Não abro mão

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Por Maraísa
Juliana e eu sempre fomos muito amigas, nos amávamos acima de tudo, algo incondicional, sem condições de ser colocado em palavras, ela era minha irmã mais velha, contudo, as vezes, agia como mais nova. Era minha conselheira, minha melhor amiga, a melhor confidente que alguém poderia ter. Ela era sem dúvidas, a melhor pessoa do mundo e, eu a amava por isso.
Ela tinha 10 anos quando eu nasci, o que fazia com que tivéssemos uma relação diferente, eu queria brincar de boneca, enquanto ela queria sair com as amigas, se maquiar, dançar as músicas da época, ir para os bailinhos paquerar os meninos, o que fazia com que tivéssemos brigas intermináveis sobre ela ter mais tempo para mim. Contudo, ela estava mais preocupada com os outros do que comigo e, isso me incomodava na maior parte do tempo, todavia, todas as tardes, ela ficava pelo menos uma hora comigo, me ensinando matemática. Eu odiava essa matéria! Mas por alguma ironia do destino, minha irmã era craque em frações e, fórmulas enormes e chatas, o que a obrigava a me ensinar tudo que sabia e, era nesse momento que eu tirava um tempo para conversarmos sobre qualquer coisa.
Falávamos sobre música, garotos, festas, bebidas, profissões, professores chatos, paqueras e, quando víamos a tarde já havia passado e, ela rapidamente dava um jeito de sair dali, voltando a indiferença instaurada horas antes. E era com as amigas, que ela saia e se divertia, esquecendo-se de sua irmã caçula, que tanto a idolatrava.
Havia momentos que eu odiava ser a irmã mais nova, era ruim, afinal de contas eram anos de diferença, o que fazia com que nossos gostos fossem completamente diferentes. Eu amava ler livros de romance e, ela aqueles grossos do Harry Potter, que ela fazia questão de exibir em sua grande prateleira de livros. Eu amava comer hambúrguer no jantar e, ela vivia de dieta. Eu gostava das novelas infantis do SBT e, ela preferia assistir a uma boa série. Era difícil encontrar algo em comum em meninas com uma diferença tão absurda. Mas eu a amava de qualquer jeito.
E foi justamente por esse amor todo que eu decidi sacrificar parte da minha juventude para cuidar do que restou da minha irmã. A lembrança constante dela em minha vida, o sopro de vida que ela gerou em um momento de diversão, um "erro" que poderia ter sido evitado, contudo, agradeço aos céus por estar conosco;A pequena Maiara.
[...]
Tudo começou em uma sexta feira à noite, eu estava embolada nos cobertores assistindo a mais um capítulo da minha novela favorita, minha mãe havia feito meu prato favorito, hambúrguer com batatas fritas e coca cola e, eu estava contente por não ter aula nos próximos dois dias.
Meu pai, um arquiteto, não havia chegado da empresa, já que tinha combinado um jantar com os amigos em um restaurante da região e, minha mãe estava no quarto de Juliana ralhando com ela.
"Porra, Juliana! Eu não acredito que você vai sair de novo! Você só tem 20 anos! Não está com idade para sair a noite, ainda mais com aquelas meninas vulgares, como a Vanessa e a Fernanda!" Minha mãe dizia passando o sermão em minha irmã. Suas melhores amigas, as quais minha mãe considerava como péssima influência para a filha eram a companhia constante nas festas que minha irmã frequentava. "Eu não vou buscar você! Não vou me responsabilizar se você desaparecer! Não estou nem aí! Se você sair por aquela porta, esqueça que tem família!" Minha mãe gritava a plenos pulmões, contudo, minha irmã não deu a mínima. Pegou sua bolsa, colocou algum dinheiro nela e saiu com seu vestido colado no corpo vermelho, batendo na altura das coxas e seu salto mega afiado, sem olhar para trás. Sem nem menos me dar um tchau.
Minha mãe olhou estática para a porta, as lágrimas ameaçaram a cair, mas ela odiava chorar na minha frente, pois havia colocado na cabeça que tinha que mostrar que era durona, para que eu não a achasse fraca.
Uma grande bobagem! Mas era assim que ela pensava.
"Não seja uma adulta rebelde como sua irmã, Maraísa!" Ela disse lacrimejando "Por Deus, não seja assim! Eu não suportaria!" Ela falou e foi para o quarto. Eu apenas a encarei, vendo-a desaparecer pelo corredor, sem nem me importar se ela precisava de algo.
E ela sumiu, indo chorar sozinha, amargar o motivo de sua filha ser assim tão rebelde.
[...]
Não preciso dizer que Juliana apareceu no dia seguinte como se nada tivesse acontecido, meu pai deu o maior sermão nela e, as coisas se ajeitaram, ela prometeu não sair mais e, se dedicar a faculdade de administração de empresas que estava fazendo.
E, realmente nos três meses que se passaram, Juliana só saia para a faculdade, o que dava um tempo considerável para nós duas. E eu amava estar com ela.
Até que certo dia, vi minha irmã vomitando no banheiro, reclamando de tonturas, dizendo que não estava bem para minha mãe, a qual a princípio achou tratar-se de uma virose, pois minha irmã vivia comendo na rua com as amigas. Todavia, os sintomas não cessavam e, ela precisou ir ao médico.
E ai veio a bomba: Ela estava grávida!
E para piorar:Ela não se lembrava quem era o pai!
Minha mãe queria matá-la e, meu pai, não conseguia acreditar que sua filha, a bailarina da família, o orgulho, a primeira neta, havia sido capaz de ter cometido um erro tão gritante, que desmoronasse a honra da família Henrique Pereira.
Uma família tão tradicional, pessoas tão corretas, que jamais aceitariam um bastardo na família! Mesmo que essa criança seja o próprio neto. Mesmo que para isso fosse necessário expulsar a filha de casa a Deus dará.
E foi justamente isso que fizeram. Em uma tarde chuvosa de terça a tarde minha irmã foi expulsa de casa com 8 semanas e 3 dias de gestação, levando apenas a roupa do corpo e, algumas poucas coisas.
Juliana se foi da minha vida, mas dessa vez ela teve tempo de se despedir.
[...]
Eu estava no recreio, era uma quarta feira, um dia após sua saída de casa, na época eu tinha acabado de completar 11 anos e, me achava adulta pois podíamos sair para comprar lanche em uma vendinha há 0,2 m da escola, sob tutela da inspetora e do segurança. E foi justamente nesse lugar que Juliana me esperava ansiosamente para se despedir.
Eu lembro de vê-la enquanto pegava algumas balas para chupar na aula de ciências com a senhorita Margarida. Ela tinha um sorriso triste e uma feição de quem havia chorado muito, contudo, por algum motivo queria parecer durona.
Eu a abracei tão forte que tive medo que seus ossos quebrassem, mas ela não pareceu se importar.
"Por que você foi embora de casa?" Perguntei a encarando
"Por que chegou minha hora" Disse "Minha hora de voar" Falou e eu abaixei a cabeça. Por que ela precisava voar? Qual a necessidade disso?
"E você vai voltar?" Perguntei
"Não" Falou
"Nem para me fazer uma visita?" Perguntei
"Não faça perguntas difíceis, Maraísa!" Ela disse bufando. Sua paciência se esgotava com uma facilidade admirável.
"Tudo bem" Disse e ela fez menção de sair dali, mas antes me deu um último abraço. E seu cheiro ficou na minha roupa. O cheiro de sua colônia favorita.
E ela já estava há alguns metros dali quando eu corri até ela e, entreguei a barra de chocolate recém comprada.
"Para que você se lembre de mim" Disse sentindo o olhar da inspetora Flávia me fuzilar.
O sinal tocou e eu tive que voltar. Não sem antes vê-la partindo, dessa vez para sempre.
[7 anos depois]
"Filha tem certeza que você não quer continuar aqui em Goiânia? Eu e seu pai pagamos seus estudos, você não precisa ir para tão longe para estudar em uma universidade pública" Minha mãe dizia em prantos, atitude que ela não teve quando colocou minha irmã para fora de casa. Para ela foi cômodo, ela apenas mandou que Juliana saísse e, não se importou se ela estava ou não com um bebê em seu ventre. Contudo, comigo era diferente, mesmo sem querer eu era a filha predileta, a que nunca dera trabalho e, agora era uma recém aprovada em medicina na UFMG. Cara isso é bom demais para ser verdade!
