A Vida É Assim

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- Eu sou linda, inteligente, corajosa e forte. Eu sou simpática e alegre, as pessoas querem estar comigo, faço amizade facilmente - Repito essas afirmações encarando os olhos negros no espelho.

Numa tentativa de falar até se tornar verdadeiro, toda aquela história de teoria da atração, pensamentos positivos, onde sou a responsável pela criação da minha realidade e posso ter tudo o que desejo a partir do que lanço no universo. Coisa de energia e frequência.

Parece absurdo, contudo tenho que ter uma esperança, preciso mudar minha vida.

- Marcela vem tomar café !! - O grito da minha mãe ecoa pela casa.

Rapidamente me seco, visto a roupa, para evitar ser enforcada por minha genitora que me lança um olhar fulminante quando entro na cozinha.

Sei que está brava, porém não é comigo, meu pai saiu de madrugada ontem, depois de mais uma briga entre eles, que mesmo com o fone de ouvido, com uma meditação guiada, consegui escutar.

Distraída minha mãe liga a televisão, está passando o noticiário local, a discussão foi tão feia que deixou ela estranha assim. Talvez queria ver o jornal para ter a sensação que meu pai está assistindo na sala no seu ritual matutino.

Meu pai ainda não voltou para casa, não sei onde deve estar, tenho medo que logo apareça no jornal : É encontrado corpo de homem bêbado jogado na esquina.

Uma mistura de tristeza e vergonha me faz morder a bochecha tentando esquecer esses pensamentos.

Acabo de tomar meu café e vou para o ponto com a Jéssica esperar o ônibus.

- Hoje o dia não está bom, parece que vai chover - Dona Maria puxa assunto encarando o céu cinza nublado.

- Está uma manhã bem fria mesmo - Concordo.

- No frio dói meus ossos, eu não gosto, tenho problemas nas juntas. - Aperta o robe contra o peito - Depois de uma certa idade menina Marcela, o corpo todo fica ruim.

Percebo a fragilidade da sua estrutura física, a idade avançada está a mostra na sua pele enrugada, no seu tronco curvado, na voz cansada, na magreza da sua carne. E por instante penso em mim mesma bem velhinha assim.

- A senhora é forte dona Maria, cheia de vigor, logo cedo acorda para cuidar da sua horta, das suas plantinhas - Tento animá-la

- Cuidar da vida dos outros - Jéssica sussurra com deboche.

O mundo é horrível, parece que a gente existe parar nascer, sofrer e morrer.

Nosso próprio corpo nos trai, adoece e se auto destrói, com a idade a gente tem problemas de audição, visão, doem as pernas, as costas, vem várias doenças.

É como ter uma data de validade e depois de uns anos o corpo entra em modo de autoextermínio.

E se o oxigênio for o veneno que nos mata lentamente?

- Tenho uma coisa para você - Dona Maria sorri e entra na sua casa, logo sai com uma pequena flor. - É uma rosa de pedra.

- Muito obrigada - Corro para guardar em casa.

- Lembra do pé de hortelã que ela te deu? -Jéssica provoca assim que volto a esperar o ônibus do seu lado

- Essa é uma suculenta, ela é linda, forte e resistente. - Procuro um nome para minha flor.

- Tem que ser para sobreviver a você. - Zomba insensível

Está me tratando com mais grosseria que o normal, porque ainda está chateada por mexer nas suas roupas sem permissão.

Delírios de Marcela  Onde histórias criam vida. Descubra agora