Capítulo 3

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Eu me esquecia muito facilmente de algumas coisas.

Como tomar meu remédio, editar fotos, datas de aniversário e até de comer.

Mas o passado... esse era impossível esquecer.

Minha cama estava arrumadinha, com o meu lençol alaranjado favorito. Quantas noites eu dormi ali, chorando ou escutando alguma música romântica.

Sorri com essa lembrança.

Mas o principal ali era a minha escrivaninha. O guarda-roupa estava vazio, minha mãe havia doado as roupas que deixei, assim que eu fui para Paris.

Observei as coisas que estavam ali em cima.

Meu diário.

Esse caderninho laranja foi meu companheiro durante muito tempo, quando eu era apenas uma criança estranha e sem amigos. Ele foi meu companheiro durante uma parte da adolescência, mas logo algo chamou mais minha atenção e eu o deixei empoeirado, sobre a minha escrivaninha e esquecido.

Havia alguns desenhos em uma pasta roxa, da época em que eu tentava desenhar e pintar como Louis. É óbvio que eu não tive êxito nessa tarefa.

Abri as duas primeiras gavetas e encontrei algumas pulseiras, brincos coloridos e alguns objetos que eu nunca havia usado.

Mas, na maior e única gaveta que ficava do lado, estava aparentemente trancada. Observei que havia uma fechadura, mas eu realmente não fazia ideia da onde estava a chave que abria a gaveta.

Suspirei, eu sabia muito bem o que tinha lá.

Peguei o meu diário e me sentei na cama. As coisas não estavam sendo tão ruins quanto eu pensei.

Talvez pelo fato de que só está presente aqui, as memórias boas e alegres.

Abri o diário e notei que, por um descuido meu, algo havia caído no chão.

Era uma fotografia...

A peguei com cuidado e a virei, me deparando com algo que não lembrava da existência mas...

Mas me fez viajar há 10 anos atrás, quando eu era uma adolescente insegura e perdidamente apaixonada pelo meu melhor amigo.

10 anos antes...

V-você não devia ficar deitando nessas folhas — Gritei quase sem fôlego algum, enquanto corria em sua direção. — O-o combinado e-era de tirar fotos de c-coisas e lugares b-bonitos.

Ele sorriu para mim, aquele sorriso que me deixava corada e sem resposta alguma.

Quando ele sorria assim... eu sentia que seria capaz de fazer qualquer coisa que ele me pedisse. Ele me derretia como um soverte no verão.

— E você não acha as folhas outonais bonitas? — Ele perguntou, se jogando embaixo de uma enorme árvore seca, enquanto balançava os braços nas folhas alaranjadas.

Ele fechou os olhos e sorriu, com uma das mãos na barriga e a outra nas folhas. Ele estava genuinamente feliz.

Aproveitei esse momento e me aproximei rapidamente.

Clic!

Uma única foto.

A mais bonita das fotos.

— Ei! — Ele abriu os olhos, me pegando no flagra.

Pensei que ele ia ficar bravo e pedir para me livrar daquela foto. Andrew não era muito conhecido pelo bom humor, mas comigo, ele sempre fora muito diferente.

Ele deu um sorrisinho de lado, sem tirar os olhos do meu por um único segundo.

— Deita aqui.

Suspirei, pousando a câmera cuidadosamente sobre uma pilha de folhas e me jogando ao seu lado.

— Usando minha imagem sem permissão? Que coisa feia, Louisa!

Andrew começou a fazer cosquinha em mim, me arrancando gargalhadas alegres.

Aquele foi o meu primeiro e último Outono ao lado dele. O melhor Outono da minha vida.

Suspirei pesadamente e me deitei de barriga para cima na cama.

Que bobagem...

Pousei a fotografia em meu peito, como costumava fazer todas as noites desde que a tirei.

Tê-la deixado em Arcadia Petals foi praticamente um ato de libertação. Eu enfim havia vencido aquela paixão, aquele amor que tanto tomou meu coração para si.

Aquele amor que doía e era tão unilateral.

Como será que Andrew está agora? Será que ele está casado ou já tem até filhos?

Por que diabos eu quero saber tanto?

Andrew Musgrove era bonito, destituído de qualquer posse relevante aos outros. Mas eu nunca me importei com o que ele tinha.

Eu queria ele na época. Apenas ele.

Os olhos dele eram azuis como o oceano, seu cabelo dourado como o trigo.

Na época eu escutava muito Coldplay e sonhava que ele se declarasse para mim com a música Yellow. Sonhava que um dia eu fosse tão importante para ele a esse ponto.

Mas eu deveria ter notado na época.

Homens como o Andrew, não olhavam para garotas como eu. Apesar de agir como uma cega na época, era óbvio que os olhos dele eram totalmente focados em meu irmão. Eu sabia no fundo, que Andrew sentia que o havia perdido.

Nunca tive metade da beleza de Louis, nem um terço sequer da beleza de Andrew, que era realmente surreal.

Até hoje meu corpo não é como os das mulheres normais. Meus seios as vezes parecem quase inexistentes, meu quadril é fino e meus braços e pernas também. Na época da escola faziam piadas sobre isso comigo, diziam que eu era um moleque disfarçado.

Aquilo me machucava muito.

No fundo ainda me atinge, mas eu tento apenas ignorar.

Bom, eu tinha um único ponto a mais que Louis. Meu nariz não era tão grande quanto o dele.

Mas eu não tinha traços marcantes, muito menos bonitos. Eu era apenas eu, com olhos castanhos comuns, cabelos escuros comuns e dentes levemente desalinhados.

Por muito tempo eu me esforcei para agradar o meu pai, para ser de fato a cópia feminina do meu irmão que ele tanto desejava que eu fosse. Mas no final, foi tudo em vão.

Eu só consegui atingir êxito, quando comecei a fazer as coisas para mim mesma. Como buscar a felicidade para mim, buscar melhorar a minha fala e até mesmo autoestima.

E bem, autoestima ainda é um pequeno desafio para mim. Mas um dia eu chego lá.

Eu ainda tinha muitos objetivos. Ficar remoendo o passado não vai me levar a lugar nenhum agora.

Eu não sou mais uma garotinha de 15 anos, eu sou uma mulher.

Pousei a foto de Andrew no criado-mudo ao lado da minha cama, eu não precisava  daquela foto, mas também não precisava me desfazer dela.

Eu tinha muitos planos para amanhã. Como visitar a floricultura da mamãe, a loja de roupas que fiquei sabendo que uma antiga amiga da escola, com quem havia mantido contato, havia aberto.

Estava muito ansiosa para explorar a minha cidadezinha, depois de 7 anos fora.

Acabei pegando no sono ainda com o diário em mãos, sem ter lido uma página sequer.

Eu esperava conseguir concluir os meus objetivos e quem sabe, viajar de volta para Paris.

Mas eu ainda tinha aquela sensação, no fundo do meu coração que...

Arcadia Petals é o meu único e verdadeiro lar.

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