Desde aquela época não soube mais da minha irmã, tentei procura-la, contudo, por ser muito nova não sabia para onde ir, contudo, todos os dias eu ia religiosamente até a vendinha próxima a escola, na esperança que ela aparecesse. Mas infelizmente ela não apareceu.
Com o passar dos anos, descobri que ela estava grávida, fato que eu tinha ignorado na época, por achar que as cegonhas que traziam os bebês e, não que eles eram frutos de uma relação sexual. Nesse sentido, foi um choque para mim descobrir que meus pais haviam sido capazes de mandar embora alguém naquele estado. Certo, minha irmã fez uma merda tremenda, mas ela era filha deles. Todavia, meus pais ignoraram esse fato completamente, como se eu fosse filha única e, Juliana jamais estivesse existido.
Por isso, eu dei um jeito de sair de casa, não aguentava mais viver ali sufocada, era muito triste para mim saber que minha irmã, foi mandada embora, tão triste que eu não havia tido coragem de ter um relacionamento, com medo de engravidar e ser tratada da mesma forma.
Dediquei-me completamente ao vestibular e, passei ao final do terceiro ano, o que foi uma alegria para minha mãe.
Mas ela murchou quando descobriu que eu havia passado em Minas Gerais, mais precisamente em Belo Horizonte.
"Queria que você ficasse aqui" Ela choramingava "Joga a sua nota para Goiânia, aqui é bom também!" Ela dizia "Qualquer faculdade pública é boa!" Completava. Mas nada faria com que eu mudasse de ideia, eu precisava de novos ares e, a ideia de mudar para Belo Horizonte de certa forma me deixa feliz.
Não sei, eu sempre quis morar em Minas Gerais, algo ali fazia com que eu tivesse vontade de ir para lá. Talvez o amor da minha vida estivesse morando lá? Bem, essa hipótese é pouco provável, contudo, não podemos descartar nada, não é mesmo!
A parte de colocar as malas no carro e dizer adeus é a mais difícil. Sim eu iria de carro, pois, queria ter a independência de ter um meio de transporte privado durante os seis anos que durariam meu curso e, meus pais fizeram questão de me presentear com um Mustang branco. Honestamente, eu acho que não é necessária tanta ostentação, mas o dinheiro é deles e, eles fazem o que quiserem com ele. Acho que me sinto assim por conta da sensação de culpa, sinceramente, eu podia ter feito algo para impedir que minha irmã se fosse, todavia, o que eu podia fazer? Ficar parada igual uma estátua em frente à porta obstruindo sua passagem? Meu pai me tiraria dali com um simples chute ou então me ameaçaria com um chinelo caso eu não saísse. Eu só queria que minha irmã estivesse por perto.
[6 meses depois]
A adaptação à faculdade foi legal, eu fiz algumas amigas, contudo, a melhor de todas é sem dúvidas a Marília, uma menina da minha idade, com os cabelos tingidos de loiro, os quais dão a ela um ar sexy e sedutor. Ela canta e compõe algumas músicas, além de tocar violão como ninguém. E, por alguma ironia do destino ela é de Goiânia. Vivemos juntas e, alguns dizem que parecemos duas namoradas, dada a nossa proximidade, contudo, eu não estou nem aí para o que os outros dizem.
Lila, como é carinhosamente chamada por mim é minha vizinha de porta e, por isso fazemos todas as nossas tarefas juntas, até mesmo ir jogar o lixo ou ir ao supermercado ou então no restaurante da esquina que vende umas empadas de queijo ótimas.
E, para o desespero da minha mãe, foi com ela que eu aprendi a beber, fato, que até hoje é ocultado lá de casa, contudo, meus pais sabem que eu frequento uma roda de violão todas as sextas feiras a noite e, que a festa se extende até o amanhecer de sábado.
Com essa amizade eu descobri que sei cantar e até comecei a fazer alguns arranjos no violão, o que segundo Marília vem se aprimorando aos poucos.
Digamos que minha vida vem sendo estudar, ir para o estágio e, participar das rodas de violão e, de todas as festas que a faculdade organiza, afinal de contas, o estudante de medicina precisa se divertir. E eu fazia isso muito bem, era algo meu, uma necessidade e, Marília estava sempre comigo.
E, quanto a vida amorosa? Bem, digamos que eu tinha uns paqueras, mas nada sério, eram alguns beijos, mas nada demais, sinceramente eu não sentia atração por homem nenhum, não sei era como se fosse um bloqueio, um medo das coisas darem errado e, ocorrer igual a minha irmã. E eu a amava, mas não queria acabar como ela, eu não podia estragar meu sonho por conta de um filho. Eu queria ser a doutora Maraísa! Eu tinha que ser a doutora Maraísa! E uma criança estragaria tudo!
Certo eu sei que existe camisinha, anticoncepcional e diversos outros métodos, mas sinceramente, eu estava evitando, até porque ir para cama com alguém que não se sente nada é um completo desastre, é como se de certa forma você estivesse dormindo com uma parede. Eu não acredito em fazer sexo, prefiro fazer amor, com alguém que se ame de verdade, que se compartilhe sentimentos e, emoções. E, no momento eu não tinha essa pessoa.
[Mais 3 anos depois]
Era uma sexta feira à noite, Marília estava animada pois as provas acabaram e, poderíamos finalmente brindar a metade do semestre que já havia se passado. Tanto eu como ela iríamos comparecer ao churrasco organizado por Henrique, um de nossos melhores amigos.
As modas corriam soltas, Marília já estava de certa forma embriagada, contudo, não deixava de cantar e beber por um minuto sequer, enquanto eu já estava caindo de sono em minha cadeira, afinal de contas, já eram 03:00 horas da manhã e eu estava acordada desde cedo.
Estava me preparando para arrastar minha amiga dali e pedir um Uber para irmos embora, quando meu celular tocou. Assustei-me quando vi que minha mãe estava me ligando, já imaginando o sermão que iria levar por estar fora de casa em plena madrugada. Atendi esperando sua voz nervosa e grossa soar pelo outro lado da linha, todavia, assustei-me ao notar que ela estava chorando como se estivesse acabado de receber a pior notícia de todas.
"Filha precisamos conversar" Ela disse sem me dar tempo de dizer nem ao menos um "alô" deixando-me ainda mais preocupada e com vontade de sair correndo dali. O que teria acontecido? Alguém teria morrido?
Eu me afastei dali onde meus amigos cantavam e bebiam, escorando-me no sofá da casa de Henrique, esperando que uma bomba explodisse a qualquer momento.
"Você está sentada?" Ela perguntou e eu quis morrer. As coisas estavam piores do que eu imaginava e, a última vez que ela havia mandado eu me sentar para contar algo foi há 4 anos atrás quando minha avó havia falecido em decorrência de um câncer no pâncreas. E eu era muito apegada a ela, tanto que chorei por 3 meses seguidos.
"Estou" Minha voz saiu trêmula. Ela suspirou. Eu fechei os olhos com força. Droga queria Marília ao meu lado para me dar estabilidade, contudo, ela estava embriagada demais para vir até mim.
"Sua irmã faleceu ontem em decorrência de uma meningite" Falou "O hospital acabou de me ligar, eles me localizaram pelo seu CPF" explicou.
A partir a daí eu não me recordo de mais nada daquela ligação.
[...]
Acordei no dia seguinte na cama de Henrique vestida apenas com uma lingerie negra e um short jeans, não sabia que horas eram, não tinha noção de tempo e nem de espaço e, só reconheci estar no quarto de Henrique pelo porta retrato no criado mudo com a foto dele sorrindo ao lado de uma vara de pescar.
E eu sorri ternamente ao perceber que atrás dele estava seu irmão, o Juliano, um rapaz tão gentil e meigo, que fazia qualquer pessoa se sentir um príncipe apenas pelo seu jeito doce de ser. E assim eu me recordei dela e da notícia que havia recebido.
