que eu teria que aprender a lutar o mais rápido possível para não ser presa fácil para os "povo da floresta", acho que esse são os grupos errantes de machos, resolvi dar minha opinião quando a discussão entre aquele grupo de alfas ficou um pouco pior e eu achava que eles iram sair na mão.
- Acho que meditar é uma boa ideia - digo jogando o miolo da maçã para Volpi que me olhou agradecido e sumiu debaixo do sofá.
- Certo - fala Ani relutante - quem vai?
- Heidi você vai ou fica aqui fazendo coisas chatas de prefeita? - pergunta Henry.
- Coisas chatas, preciso organizar as finanças dessa alcateia. Com uma nova integrante tudo muda.
- Heidi eu não quero ser um estorvo, já te falei isso - falo pensando no que fazer se eu estivesse sendo um atraso para eles.
- Não é nada disso, querida, quando você começar a trabalhar, poderá ajudar nas despesas da casa, ou se você quiser morar sozinha também não tem problema, mas eu preciso ver esses pormenores para já ter uma ideia do que fazer. Uma mente precavida vale por dois, meu tio sempre falava isso, acabei pegando essa mania - fala Heidi tentando me acalmar.
- Certo, Kira pegue uma muda de roupa, no caminho iremos esconder essas roupas em algum lugar fácil para se tiver algum problema as achar facilmente – fala Henry.
Concordei com a cabeça indo para o quarto pegando as roupas, voltei com uma sacola na mão e Henry estava esperando na porta de braços cruzados, Anika, Ezra e Yuri estavam no sofá conversando sobre qualquer coisa. Quando me viu Henry apenas apontou para fora e o segui, os outros fizeram o mesmo e percebi que o mais velho não gostava muito de conversar porque nem Ezra tentou fazer suas piadinhas horríveis.
Fiquei perdida em meus pensamentos e prestando atenção no canto dos pássaros e apenas sai do meu mundinho quando senti os olhares deles em mim e percebi que tínhamos chegado a uma enorme árvore que tinha seu tronco oco, coloquei a sacola com as roupas tomando cuidado para não deixar muito fundo para conseguir alcançar ela na minha forma lupina nas emergências, esfreguei um pouco meu pulso no tronco da árvore para deixar o meu cheiro e ficar mais fácil de achar depois.
“Ele não se importa se estamos seguindo ou não ele” – resmungou minha loba quando viu Henry se afastar sem nem olhar para trás.
“Você se acostuma com isso depois de um tempo, se ele pudesse viveria isolado mais minha mãe não deixa” – olhei atordoada para os lados até perceber que era a voz de Yuri.
“Como fez isso? Ani disse que só podemos fazer isso depois de acasalados, pelo que eu me lembre não somos.”
“Não sei, apenas sei que consigo escutar seus pensamentos quando são muito altos e suas emoções eventualmente.”
“Espero que Ani consiga achar a resposta, não acho que estou muito feliz por ter alguém na minha cabeça.”
Ele apenas deu um pequeno sorriso e deu de ombros, respirei fundo para não me irritar e dei de cara com as costas de Henry que tinha parado e eu não percebi, murmurei uma desculpa enquanto sentava com as pernas cruzadas e as mãos jogadas em cima das minhas pernas, na frente dele morrendo de vergonha, escutei uma risada de Yuri e apenas mostrei a língua para ele mentalmente.
- Bom Kira, sua primeira lição é meditar e tentar se conectar com a magia que circula esse pedaço de floresta, sentir a vida e a morte ou nós falar quais animais estão por perto, estamos entendidos? – pergunta Henry me olhando sério, enquanto Yuri se sentava do meu lado esquerdo, Ezra do lado direito e Ani atrás de mim, fazendo um círculo protetor.
Fechei meus olhos e me concentrei em minha respiração, inspiração, mas isso não deu muito certo e estava começando a ficar impaciente. Estava começando a sentir alguma coisa na parte interna do pulso, talvez uma lagartixa que provavelmente achou que eu tinha morrido, tentei falar isso pra Henry, mas não consegui porque senti uma dor aguda em minha mão, abri os olhos assustada tentando entender da onde veio essa dor e vi Henry segurando um galho com espinhos que fizeram alguns furos em minha palma com a força que ele bateu, mordi meu lábio para não fazer alguma besteira, xingando Deus e o mundo por ele ser um péssimo professor.
“Você poderia ter me avisado sobre essa” – falo mal humorada para Yuri.
“Qual seria a graça?”
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Pakke
General FictionKira é uma licantrope sem matilha que fugiu de casa após algumas coisas darem errado. Correndo o enorme risco de ser atacada por alcateias já estabelecidas ela sai mundo a fora tentando encontrar onde pertence, depois de alguns problemas ao longo do...