Prólogo

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Sempre foi difícil me concentrar, ler ou lidar com tarefas consideradas simples do cotidiano.

Era difícil até me comunicar verbalmente. Durante boa parte da minha vida, as palavras eram tremidas, inseguras e repetidas diversas vezes até saírem da maneira adequada.

Minha ansiedade e medo do julgamento dos outros costumava consumir a minha mente, me fazendo pensar que era mesmo tão patética quanto meu pai dizia.

Bom, foi assim durante 15 anos.

Até que, por falta de atenção, por vergonha de andar de cabeça erguida, que eu esbarrei em meu primeiro amor. Um amor que nasceu na Primavera e se foi no Inverno, mas que de alguma forma ficou marcado pelo Outono.

Seus olhos eram azuis, como o oceano. Seus cabelos eram tão dourados que me lembraram imediatamente de uma passagem de O Pequeno Príncipe, um dos poucos livros que conseguia tomar completamente a minha atenção e eu nunca me cansava de ler.

Ele era lindo, mais lindo do que qualquer um que eu havia ousado olhar.

O olhar que ele direcionou para mim foi hostil, quase como os dos garotos da minha antiga escola, que tinham como principal passatempo me perseguir e agredir verbalmente. Mas depois, seu olhar se suavizou e ele suspirou pesado e me ajudou a levantar com paciência, mas sem muita delicadeza.

— Presta atenção por onde anda garota! — Ele exclamou, praticamente me colocando de pé novamente. — Você se machucou?

Não consegui responder, fiquei com medo de gaguejar ou fazer alguma coisa estúpida, como sempre faço. Ele era muito bonito e eu sempre ficava perdida em situações em que precisava conversar com pessoas bonitas.

— Você é muda?! É a terceira e última vez que pergunto se você se machucou — Ele levantou o meu braço, como se estivesse analisando o meu cotovelo, avermelhado pela queda. — To avisando que...

Não escutei as últimas palavras que ele disse, pois tudo o que roubava a minha atenção era os seus lindos olhos de oceano.

Os momentos em que sua atenção esteve voltada para mim, eu não consegui desviar os olhos de seu rosto. Mas então, Louis, meu irmão mais velho, chegou e toda atenção do rapaz de cabelos dourados fora voltada para ele.

Depois daquele dia, não o esqueci. Passei a observá-lo chegar na escola, em uma moto. Ele era alto, mais alto que o meu irmão. Aquele garoto, que logo descobri que se chamava Andrew, era tão confiante de si e parecia não se importar com a opinião dos outros.

Eu já estava perdidamente apaixonada naquela época.

Ele me defendeu de Joshua Stiling, que implicou comigo durante o ensino médio e fez dos meus últimos anos na escola um inferno.

Até hoje lembro-me dele chegar e puxar Joshua de cima de mim, que me prensava em meu armário e me intimidava com palavras baixas e horríveis.

Ele sussurrou em meu ouvido "Ele não vai mais te incomodar. Me encontra na quadra, depois da aula...".

Depois de me defender uma vez, nossos caminhos começaram a se cruzar cada vez mais. E cada dia que passava, eu começava a amá-lo mais sem nem mesmo perceber.

Começamos a andar juntos e eu sempre descobria uma coisa mais maravilhosa que a outra sobre ele. Eu amava quando ele fazia bolinhos de chocolate especialmente para mim, como naquela vez em que meu irmão foi para o acampamento da escola e Andrew me convidou para frequentar a casa dele. Nós jogávamos jogos juntos, conversávamos sobre nossas músicas favoritas e ele me permitia tirar fotos suas.

Ele não notava quando eu gaguejava e não se importava ou zangava quando eu me perdia em pensamentos.

Ele me acalmava em minhas crises severas de ansiedade na escola e me protegia como um irmão.

Irmão.

Meu maior erro foi ter me apaixonado, isso é um fato. Meu pior erro foi tê-lo amado, quando em todo esse tempo, seus olhos de oceano não desviavam do meu irmão.

Quando Andrew me contou que Louis e ele já tiveram algo, meu mundo desabou. Estávamos em nossa melhor fase de amizade, eu estava confiante e cada dia que passava eu tomava mais coragem para confessar meus sentimentos, o Outono havia sido maravilhoso até aquele dia.

Eu invejei meu irmão, chorei por muitos dias e me afastei dele. Mas eu amava demais Louis e nunca o culparia por nada, absolutamente nada. Eu estava chateada por nenhum dos dois terem me contado, eu me sentia um tanto enganada.

Mas não desisti da minha paixão por Andrew, tentei não enxergar o fato de que ele ainda estava apaixonado pelo meu irmão.

Foi no baile de inverno, em Janeiro, que o vento levou as minhas ilusões e expectativas sobre aquele amor tão unilateral.

Não estava tão frio, então com a ajuda de Cassie, a namorada de Louis, eu me vesti com o meu vestido mais bonito, um azul escuro de mangas curtas. Pela primeira vez em tanto tempo, eu me senti bonita.
Meus cabelos ondulados e longos pareciam ter deixado meu rosto mais único e meu corpo parecia ter mais curvas, apesar de eu sempre ter sido extremamente magra.

Eu me senti confiante, estava a tanto tempo planejando confessar meus sentimentos que nada mais importava, tudo o que eu queria e sonhava era que fosse recíproco e que Andrew encostasse seus lábios nos meus, marcando o meu primeiro beijo.

Mas não foi isso que aonteceu.

Quando eu disse que o amava, muito mais do que um simples laço de amizade, seus olhos foram tomados por dor e... pena.

— Eu também te amo, Louisa — Meu coração se acelerou com essa fala, mas no fundo eu sabia que nada era como eu imaginava. — Mas como uma irmã, você é muito especial para mim... como uma irmã que nunca tive.

Eu senti uma dor profunda em meu coração, algo que parecia me sufocar.

Não consegui mais olhar em seus olhos, não escutei suas palavras seguintes e me afastei do seu toque carinhoso em meu braço.

Eu me vi despedaçar, por aquele amor efêmero de Outono. Aquele amor fora frio, melancólico e nunca desapareceu por completo.

Não tive maturidade na época e o evitei ao máximo. Não respondi as mensagens dele, não fui em sua casa e nem atendi as ligações que vez ou outra ele fazia.

Nem eu mesma entendi o motivo de estar agindo assim na época, mas eu entendia que havia estragado tudo.

Pouquíssimo tempo depois, descobri que Andrew havia saído da cidade para fazer um curso de Confeitaria. Descobri no dia em que ele partiu.

Desde então, tudo o que restou foram as lembranças e a dor do amor não correspondido.

Eu me sentia envergonhada, imatura e solitária.

De fato eu nunca o esqueci. Nunca esqueci aqueles olhos de oceano e aqueles cabelos macios e dourados como trigo.

Tudo o que restou dele, foi uma foto que tirei no Outono, ele estava deitado de olhos fechados nas folhas alaranjadas. Vez ou outra eu observava seu sorriso naquela foto e as doces lembranças dos momentos em que passamos juntos tomavam os meus devaneios. Até o dia em que decidi guardar aquela foto em meu velho e incompleto diário e nunca mais abri-lo.

Mas o Outono não me deixava esquecê-lo.

Andrew parecia pertencer ao Outono, os seus sorrisos de lado, seu humor tipicamente frio, a maneira como ele era rebelde e ao mesmo tempo bom demais para Arcadia Petals... e a forma como ele parecia aquecer meu coração quando conversava comigo.

Andrew era Outonal.

OutonalOnde histórias criam vida. Descubra agora