Juliana havia morrido.
Ela havia me deixado para sempre.
Eu não a veria mais nessa vida.
Minha irmã mais velha morreu.
E eu desabei no travesseiro cheiroso de Henrique.
"Maraísa sua mãe está lá fora" Juliano disse entrando no quarto sem ao menos bater à porta, ele sorriu ao me ver e, caminhou até mim.
"O que aconteceu?" Perguntei nervosa
"Você desmaiou" Disse "Acordou alguns minutos depois, sua mãe mandou eu te dar um sedativo e, você dormiu até agora. Era o tempo necessário para que seus pais viessem te buscar" Explicou "Sua mãe me falou da sua irmã" Falou baixo, como se de certa forma quisesse ocultar aquilo, como se me recordar desse fato fizesse todo o turbilhão de emoções voltar "Eu sinto muito" Concluiu. Eu também sentia muito por tê-la perdido, uma dor tão forte e agonizante que eu sentia que meu corpo fosse desfalecer novamente.
"Onde está Marília?" Perguntei
"Desmaiada no sofá" Ele disse com um sorrisinho de canto de rosto. Eu me levantei ainda cambaleante, vesti minha blusa que estava jogada em qualquer canto e, fui em direção a sala. Não sem antes olhar fixamente nos olhos negros de Juliano que me fitava com ar preocupado.
"Nós...." Ia completar a frase, mas ele negou com a cabeça. Eu suspirei aliviada.
"Marília tirou sua blusa" Explicou "Porque ela é quente demais para o calor que estava fazendo de madrugada" Concluiu "E Henrique dormiu no meu quarto comigo" Eu dei um pequeno sorriso e sai dali.
Minha mãe estava no carro. Eu entrei e não disse uma palavra, não tinha nada a dizer, deixaria o silêncio falar por mim. E foi assim durante todo o trajeto para Goiânia. Um completo silêncio.
A lembrança constante de Juliana em minha mente.
Os sentimentos aflorados por ela.
A culpa me corroendo por dentro.
A vontade de gritar sendo mais forte do que tudo.
Ela não deveria ter ido tão cedo.
[...]
Minha mãe chorou durante todo o velório, enquanto meu pai sempre sisudo, olhava para aquilo sem acreditar no que estava ocorrendo. Ele estava estático, como se não acreditasse naquilo, como se fosse algo aquém da realidade. Contudo, era real.
Eles queriam que eu voltasse para Goiânia, afinal de contas, eu já estava no trrceiro período da faculdade e, no quinto poderia pedir uma transferência interna para a federal de Goiânia, todavia, eu me recusava. Não queria passar o resto dos meus dias ali com eles, sinceramente, não me descia a possibilidade de viver com pessoas que fizeram mal à sua própria filha. E eu estava com a decisão tomada de não regressar.
Durante o restante do semestre, limitei-me a ficar estudando em casa, recusando os convites para as festas e rodas de violão, tendo como única companhia os livros de medicina e, as séries que eu tanto apreciava. Compus algumas músicas, todavia, guardei-as apenas para mim, não mostrando nem mesmo para Marília, a qual, mostrou-se muito amável comigo, compreendendo meu tempo de solidão e, reclusão.
Contudo, já haviam se passado seis meses e, eu continuava não saindo, havia emagrecido e, não sentia mais vontade de viver, era algo mais forte do que eu, estar sem minha irmã me doía até a alma e, a lembrança dela era constante. Meus pais já estavam preocupados comigo e, diziam que iriam me buscar se eu não melhorasse, todavia, eles não tinham motivos para isso, pois, apesar do meu quadro depressivo minhas notas despontavam e, eu já estava sendo indicada como a melhor aluna da minha turma.
Marília começou a morar comigo, dormir na mesma cama que eu e, fazer minha comida e, isso fez com que nossa amizade que já era forte se solidificasse ainda mais. Até que ela me fez um convite em uma sexta feira à tarde para irmos ao show do Jorge e Matheus no mineirão. Eu ia dizer que não, contudo, por que não ir? Por que não curtir a vida? Eu era jovem, minha irmã não voltaria, eu tinha que aceitar que ela não viria mais ao meu encontro e, eu não poderia deixar de viver por conta da morte dela.
E foi ai que eu voltei a ser a Maraísa de sempre, esquecendo-me completamente da dor que eu havia sentido um dia. Juliana estaria sempre nas minhas recordações, contudo, eu não deixaria de viver por conta dela. Ela não ia querer isso.
[...]
Acordei em um sobressalto em uma segunda feira chuvosa em que eu não tinha aula de manhã, na noite anterior eu, Marília, Henrique e Juliano havíamos ido a um festival de música e, voltado às 03:00 da madrugada, estávamos completamente exaustos, mas havia valido a pena.
Meu celular tocava insistentemente e, eu não queria atender, pois sabia que provavelmente era alguma operadora me vendendo sei lá o que, contudo, ele já havia vibrado umas 100 vezes e, a pessoa não tinha desistido. Talvez fosse importante.
Peguei e tentei ao máximo não demonstrar que estava com sono.
"Alô?!" Disse com os olhos fechados.
"Bom dia, falo com Maraísa?" Uma mulher perguntou
"Sim" Disse ainda sonolenta
"Me chamo Adriana e falo em nome do abrigo Lar doce lar, a respeito da menor Maiara Henrique" Explicou. Eu não entendi nada do que ela estava falando. Abrigo? Menor?
"Moça eu não tenho interesse" Disse querendo encerrar a conversa.
"Senhora, eu realmente preciso ter essa conversa. O último desejo de sua irmã precisa ser atendido" Ela explicou. Desejo? Que desejo?
"Moça eu não estou entendendo, isso é algum trote?" Perguntei.
"Eu sei que isso deve ser novo para você, todavia, sua irmã deixou a guarda da filha dela para você" A mulher disse. Ela deixou em um documento formal redigido em cartório que, se algo a acontecesse era para nós te procurarmos e, a responsabilidade da menor ficaria em suas mãos" Explicou.
"Moça eu tenho 19 anos, acabei de completar há 4 dias atrás" Falei. Eu estava em choque, meu sono havia passado e eu só conseguia pensar em uma coisa. Sua filha! Como eu fui tonta! Durante todos esses meses amargando a perda da minha irmã, esqueci do detalhe crucial: Ela tinha um filho! Contudo, eu achava que por ter sido duramente repreendida e, excluída por minha família ela havia dado um jeito de não ter a criança, todavia, eu estava enganada. Minha irmã fora mãe apesar de tudo, ela foi capaz de cuidar de sua filha, mesmo sendo expulsa de casa.
A culpa voltou com força.
Ela era mãe, ela não tinha dado sua filha para adoção.
Ela havia enfrentado todos por essa criança.
A menina estava em um abrigo sozinha.
E Juliana havia feito um documento para que eu fosse a responsável por sua filha caso ela faltasse.
Eu iria ganhar uma criança. E não sabia nada sobre o assunto.
Deus eu estava perdida!
Mas tinha que atender ao último desejo da minha irmã.
"Você está abrindo mão da guarda da sua sobrinha?" Ela perguntou. Eu hesitei. Não queria ser mãe agora! Mas quem cuidaria dela? Minha mãe não aceitou minha irmã e, certamente não aceitaria sua filha, mesmo estando arrependida e, ter chorado demais em seu velório, ela era orgulhosa demais para aceitar seus erros. Aquela criança só tinha a mim e, eu de certa forma queria tê-lá, mesmo que aquilo me custasse as festas e shows, mesmo que eu tivesse que parar de fazer o que eu tanto amava, mesmo que eu tivesse que crescer e, me tornar uma adulta responsável.
"Senhora?" A mulher chamou "Ainda está aí?" Perguntou
"Eu fico com ela" Disse
Um suspiro de alívio foi escutado pelo telefone. A mulher pareceu feliz com minha atitude.
Mas eu continuo me achando nova demais para ser mãe.
E ela me passou tudo que eu precisava saber, deu-me o endereço e disse que entraria em contato comigo dali há alguns dias. Explicou que o abrigo estava localizado em Goiânia e, que eu teria que ir até lá para buscar a menina de 8 anos.
