Vinte e sete

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Entramos no quarto e ele trancou a porta, sentei-me na cama e ele se sentou de frente para mim. Suspirei. Aquele clima estava tão tenso quanto na noite anterior, porque agora eu encararia a fera sozinha.

— Sabe o que mais me dói? — Ele perguntou. Eu apenas neguei com a cabeça — Não ter escutado a verdade da sua boca. Eu sempre pedi para que você independente da situação me dissesse a verdade, porque eu não queria descobrir por mim e nem pelos outros.

— Mas eu ia falar, pai. Eu não estava com Savannah antes de você viajar.

— Esteve há dois meses antes. — Ele me interrompeu.

— Mas nem eu e nem ela aceitava isso. Eu a evitei por dois meses fingindo estar tudo bem apenas em sua frente. Eu não queria aceitar o que tinha acontecido e muito menos admitir que sentia algo por ela. Eu neguei isso até o último minuto, mas não teve como negar mais quando a gente ficou novamente. Sempre acabaria do mesmo jeito.

— Poderiam ter ligado.

— Você está de brincadeira, né? Não se conversa um assunto desses por telefone. É ridículo.

— Eu só não queria descobrir daquele jeito, Any. Puta merda, eu me senti traído. Doeu.

— E você acha que nunca doeu em mim? Você acha que eu nunca passei noites em claro querendo me estapear pela má filha que eu estava sendo? Ah, papai, você realmente não sabe metade da missa. Eu me sentia péssima! Completamente devastada. Era horrível.

Ele suspirou e ficou em silêncio me encarando.

— Se eu pudesse ter escolhido na época — Continuei — Jamais teria me apaixonado pela Savannah, porque eu realmente estava feliz de te ver feliz, mas jamais escolhi sentir algo por ela e tenho certeza que com ela foi a mesma coisa.

— O feitiço está virando contra o feiticeiro — Ele riu, porém era uma risada forçada.

— Como assim? — Perguntei, confusa.

— Nunca te contei sobre como conheci sua mãe, não é?

— Nunca.

Isso me fez perceber que em todos esses anos eu nunca tive a curiosidade de saber como eles se conheceram. Quer dizer, até tinha, mas nunca tive coragem de tocar no assunto. Não sabia como ele reagiria.

— Certo. Sua mãe e eu éramos da mesma escola, a diferença é que ela era um ano mais nova. Eu e Carlos, o pai de Savannah éramos realmente muito amigos, vivíamos juntos na escola, em festas, sempre um na casa do outro e também éramos do mesmo time de futebol. Sua mãe sempre foi muito quieta e na dela, o oposto de mim na época. Ela era completamente apaixonada por Carlos.

— Espera. O que? — Minha boca se abriu e meus olhos se arregalaram, fazendo-o rir.

— É, eu sei — Ele sorriu. Seus olhos estavam marejados já. O que eu temia, todas as vezes que sentia vontade de perguntar sobre isso para ele — Bem, continuando. Ela era apaixonada por Carlos, e ele como péssima pessoa e bom pegador que era, ficou com ela e acabou gostando dela, então eles começaram a namorar. O que foi uma merda pra mim, porque eu sempre fui a fim dela, mas ninguém sabia porque eu não queria ser zoado. No começo o relacionamento deles foi ótimo, mas com o tempo Carlos começou a agir feito um babaca, a tratava mal e apesar de eu não achar certo, nunca me meti. Até uma briga feia deles que eu peguei ela chorando em um canto da escola, desde então sempre que eles brigavam, ela corria para o meu colo. Foi assim durante alguns meses. — Ele suspirou, e eu vi algumas lágrimas cair. Meus olhos também marejaram e eu precisei segurar o choro para não desabar ali mesmo.

Ele continuou:

— Uma noite eu estava indo chamar Carlos para uma festa que teria na casa de um outro amigo nosso, já estava tarde, sua mãe estava voltando da casa dele sozinha e estava um frio terrível. Ela me contou que eles haviam brigado por um motivo que eu nem me lembrava mais, como ela não queria ir para casa já que estava tendo uma crise de choro, eu a levei para um parquinho ali perto e foi onde nós demos o nosso primeiro beijo. Uma semana depois, ela terminou com ele, eu abri o jogo para ele após também ser flagrado com ela e nós começamos a namorar. Por isso que eu disse que o feitiço virou contra o feiticeiro. Sua história é quase a mesma da minha, a diferença é que graças a Deus eu não sou um babaca, mas admito que era um pouco ausente da vida dela. Apesar de estar magoado, não julgo vocês, eu fiz a mesma coisa. É como eu disse, só preferia que você tivesse me contado, mas sei que eu que cheguei cedo demais. Eu realmente gosto muito da Savannah, mas jamais será o mesmo sentimento que eu tinha e ainda tenho por sua mãe. Filha, eu jamais vou amar alguém como amei ela. — Suspirou e começou a chorar copiosamente — Eu só queria que ela estivesse aqui — Disse entre soluços.

— Calma, pai — Abracei-o. Após ele se acalmar ele voltou a falar.

— Sabe por que eu não quis discutir com você ontem? — Encarei-o — Porque no dia em que sua mãe morreu, nós tivemos uma discussão. Eu esperei ela voltar para pedir desculpas pelo idiota que eu era, mas ela nunca voltou. Eu não tive a chance de consertar tudo. Por isso eu não quero discutir com você, nós nunca sabemos o dia de amanhã. Eu estou chateado, mas isso uma hora passa. Você é minha filha, eu não posso simplesmente te expulsar de casa e nunca mais falar com você, é ridículo.

Eu nunca soube que eles haviam discutido, e aquilo partiu totalmente o meu coração.

— Obrigada, papai — Olhei em seus olhos — Por ser esse pai incrível que você é. E me desculpe por ter errado.

— Não peça desculpas por amar, filha. Apenas seja feliz, é tudo o que eu desejo.

— Eu amo você. Amo muito mesmo — Abracei-o tal forte e fiquei feliz ao sentir ele retribui o abraço.

— Vou viajar por um tempo, Any. — Ele disse, se levantando — Preciso colocar minha cabeça no lugar. Não quero dizer que está tudo bem e algum dia simplesmente surtar e falar um monte de merda para vocês. Acredite, ontem eu precisei me segurar muito.

— Quando eu voltar, gostaria de pedir que você já tenha escolhido uma casa ou apartamento para vocês irem morar. Está bem? Não estou expulsando vocês, mas sei que vocês querem ficar juntas, e bem... — Eu o interrompi.

— Tudo bem, papai. Irei fazer isso o mais breve possível.

Óbvio que eu iria me mudar dali, não poderia simplesmente continuar morando lá com Savannah. Não era tão sem noção a esse ponto.

Ele se levantou e eu o segui até a porta da sala.

— Mais tarde volto para pegar minhas coisas e você, Savannah, conversamos mais tarde. — Ele olhou para Savannah que apenas assentiu.

Ele saiu e eu o observei saindo pelo portão e entrando em seu carro. Quando ele deu partida e saiu dali, fechei a porta e suspirei aliviada.

Meu pai sempre foi o meu herói, e agora não foi diferente. Ele abriu mão da pessoa que ele gostava por mim, aquilo era loucura. Entretanto, serviu para me mostrar quem é Simon Soares, e eu quero ser como ele. O melhor marido, pai e pessoa do mundo. 

Minha Querida Madrasta | SavanyOnde histórias criam vida. Descubra agora