Vaga-lume De Marte

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Ando pelos corredores sentindo os olhares incisivos sobre mim, parece que cada aluno dessa escola resolveu me encarar, suas feições severas e intimidadoras começam a me perturbar.

O que há de errado comigo, porque estão me observando assim? Presto atenção na minha blusa para conferir se não coloquei do avesso, ou está suja de pasta.

De repente a multidão se afasta abrindo passagem para Sabrina,  a loira caminha altiva em minha direção.

Para na minha frente me analisando com desdém e então grita com fúria

– Sua horrosa, cabelo duro!

Todos ao redor riem, procuro por meu amigos que também estão gargalhando, Sabrina não para com seus insultos, aos poucos outras pessoas se juntam a ela me xingando, as vozes altas ecoam estrondosas como trovões.

Em lágrimas tento pedir para se calarem, porém assim que abro a boca meus dentes caem no chão, apavorada me abaixo tentando pegá-los.

Abro os olhos confusa passando a mão pelo colchão procurando os meus dentes, de súbito o quarto é iluminado pelo relâmpago que estoura no céu

Logo percebo que era apenas um pesadelo, me levanto da cama indo até a janela, pelo vidro vejo a chuva cair fortemente lá fora com seus raios e trovões.

As batidas do meu coração acelerado tomado pelo medo do sonho terrível se sobressaem aos barulhos da tempestade, e só por garantia vou até o espelho do banheiro, apesar do alívio de não estar Bangu ela, o vazio de ter perdido algo continua em mim.

No reflexo observo o meu cabelo solto, bagunçado e armado gritando para mim o quanto sou errada, não me encaixo.

Minha mente é tomada por todas as vezes que fui ofendida, araiva me domina, não quero  mais esse cabelo, não quero outra vez ser xingada, não quero mais ser vista como feia.

Com urgência abro as gavetas da pequena comoda, a maioria tem toalhas, rolos de papel higiênico e absorventes, porém consigo encontrar o que quero.

Ninguém nunca mais vai me chamar de cabelo duro.

Decidida aperto a tesoura com força, os tufos negros caem da minha cabeça com dificuldade, entretanto insisto com o objetivo de arrancar todos os fios.

O que eu fiz?

A consciência do meu ato me atinge de súbito, imediatamente interrompo o corte em choque, como vou sair de casa horrível desse jeito?

O espelho sem piedade reflete a minha angústia e falta de beleza.

Arrependida volto para quarto revirando o guarda roupa pego a primeira touca que encontro, me deito outra vez. Me sentindo feia e burra, choro até  adormecer.

– Marcela levanta, se eu ter que ir andando até a escola você vai ver – Jéssica me sacode.

– Você é uma chata – resmungo sonolenta.

– Caramba, o que  aconteceu ? – minha irmã exclama com espanto encarando minha cabeça.

– Não é nada, me deixa. – murmuro procurando a touca.

– Me conta agora o que você fez com o seu cabelo – questiona insistente.

– E-eu não devia ter cortado – as lágrimas escorrem fartas pelo meu rosto, entre os soluços do meu choro tento explicar : – Me chamam de cabelo ruim.

Jéssica vendo o meu desespero me abraça com tanta intensidade que chega a incomodar, contudo não quero se afaste.

– Também ouço isso, sinto muito, sei que dói, mas você tem que entender que seu cabelo é lindo, você é linda – grudada em mim, suas lágrimas molham meu rosto misturando-se com as minhas.

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