Combinamos que eu iria na sexta feira.
[...]
A ligação se encerrou e eu olhei fixamente para a tela do celular. Deus o que eu havia feito com a minha vida? Teria volta? Mas a imagem de minha irmã não saia do meu pensamento e, eu amaria sua filha como um presente, uma lembrança da mulher que eu mais amei em toda minha existência.
Suspirei me recordando dela e, lágrimas escorreram de meu rosto.
Liguei para Marília que com toda certeza me xingaria por estar perturbando-a ás 10:00 da manhã em um dia com aula vaga no período matutino. Ela atendeu no terceiro toque e como eu imaginava sua voz não era das melhores.
"Maraísa é melhor que esteja morrendo!" Ela disse nervosa
"Você acha que eu tenho maturidade o suficiente para cuidar de uma criança?" Falei na lata
"Não!" Ela disse sincera "Você é a pessoa mais retardada e imbecil que eu já conheci em toda a minha vida" Falou. Um silêncio se fez presente e eu escutava a sua respiração "Mas eu amo você e, espero que não esteja grávida!" Completou.
Eu suspirei, Marília tinha razão eu era imatura. Eu era inconsequente. Eu era jovem.
"E se eu arrumasse uma criança?" Disse
"Maraísa, sério! Volte a dormir que seu mal é ressaca!" Falou "Esquece essa história de ser mãe, tudo tem seu tempo, você é uma menina ainda!" Disse e desligou o telefone, sem ao menos me dar a chance de contar a novidade a ela.
Agora eu seria uma menina mãe.
[...]
Convenci Marília a ir comigo para Goiânia após contar a ela toda história e, ela prometer me auxiliar no que fosse necessário. Seriam apenas nós e uma criança de sete anos.
Não tinha como dar errado! Pelo menos eu gostava de pensar dessa maneira.
Uma mulher de cabelos negros nos atendeu, ela sorria de uma forma gentil, a qual me deixou mais tranquila, pois transparecia uma certa paz.
"Vocês vieram buscar a Maiara?" Ela perguntou enquanto nos recebia. Seus cabelos curtos estavam soltos e, ela usava um vestido longo azul escuro, a pele branca estava marcada pelo sol escaldante de Goiânia. Eu assenti positivamente com a cabeça, minhas mãos suavam mais do que o normal e, eu me sentia taquicárdica. Marília olhava tudo aquilo sem dizer uma palavra, ela parecia estar preocupada com minha atitude de adotar uma criança na minha idade, contudo, não havia ninguém capaz de me fazer desistir de ficar com minha sobrinha.
Não contei aos meus pais sobre ficar com Maiara, todavia, sabia que, mais cedo ou mais tarde minha mãe descobriria e, eu honestamente não tinha coragem de enfrentá-la. Apenas eu e Marília e, agora Maiara sabíamos que eu havia ido até Goiânia.
Entramos no abrigo, era um local simples, porém aconchegante, com uma cama elástica e, alguns brinquedos espalhados pelo jardim, juntamente com um balanço e um escorregador onde algumas crianças brincavam.
A maioria sorria, todavia, algumas estavam com as feições tristes, como se sentissem que haviam sido desamparadas pela própria família. Um garoto especial me chamou atenção, ele era moreno, tinha os olhos negros e, parecia alheio a tudo enquanto brincava com uma menina também morena de cabelos castanhos.
"Eles estão esperando alguém para amá-los" A tal mulher que eu descobri chamar-se Rose disse observando meu olhar "Aquele menino chama-se Ramom e a menina Aurora, ambos são irmãos, foram abandonados pela mãe usuária de crack" Explicou e, uma lágrima caiu de meus olhos, Marília parecia sentir a mesma tristeza que eu.
Entramos dentro de uma enorme casa, onde haviam brinquedos espalhados, uma menina de uns 5 anos se divertia tentando montar um quebra cabeça ao lado de um menino de uns 7 anos que a auxiliava, os dois tinham a pele clara e os cabelos loiros e, pareciam também ser irmãos. Eles olharam fixamente para Marília que sorriu.
"Esses são Lucas e Marcela, eles também são irmãos, todavia, estão em processo de adoção" Rose disse feliz "Um casal de Rondônia irá adotá-los" Finalizou com um sorriso no rosto. Eu senti uma alegria repentina por isso.
Continuamos caminhando até chegarmos em uma pequena sala onde havia uma televisão e alguns livros. Uma menina de longos cabelos castanho claros, e pele branca como o leite lia um livro de histórias.
Eu a encarei e, não foi preciso Rose dizer nada porque eu sabia que era ela, não tinha como ser outra pessoa, era ela.
Ali na minha frente estava a minha sobrinha, uma cópia idêntica de minha irmã quando tinha a idade dela.
Os cabelos castanhos, os olhos da mesma cor, o nariz achatado, as sobrancelhas mais afastadas uma da outra. Era como se eu estivesse vendo uma miragem de Juliana em minha frente.
"Maiara, alguém quer te conhecer" Rose disse e, Maiara nos fitou por um instante, tirando os olhos do livro de histórias e, me encarando atentamente. Um sorriso surgiu em seus lábios e, eu quis sorrir junto, mas me mantive estática. Ainda em choque.
"Maraísa" Ela disse baixo "Mamãe disse que você viria" Falou olhando fundo em meus olhos negros, eu me assustei com seu gesto, todavia, continuei a encarando fixamente, como se estivéssemos em um jogo de olhares.
"Ela acha que fala com a mãe" Rose sussurrou baixo "Desde a morte de Juliana, ela cisma que a mãe conversa com ela"Explicou. Eu a ignorei e andei até Maiara com cautela, sem assusta-lá, minha vontade era correr até ela e, abraçá-la como havia feito da última vez que havia visto Juliana com vida.
Parei a alguns milímetros dela e, foi sua vez de se aproximar e me dar um abraço. Ela era desprovida de altura assim como eu, o que me fez soltar um riso baixo.
"Você vai me levar embora?" Ela perguntou olhando firme em meus olhos, essa parecia ser uma característica dela.
"Se você quiser ir" Disse "Eu te levo comigo para Belo Horizonte" Falei e, por um instante tive medo que ela dissesse que preferia o abrigo a viver com sua tia. Contudo, ela apenas assentiu positivamente com a cabeça e, pegou em minha mão com força, como se não fosse nunca mais soltar.
Eu senti ali uma conexão, algo inexplicável, como se fosse uma cena de filme.
E eu não estava arrependida do meu ato, pelo menos até agora.
Olhando para aquela menina de recém completados oito anos e, por alguns instantes me senti contente por tê-la adicionado a minha vida.
[...]
Rose nos contou sobre a vinda de Maiara para o abrigo, disse que não sabia muito do paradeiro de minha irmã e, quem havia trazido minha sobrinha para lá fora uma amiga de Juliana, a tal Fernanda, a qual estava cuidando dela, contudo, por já ter seus próprios filhos, decidiu colocar Maiara em um abrigo para que a justiça tomasse conta dela.
A polícia foi colocada a par da situação para investigar o paradeiro de minha irmã e, foi descoberto que, ela havia falecido, Fernanda não sabia dessa informação pois residia no interior de Goiás, em uma cidade chamada Anápolis, ao passo que minha irmã vivia em Goiânia. Sua amiga não sabia que ela estava doente, apenas havia deixado a filha aos seus cuidados para trabalhar como faxineira em uma casa de família em Goiânia. Segundo o que foi descoberto, ela quase nunca visitava a filha por falta de dinheiro e, após 3 meses trabalhando na tal casa acabou adoecendo e, sendo internada, todavia, o quadro evoluiu e, ela acabou indo à óbito.
Os patrões de Juliana, um casal de idosos, disseram que ela era muito doce e amável com todos, eles não sabiam que ela tinha uma filha, caso contrário, teriam permitido que ela vivesse com eles em Goiânia, no entanto, minha irmã fez questão de esconder para que eles não a demitissem. Um dia antes de falecer, sentindo-se muito mal, com fortes dores de cabeça e uma febre muito alta que não cessava com antitérmicos, minha irmã redigiu uma carta, alegando que caso ela viesse a falecer eu era a responsável por sua filha, uma vez que, o pai era desconhecido e, os avós maternos eram rígidos demais para ficar com a neta.
