Insalvável

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AS DUAS FORAM LEVADAS À sala da coordenação. Belinda achou isso péssimo, pois lhe trouxe terríveis recordações do reformatório e de todas as vezes que lá ela havia sido castigada. Francesca permanecia com sua pose de durona e nariz empinado, pronta para o que viesse a seguir.

― Primeiro de tudo, vocês nem deviam trazer comida para a escola. Na cantina já tem lanches que estão inclusos na mensalidade que seus pais pagam ― o diretor Willians começou a repreendê-las. As meninas estavam ali, sentadas diante dele. O professor, de braços cruzados ao lado, com uma cara nada feliz.

― Eu não trouxe biscoito nenhum ― a menina de cabelos mechados livrou-se da culpa, olhando acusadoramente para a outra.

Bel respirou fundo, tentando se manter tranquila. Sabia que a Francesca não se esforçaria nenhum pouco em ajudá-la. Não havia surpresa alguma ali. Desconsiderando as expectativas sobre o que ela não podia controlar, decidiu ser fiel aos seus princípios.

― Tão branquinhas e frágeis... ― ela analisou as palmas lisinhas de Francesca. Ficou com pena. ― Liberem ela, deixem que eu pague pelo que aconteceu com o professor. ― ligeiramente, a loirinha levantou-se e fechou os olhos, estendendo as mãos. Esperava receber só umas 3 chicotadas ou, quem sabe, ter a sorte de ser só uma pois era a primeira vez que ia para a coordenação. ― Estou pronta.

Não houve nada. Ela estranhou, por isso, abriu os olhos. As três figuras a encaravam sem entender. Belinda ficou confusa, então sentou-se para esperar o que lhe aconteceria de fato.

― Helena, ninguém vai machucar você ― o professor garantiu, preocupado com ela. Foi aí que Bel se deu conta de que não viveria aquilo de novo. Que o reformatório tinha ficado para trás e ela agora estudava em uma escola de verdade.

Assim, ela começou, no mesmo instante, a relembrar de sua nova identidade. Helena, você é Helena.

― Me... desculpem, eu só queria dizer que a Francesca não precisa estar aqui. Quem trouxe os biscoitos fui eu. Tinha pensado em colocar alguns na mochila dela para que a gente pudesse ser, sei lá, amigas... ― enquanto falava com sinceridade, fitou a garota ao seu lado que a escutava com atenção. Sem deboche estampado no rosto daquela vez. ― Anotei alguns versículos também porque eu não sei se vocês sabem, mas existe um livro muito especial, ― e começou a se empolgar, abrindo um sorriso de orelha a orelha e se esquecendo, de repente, que estava diante de duas autoridades prestes a fazê-la assinar um termo de indisciplina ― que revela tudo o que o Criador quer que a gente saiba. É a Bíblia Sagrada. Aí eu pensei, porque não escrever vários versículos para presentear a Francesa? Ela vai ser abençoada com tantas palavras flogúlas e então eu...

― Chega. ― O sr. Willians tinha ficado tonto com tanta informação. ― Você está liberada. ― apontou para Francesca. ― E você, vai aguardar sua família aqui. ― olhou para a menina Belinda, que sabia do tamanho abacaxi que tinha arranjado. ― Vou tomar um café, toda essa história de biscoito me deu fome. Vamos, professor Luís?

E saíram. Depois de algum tempo, a senhorita Tames atendeu ao chamamento por parte da direção e veio buscar sua cruz. Bel assinou um termo de indisciplina e pegou uma suspensão de 3 dias. A professora amada ficou sabendo de toda a história e, claramente, decepcionou-se com sua querida filha do coração.

― Por que não me disse o que planejava fazer, Belinda? ― no carro, pilotado por Felipe, elas dialogavam. ― Lembra que combinamos de dividir tudo?

Bel quis não responder, mas sabia que isso pioraria sua situação. Não quis fugir do assunto, mas acabou fazendo, de certa maneira:

― Eu tenho medo de começar a ler a história de Jesus.

Felipe fez uma careta que as duas conseguiram enxergar pelo retrovisor do carro. As aleatoriedades da criança pegavam todos de surpresa. Embora sentisse a necessidade de interrompê-la, a senhorita esperou pacientemente que ela terminasse o que tinha começado a dizer.

― Ele é o filho de Deus que veio para salvar o mundo, não é? ― Bel fitava as paisagens pela janela, e não os adultos. Era melhor para se concentrar no que que proferia. ― O Lewis me disse algumas coisas... Ele sempre fala que Jesus é o exemplo perfeito de quem a gente tem que ser. ― ela encheu o pulmão e soltou o ar aos poucos, umedecendo os lábios ― mas eu tenho medo de conhecer a linda história dele e não conseguir ser nem um pouco parecida. Nem com o dedo mindinho, sabe? Porque o que eu mais faço é errar. Na maioria das vezes eu quero acertar, mas acabo errando.

A senhorita Tames ficava impressionada com o quanto a fé era importante para aquela garotinha. Era como um combustível que fazia as engrenagens de Bel funcionarem.

― Qual sua conclusão?

― Acho que eu sou insalvável.

Felipe deu uma risadinha lá da frente ao ouvir aquela nova palavra.

― Quem decide isso não é você, mas quem vai te salvar. Não? ― O moço pontuou. A senhoria Tames o agradeceu com um sorriso, pois não sabia como responder a criança.

― Mas e se eu me sinto assim, insalvável?

― Você tem que escutar seu salvador.

― Hum.

Ela refletiu. Depois, ficou quietinha pensando que Felipe tinha falado uma coisa interessante.

― Obrigada, Felipe.

― Por nada, menina dos olhos coloridos.

A senhorita Tames esperou alguns segundos, para não estragar o momento fofinho. Quando abriu a boca para anunciar o castigo, Bel percebeu e então abraçou-a de lado, forte.

― Eu amo vocês.

― Você só está adiando a bronca, ela vai acontecer do mesmo jeito.... ― a professora avisou.

― Não posso mais declarar meu amor? ― fez biquinho.

― Pode. Mas agora escute cada palavrinha que eu vou dizer. Dessa vez, vou ter que ser mais rígida com você. Número 1: sem encontrar com os amigos por...

― Seu nariz é tão bonito, senhorita Tames.

O olhar ameaçador, mas fofo, da senhorita fez Bel gargalhar. Felipe também não conteve o riso.

Nesse lenga-lenga, Belinda só soube quais eram seus castigos quando a professora fez uma lista e colou na porta do seu quarto, no dia seguinte. 

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Maratona 4/5 

O próximo capítulo sai sábado à noite ou domingo. Beijinhos!

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