Rose me mostrou o documento e, eu chorei muito ao perceber que eu era a única aos olhos da minha irmã, que era considerada apta para cuidar da filha dela.
"Eu vou assinar o que for preciso, brigar com o mundo se for necessário, todavia, eu não vou desistir dessa criança!" Disse alto segurando a carta que minha irmã havia escrito. Uma lágrima furtiva escorrendo de minha face direita. Marília segurou minha mão com força, sentindo toda a emoção que eu estava demonstrando.
"Ela já é sua, Juliana já deu a guarda dela para você, é só levá-la" Ela disse me entregando os documentos. Eu exultei de emoção.
[...]
O caminho foi silencioso, sentei-me na frente, Marília ao meu lado e, Maiara atrás, ela estava tímida, como se nunca na vida estivesse andado de carro. Seus olhos brilharam ao perceber o imponente carro branco a sua frente e, ela assustou-se quando eu abri a porta do banco traseiro para que ela se sentasse.
"Esse carro é seu?" Ela me perguntou baixo
"É nosso"Respondi e ela sorriu timidamente com a resposta.
Liguei o rádio e, automaticamente a voz de Leandro e Leonardo ecoou pelo ambiente, Marília me encarou.
"Acho que está um pouco cedo para escutar uma sofrência" Disse olhando para Maiara que estava concentrada olhando para o banco de couro do carro.
"Como assim?" Perguntei
"Estamos com uma criança no carro" Ela disse apontando para minha sobrinha "Acho melhor colocar algo mais educativo" Falou
"E você quer que eu coloque o que?" Perguntei "Mundo bita ou algo do tipo?" Continuei
"Não, mas algo que não envolva traição, chifres, amantes e bebedeiras, ela ainda é uma criança"Sussurrou olhando para Maiara que olhava abobalhada para a paisagem a nossa frente.
" Por que não perguntamos para ela o que ela gosta de ouvir" Falei e olhei fixamente para Maiara que continuava compenetrada na paisagem a sua frente, ignorando-nos completamente.
"Mai?!" Chamei-a e, ela me encarou assustada, os olhos castanhos me olhando como se ela estivesse feito uma grande besteira. "O que você gosta de ouvir?" Perguntei e um longo sorriso surgiu em sua boca. Os olhos brilharam.
"Ellis Regina" Ela disse ainda sorrindo "Como nossos pais" Respondeu. Imediatamente minha lembrança se foi para uma Juliana cantando essa mesma canção enquanto tomava banho, ela amava Ellis e, sempre disse que se inspirava nela. Como nossos pais era basicamente sua marca registrada, ela dizia que a música era tão perfeita e sonora que, parecia nem ser real. Uma lágrima escorreu de minha face esquerda e, eu me apressei para limpar com força.
Marília percebendo que alguma lembrança se fez presente colocou a tal música para tocar e, a voz de Ellis inundou o ambiente, eu comecei a dirigir ignorando completamente a minha recente crise de choro quando escutei a voz baixa de Maiara acompanhado a música.
"Você me pergunta pela minha paixão digo que estou encantada" Ela cantava baixo, todavia, era notório que ela tinha voz para cantar, não desafinando nenhuma vez sequer. Marília me encarou pelo canto de olho, eu apenas sorri me recordando de Juliana. Se eu não soubesse que as duas eram mãe e filha com toda certeza desconfiaria dada as semelhanças.
Eu queria perguntar tanta coisa para ela, queria saber a quanto tempo ela cantava e, como era sua vida ao lado da mãe, tinha curiosidade sobre muitos aspectos de sua vida, mas tinha medo de acabar assustando aquela pobre criança com minhas perguntas então limitei a escutar ao longe a voz angelical de Maiara enquanto dirigia pela estrada sinuosa rumo a um capítulo desconhecido da minha vida.
Agora realmente não havia mais como voltar atrás, minha sobrinha estava no banco de trás do carro.
[6 meses depois]
Certo a adaptação de Maiara a nova casa não foi completamente como o esperado, ela ganhou um quarto, contudo, tinha medo de dormir sozinha alegando que tinham fantasmas horríveis em seu quarto e, por isso todas as noites, apesar das inúmeras histórias que eu contava para ela dormir ela aparecia em meu quarto com os cabelos desgrenhados e, os olhos inchados.
Coloquei-a em uma escola integral para que não tivesse que me preocupar em buscá-la durante os horários vagos da faculdade, tendo um horário fixo para encontrá-la e, todos os dias, religiosamente ás 18:15 eu ia buscá-la ou então Marília o fazia quando eu estava ocupada com alguma coisa. Ela fazia todas as refeições na escola, com exceção do café da manhã, o qual eu buscava o máximo possível ser equilibrado, contudo, minha sobrinha tinha uma avidez especial para comida, optando sempre pelas coisas mais gordurosas, como pão com nutella e misto quente. Eu não a repreendia, todavia, com o passar do tempo, passei a ensiná-la a como se alimentar adequadamente e, ela passou a melhorar, comendo mais frutas e legumes.
Digamos que nosso relacionamento se tornou estável e, algumas vezes ela me chamava de mãe, apesar de eu dizer a ela que sua mãe havia virado uma linda estrela cadente.
E minha vida social? As rodas de violão e os shows? Bem, eles haviam se tornado basicamente inexistentes desde o momento em que Maiara surgiu em minha vida, já que ela não podia frequentar esses lugares e, eu não queria que ela me visse bebendo todas, gostaria que ao menos ela tivesse a ideia de uma tia responsável que não tinha vícios. Deixo claro que não sou contra essas pessoas que levam os filhos para festas e shows, contudo, achava que minha sobrinha era muito nova para esse tipo de programa. Dessa forma, minhas sextas feiras antes regadas a álcool passaram a ser recheadas de filmes infantis e novelas do SBT.
Marília até tentou ficar comigo, as sextas feiras fazíamos a noite do fondue após Maiara dormir, todavia, ela começou um rolo com o Henrique e, consequentemente procurava motivos para ir a casa dele todas as sextas feiras com a desculpa de cantar, no entanto, todos nós sabíamos que seus objetivos eram outros. Conclusão, eu acabei por ficar sozinha, reclusa como uma velha, mas não me importava.
Com isso comecei a compor algumas músicas e a vendê-las para algumas gravadoras, o que me fazia ganhar algum dinheiro, uma vez que, após descobrir que minha sobrinha estava vivendo comigo minha mãe fez questão de cortar minha mesada, alegando que, como meu pai estava doente estava em cortes de gastos. Todavia, eu não me importei, com o dinheiro que ganhava conseguia pagar o aluguel do meu apartamento e comprar comida para nós, além de abastecer o carro com gasolina regularmente. Infelizmente tive que colocar Maiara em um colégio público, todavia, tinha planos de juntar um dinheiro e matricula-lá em um bom colégio, especialmente quando a época do vestibular chegasse.
Eu sei que parece que tudo em minha vida estava dando errado com a chegada daquele ser de cabelos castanhos em minha vida, todavia, eu não conseguia ver as coisas por esse ângulo, eu sinceramente estava feliz ao extremo por tê-la comigo e, sentia que ela também gostava da minha companhia.
Claro que, de vez em quando rolavam algumas birras, Maiara era muito geniosa e, odiava que as coisas não fossem feitas a seu modo, o que me fazia ter longas conversas com ela sobre o assunto e, ela não entender nada ou melhor, fingir que estava entendendo e, não mudar o seu comportamento. Nunca cheguei a bater nela, contudo, havia vezes em que eu perdia a paciência. E, ela chorava muito, era dramática e, sempre tinha um motivo extra para fazer um bom drama. Apelidei-a secretamente de Maria do Bairro e, todas as vezes que ela chorava sem motivo ria sozinha, recordando-me da novela que marcou minha infância.
[2 anos depois]
Finalmente o ciclo clínico está chegando ao fim e, com ele vem o internato, estava no oitavo período da faculdade de medicina e, me sentia feliz por estar terminando mais uma etapa da minha vida. Veja bem, a faculdade é dividida em três momentos, o primeiro é o ciclo básico, onde vemos o corpo funcionando normalmente, sem alterações fisiológicas, aprendemos sobre fisiologia renal, cardiovascular, sistema imune e, mais um monte de coisas. Depois de dois anos, entramos no ciclo clínico onde começamos a estudar as doenças, e a atender pacientes e, após isso, entramos no internato, os últimos dois anos do curso, onde passamos grande parte do tempo em um hospital clinicando. Eu estava ansiosa para isso, contudo, só tinha um grande problema:Maiara.
Essa fase era mais corrida, tínhamos menos tempo livre e precisávamos dar plantões e, eu não tinha com quem deixar Maiara. Isso estava me preocupando e, eu estava pensando seriamente em contratar uma babá.
Óbvio que, essa ideia não estava sendo bem recebida por ela que, agora em sua pré adolescência se sentia a adulta, havia aprendido com Marília a escutar sertanejo e, todas as sextas feiras queria ir as rodas de violão cantar. Esqueci de mencionar que ela também havia descoberto que cantava bem e, fazia questão de cantar em todos os lugares que ia, colocando na cabeça que iria ser cantora, sem que nada nem ninguém tirasse isso da sua cabeça.
Ok eu a amava, mas queria que essa fase passasse logo. Esses dias tive que deixá-la de castigo pois ela decidiu pintar seus lindos cabelos castanhos de ruivo na casa de uma colega de escola. Ela chegou em casa como se nada tivesse acontecido, rindo como se os cabelos pintados em uma menina de apenas 10 anos fossem a coisa mais normal do mundo. Deus, eu surtei nesse dia!
Mas eu ainda a amava, agora entendia essas mães que mesmo os filhos fazendo todas as merdas possíveis continuam os amando e eu sinceramente não conseguia ver a minha vida sem minha pequena balala.
E foi por todo esse amor que eu resolvi fazer uma festinha para ela em um salão de festas próximo a minha casa, era algo simples, apenas para nós e alguns amigos dela e meus. Ela sempre comentou comigo que tinha o sonho de ganhar uma festa, já que sua mãe nunca pode lhe dar, nesse sentido, eu sempre planejei uma forma de realizar esse sonho.
[...]
Maiara escolhei o tema de Tik tok, eu sinceramente gostaria que ela escolhesse um tema mais feminino, como as princesas ou algo do tipo, todavia, ela estava muito empolgada em gravar vídeos para aquela rede social, ainda mais com seus cabelos ruivos, os quais eu tentava me acostumar, mesmo preferindo mil vezes o cabelo antigo.
Convidei Marília, Henrique, Juliano, Luísa e Murilo, um amigo nosso que veio de transferência de Goiânia, eles estavam muito entusiasmados com a festa e, disseram que mesmo sendo infantil iriam dar um jeito de tocar umas modas. De resto chamei as amigas da Maiara, as quais ficaram felizes em ter aonde ir em um sábado á noite. Como sabia que alguns dos meus amigos tinham namorados (as) permiti que cada convidado levasse um acompanhante.
Modéstia à parte, a festa estava linda, tudo foi organizado com tanto primor que eu me senti feliz em poder organizar aquilo para minha sobrinha e, senti a presença de Juliana algumas vezes, como se ela me agradecesse, chamei meus pais, os quais compareceram mesmo que a contra gosto. Desde que minha irmã havia falecido nossa convivência nunca mais foi a mesma. Eu os via como os responsáveis pela sua morte, como se indiretamente eles a tivessem matado. No entanto, o que mais me entristecia e que nem a doçura de Maiara foi capaz de amolecer o coração de seus avós.
No dia da festa, vesti um vestido um negro na altura das coxas com alguns detalhes em prata, coloquei um par de brincos com detalhes também em prata e, um colar negro, meus cabelos foram soltos e, decidi passar um batom vermelho marcante. Honestamente eu parecia qualquer coisa, menos a responsável legal da aniversariante.
A medida que a festa passava ia cumprimentando os convidados que chegavam, todos elogiavam, diziam que a decoração estava linda, que Maiara estava uma verdadeira princesa com o vestido negro que eu havia mandado fazer para ela e, que os cabelos ruivos lhe deram um ar de mais velha. Eu agradecia os elogios e, continuava passando de mesa em mesa, sempre perguntando se estava faltando alguma coisa. Marília e os meninos arrastaram algumas mesas e, começaram a cantar algumas modas, o que animou bastante o pessoal.
Eu conhecia basicamente todos ali, contudo, havia um rapaz que me intrigava, ele não estava na minha lista de convidados e, certamente seria o acompanhante de alguém. Ele era branco, tinha os cabelos castanhos os quais estavam perfeitamente penteados para o lado esquerdo da cabeça, usava uma blusa polo branca e uma calça jeans azul marinho meio surrada, o que lhe dava um ar de bad boy, a barba estava por fazer e, ele parecia deslocado ali. Todavia, o que mais me intrigava era que ele não parava de encarar Maiara, a qual estava concentrada brincando na cama elástica com as amigas.
Fiquei preocupada e, decidi avisar os seguranças sobre a presença daquele ser estranho, perguntando a eles quem fora o responsável por trazê-lo e, descobrindo que ele era o primo de uma das amigas da minha sobrinha e, como os pais dela não puderam comparecer ele veio no lugar. Seu nome era Danilo e, ele tinha 27 anos.
Percebendo meu olhar sobre ele, o rapaz veio até mim com um sorriso tímido no rosto, o cheiro de perfume marcante fez com que eu não deixasse de encará-lo.
"Boa noite, bonita festa" Ele disse se aproximando de mim enquanto eu tentava inutilmente descobrir a marca do perfume que ele usava.
"Obrigada" Disse com um sorriso cordial ainda o fitando
"Você é mãe da aniversariante?" Ele perguntou e eu neguei com a cabeça
"Sou tia, mas a considero como minha filha" Falei
"Realmente você me parece jovem demais para ser mãe" Falou se corrigindo. Eu dei um sorriso amarelo "Garotas da sua idade devem ter outros interesses" Explicou e, por algum motivo eu já sabia aonde ele queria chegar.
"Olha espero que curta a festa" Disse tentando quebrar o assunto, já que não queria me aborrecer com um tipinho daqueles que acha que só por eu ter 22 anos não era capaz de cuidar de alguém mais novo do que eu.
"Na verdade eu tenho algo para conversar com você, uma coisa séria que envolve Maiara" Disse e eu me assustei. Será que ele estava pensando em sequestra-lá? Ele percebeu meu nervosismo. Segurou levemente em minha mão que segurava um copo de refrigerante e, eu senti um leve choque percorrer meus dedos.
"É algo que não deveria ser tratado em um aniversário, tem como marcarmos de se encontrar em outro lugar, como um shopping ou algo do tipo?" Ele perguntou e eu imaginei ser algum tipo de cantada barata, uma oportunidade para ele sair comigo e, me pegar. Falando no português bem claro.
"Sinto mais se sua intenção for ficar comigo não vai rolar, sou nova demais para você" Disse devolvendo o que ele havia me dito sobre minha idade, ele soltou um leve risinho irônico.
"Não pegaria uma mulher que é irmã da mãe da minha filha" Disse olhando fundo nos meus olhos. Eu me assustei com o que ele havia dito, ele pareceu perceber e me encarou seriamente.
"O que?" Perguntei querendo que ele repetisse
" É isso mesmo que você ouviu" Falou e tirou do bolso da calça uma carta amassada entregando-me
"Leia, tire suas conclusões e me procure depois"Disse tirando novamente do bolso um cartão que continha seu nome e um telefone. Ele saiu dali me deixando sozinha absorta em pensamentos.
Contudo, decidi não tomar nenhuma decisão precipitada, peguei a carta dobrei-a cautelosamente e a coloquei em minha bolsa de mão, me distanciando do local onde nós estávamos conversando.
[...]
Fiquei o resto da festa pensando naquele homem, criando mil e uma possibilidades em minha mente, como se estivesse em uma aula de análise combinatória, imaginando tudo que poderia ocorrer quando abrisse aquela carta. Será que aquele homem estava falando a verdade? Será que não estava inventando tudo isso para que eu entregasse Maiara a ele? Quais as suas verdadeiras intenções com minha família?
Soltei um suspiro nervoso, olhando para uma Maiara que pulava feliz na cama elástica com suas amigas, os cabelos agora ruivos eram jogados contra o ar dando a ela um ar sapeca, típico de crianças em sua faixa etária. Eu sei que ela me mataria, mas eu ainda a via como uma criança que tinha muito que aprender. Ela ria gostosamente enquanto uma música de uma banda desconhecida ecoava pelo ambiente.
Encarei-a buscando possíveis traços dele nela, algo que provasse que ele estivesse falando a verdade, todavia, ela estava tão compenetrada pulando e rindo com suas amigas que não consegui perceber nada. Talvez eu tivesse que passar um tempo a olhando quando ela estivesse parada. Vendo que eu a olhava, ela se aproximou de mim com um sorriso, o rosto estava vermelho de tanto pular e, ela parecia cansada.
"Mamãe, estou com fome, vamos cortar o bolo?" Ela disse ainda sorrindo. Eu continuava a olhando, ainda buscando traços dele nela, mas sem sucesso. Percebendo que eu não falava nada ela me chamou novamente,
"Mamãe?!" Ela tornou a perguntar, eu despertei do transe a olhando e involuntariamente uma vontade de abraçá-la fez se presente. Eu o fiz, apertando-a com força de encontro ao peito, ela era tão baixa quanto eu e, sua cabeça encostava no em meu queixo. Sua respiração estava acelerada e eu conseguia sentir o cheiro de suor invadir minhas narinas. Fechei os olhos sentindo-a tão perto de mim, como se alguém a fosse tomar dos meus braços nesse momento.
"Eu te amo, nunca se esqueça disso" Disse "Feliz aniversário minha capricorniana favorita" Completei fazendo menção a data de seu aniversário. Ela continuava imóvel, sem dizer nenhuma palavra e, ficamos assim por um momento, sem nos importar com os outros ao nosso redor.
"Vamos cantar parabéns?" Uma Marília sorridente disse se aproximando de nós, ela sorriu enternecida com a cena, nos observando feliz. Em um ímpeto Maiara se soltou de meus braços, deixando em mim uma sensação de vazio tão forte que eu tive vontade de chorar.
"Vamos, titia!" Ela disse feliz correndo até a mesa e deixando-me a sós com Marília que me encarava curiosa.
"Você parece a mãe dela!" Ela disse. Eu suspirei, a loira entendeu que algo não estava bem e, se aproximou de mim, eu queria contar-lhe tudo, todavia, Maiara nos olhava atentamente parada em frente a mesa do bolo com impaciência.
"Ela está crescendo" Falei tentando inutilmente mudar de assunto, foi a vez de Marília me encarar tentando compreender o que se passava em minha mente, todavia, eu sai dali, deixando-a em dúvida.
O que você faria se sua vida estivesse bem, se todos os seus problemas estivesse sido resolvidos e, de uma hora para outra um empecilho surgisse bagunçando todo o quebra cabeça que você havia demorado anos para arrumar?
Por que você decidiu aparecer Danilo? Por que você não surgiu quando minha irmã ainda estava aqui? Quem me garante que é você o sujeito que desgraçou toda uma vida?
Eu estava com raiva, não havia como negar e, ao chegar a mesa ele estava ali com um sorriso no rosto esperando ansiosamente que os parabéns fossem cantados, uma menina de longos cabelos loiros estava ao seu lado e, ele estava de mãos dadas com ela, que sorria.
"Pra quem vai ser o primeiro pedaço, Mai?" A tal menina que chamava-se Mirela perguntou.
"Mirela!" Danilo a repreendeu a olhando firme nos olhos, a menina calou-se fechando a cara e fazendo menção de chorar. Percebendo que era observado, ele deu um leve sorriso afagando os cabelos da menina.
Seria ele um bom pai? Talvez pelo jeito que tratou a prima já tinha uma resposta!
Cantei parabéns olhando fixamente para minha sobrinha, evitando a troca de olhares com ele, apesar de no meu íntimo sentir que estava sendo observada por ele e pelas outras pessoas ali presentes, contudo, o olhar dele sobre mim me intrigava de certa forma. Eu o olhei discretamente por duas vezes e ele desviava o olhar, como se estivesse distraído, todavia, eu sentia que seus olhos em mim como se estivessem grudados em meu corpo.
Após os parabéns, Maiara entregou o primeiro pedaço de bolo para mim, contrariando as expectativas de Mirela, contudo, eu não deixaria aquilo barato e, enquanto os funcionários do buffet distribuíam bolo a todos me aproximei da menina que estava sentada em uma mesa sozinha.
"Maiara mandou para você" Menti sentando-me ao seu lado e a observando, os olhos castanhos dela eram reluzentes e, ela tinha algumas sardas no rosto. Ela sorriu e pegou o bolo das minhas mãos com uma certa força, dando uma garfada com vontade.
"Obrigada" Ela disse de boca cheia e, senti uma terceira pessoa sentando-se na mesa conosco, o cheiro do perfume era irreconhecível e, eu fechei os olhos por alguns instantes permitindo-me mesmo que inconscientemente apreciar aquele odor agradável. Um suspiro alto foi ouvido.
"Mirela! Não fale de boca cheia" Ele a repreendeu. A menina baixou a cabeça e comeu o bolo o ignorando completamente.
A forma que ele a tratava era fria, ele parecia não se importar com ela, chamando-lhe a atenção por tudo que ela fazia.
"Não se preocupe Mi, eu também fazia isso quando tinha a sua idade" Falei e ela sorriu para mim, os dentes da frente repletos de chocolate o que me fez sorrir recordando-me da minha infância. Afaguei seus cabelos e levantei-me, notando novamente o olhar dele sobre mim, encarei-o e nossos olhares se cruzaram.
"Perdeu alguma coisa no meu corpo?" Disse sem me importar com a presença da criança em nossa mesa. Ele não respondeu e continuou me encarando como se estivéssemos em um duelo silencioso onde quem parasse de encarar o outro perdia.
"Estava apenas olhando você ignorar minha autoridade" Ele resmungou baixo, eu estava prestes a responder quando o anjo Marília colocou as mãos em meu ombro e me chamou para comer um pedaço de bolo, empurrando-me dali antes que eu matasse aquele homem alto.
"O que está ocorrendo com você?" Ela perguntou e eu bufei "Está estranha"
"Te explico quando chegar em casa" Falei indo em direção a mesa do bolo disposta a realmente comer alguma coisa doce.
[...]
Maiara dormiu rapidamente naquela noite, dando me tempo suficiente para finalmente ler o que o tal papel dizia. Marília foi o caminho todo preocupada comigo, perguntando se eu estava bem e, se precisava de algo, quando chegamos em frente à porta de casa e Maiara entrou para tomar banho, ela me agarrou pelo braço com força impedindo que eu entrasse.
"Conte-me o que está acontecendo" Ela falou "Você nunca esteve tão nervosa desse jeito, nem mesmo quando quase reprovamos em anatomia no segundo período porque o bonito do professor resolveu cobrar toda a irrigação do estômago" Disse e eu dei um sorrisinho me recordando de Fred, o ridículo professor que amava cobrar coisas difíceis em provas fazendo com que eu e minha amiga basicamente nos matássemos de estudar. Ela deu uma leve gargalhada provavelmente se recordando do mesmo.
"Lembra quando tentamos colar na prova dele e, ele quase nos pegou?" Falei puxando conversa, mas ela logo fechou a cara.
"Não desvia o assunto Maraísa, porque você é campeã de fazer isso" Falou e eu bufei nervosa, por um minuto esqueci de tudo que havia ocorrido. Ela me olhava impaciente.
"Tem tinta no meu cabelo!"Ela falou "Inventei de ficar brincando de tatuagem com as crianças menores e me ferrei" Completou "Por isso ajudaria se você andasse logo"
Eu desatei a falar, contando-lhe tudo que havia ocorrido sem omitir detalhes, ela ouvia tudo atenciosamente olhando-me atenta.
"Esse Danilo é aquele primo da Mirela? Aquela menina loira linda?" Ela perguntou e eu assenti com a cabeça positivamente "Maiara já foi na casa dela algumas vezes, as duas são muito amigas, queriam até criar um canal no YouTube juntas" Lembrou
"Eu não deixei porque elas são novas demais para ficar se expondo" Disse e Marília ignorou meu comentário voltando ao assunto chave.
"E o que diz a tal carta? Você chegou a ler? Antes de tomar qualquer atitude precisamos ler seu conteúdo" Ela disse curiosa e eu desdobrei a carta do bolso respirando fundo. Não sabia o que iria encontrar ali, todavia, algo me dizia que não gostaria do que iria ler.
[...]
Olá homem desconhecido ao qual eu me entreguei há alguns meses atrás em um bar localizado em Goiânia. Talvez você não se recorde de mim e, eu provavelmente não me recordaria de você, se não fossem os fatos que ocorreram em minha vida. Pois bem, irei refrescar sua memória para que as coisas se tornem mais fáceis. Em um primeiro momento quero me desculpar por estar mandando essa carta para sua casa e, que provavelmente seus pais ou até mesmo uma possível namorada possam ter acesso, contudo, eu não tive coragem de te encarar de frente e, peço que me perdoe por isso.
Nós transamos em uma noite de sábado, era março e, estava quente, eu usava um vestido justo e vermelho e, dançava enquanto minhas amigas me perturbavam para ficar com alguém. Eu segurava uma dose de tequila e, estava mais alta do que de costume, ao passo que, você parecia sóbrio e, não tirava os olhos de mim. Não sei se recorda desse fato, mas fui eu quem cheguei em você e, começamos o nosso lance. Honestamente, sou incapaz de contar em detalhes porque não me recordo muito bem, o único que me lembro é de acordar em uma cama de motel com você ao meu lado preocupado com o horário.
A verdade é que, há exatamente um mês atrás eu descobri que estou grávida e meus pais me colocaram para fora de casa. Estou fazendo todo o acompanhamento com o médico e, ele disse que eu posso fazer o teste de DNA assim que tiver contato com o pai da criança, todavia, você foi o último homem que eu tive um relacionamento mais íntimo e, as contas batem, pois, ficamos em março e, eu descobri minha gestação em abril. Nesse sentido, acredito fortemente que você seja o pai do meu filho.
Aceitarei se você não quiser assumir essa criança, afinal de contas não sei nada sobre sua vida, ignoro se você é casado, solteiro ou comprometido com alguma namorada. Entendo também que o que tivemos foi algo passageiro, pois eu não senti nada por você e, acredito que você compartilhe do mesmo sentimento que eu. Dessa forma, sei que provavelmente você não se casará comigo ou nada do tipo. O que eu realmente precisava era de apoio, especialmente financeiro.
Por favor, não me julgue uma interesseira, eu juro que não fiz de propósito, aliás, nunca me passou pela cabeça engravidar tão jovem, contudo, infelizmente não conseguimos prever o futuro. Eu estou vivendo de favor na casa de uma amiga, no entanto, sinto que ela quer seu espaço, pois eu a estou incomodando com meus enjoos frequentes e minhas mudanças de humor. Por isso te peço uma ajuda. Vou deixar em anexo o endereço.
Desde já agradeço a atenção e, lembre-se antes de me julgar ou repreender minhas atitudes, recorde-se que eu não fiz essa criança sozinha, nós dois estávamos de comum acordo quando nos deitamos, apesar de estarmos mais bêbados do que qualquer outra coisa.
Agradeço pelo carinho e, espero ansiosamente por uma resposta.
Um abraço.
Juliana

As lágrimas escorriam livremente de minha face quando terminei de ler a carta em voz alta, eu estava tão atordoada que Marília tirou a carta das minhas mãos e, a guardou no bolso, dobrando-a cuidadosamente. Ela suspirou profundamente enquanto me encarava, esperando que eu me recompusesse.
Sinceramente não conseguia acreditar que minha irmã estivesse se expondo a esse ponto, nunca imaginei que ela seria capaz de agir assim. Eu não queria pensar nas privações que ela havia passado com essa criança, eu não gostaria de imaginar como foi o fim de sua vida. Queria ligar para Danilo e xingá-lo de todos os palavrões possíveis, esperando uma explicação plausível da parte dele.
Então ele era talvez o pai de Maiara? Ele que havia sido o responsável por colocar no mundo aquela doce criatura?
"Você quer conversar sobre essa carta?" Marília perguntou me olhando fundo nos olhos, realmente demonstrando preocupação. Eu neguei com a cabeça e ela entendeu respeitando o meu silêncio. Ela tinha um irmão mais novo, então talvez entendesse o que eu estava sentindo. O amor entre irmãos é fraterno e não acaba jamais. Em um ímpeto ela me abraçou e, foi me conduzindo docemente até meu quarto. "Tire essas roupas!" Ela disse e por um instante achei que fôssemos transar. Gargalhei alto e, ela me olhou confusa.
"O que foi?" Ela perguntou "Virou bipolar agora?" Completou e eu gargalhei mais alto contagiando-a. "Acho que colocaram algum medicamento alucinógeno na sua bebida!" Ela falou
"Esquece amiga, foi só engraçado a forma como você se expressou" Falei e ela parou um pouco, pensou no que disse anteriormente e, uma cara de nojo foi estampada em seu rosto, ela me encarou de cima a baixo e, ao olhar fixamente eu meus olhos negros não conseguiu mais segurar o riso.
"Amiga eu te amo demais, mas tudo tem limite!" Falou ainda com os olhos fixos nos meus e eu gargalhei a ponto de saírem lágrimas dos meus olhos. Rimos tanto e tão alto que Maiara acordou e foi até o quarto entender o que estava havendo.
Olhar para ela com aqueles olhos castanhos e, as sobrancelhas arqueadas e o rosto confuso fez com que eu me recordasse dele. Tentando inutilmente encontrar traços dele nela, contudo, eu só via minha irmã ali, como se ela fosse uma miniatura dela.
Tirei meu vestido e entrei no banho, enquanto Marília levava minha sobrinha de volta para cama, inventando que estávamos rindo das fotos da festa, Maiara quis ver as tais fotos e, minha amiga começou a mostrar as que havia tirado no celular. Ela acabou se acalmando e dormindo novamente. Minha amiga se despediu e foi para sua casa desejando-me boa noite e, dizendo para não me preocupar.
Mas como não me preocupar com essa notícia bombástica, Danilo jogou uma bomba atômica em minha cabeça e, eu tinha que tentar me recompor após isso, como Hiroshima precisou de recuperar após a bomba jogada sobre seus habitantes.
Essa bomba deixou sequelas no seu povo até hoje, tantos cânceres começaram a surgir depois desse evento, tantas mortes começaram a acontecer, tantas doenças devido à radiação excessiva. Ok, eu não precisava ter exagerado tanto ao comparar a carta de minha irmã com a bomba que vitimou milhos de inocentes, contudo, eu me sentia tão atordoada e confusa que não sabia o que me fazer, sentia-me realmente sem saída.
O que ele faria agora? Qual o seu próximo passo? Ele tiraria Maiara de mim? Ele tinha esse direito como pai?
Realmente eu estava diante de uma bomba!
Maiara apareceu no quarto, aconchegando-se em meu peito e respirando profundamente.
"Não consegui dormir titia, estou com uma sensação ruim" Falou manhosa. Em um ímpeto eu a abracei. Eu sinto a mesma sensação Maiara, a que nossos dias calmos terminaram!
[...]

Boa noite meninas, não sei quando o próximo capítulo irá sair, porque minha vida está mais corrida que o normal. Mas eu espero que gostem.
Um beijo para vocês e, até breve.

Quebra cabeça do destino [DANISA]Onde histórias criam vida. Descubra agora