III

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               Gotas de água se acumulam ao lado de fora do vidro do ônibus, sinal de que uma fina garoa começou a cair. Embarcamos a poucos minutos e me sentei na janela pra poder olhar para alguma coisa e me distrair. Percebo as luzes e cores dos letreiros enquanto vou reconhecendo os bares por onde passamos, conheço cada um como a palma de minha mão. Ao longe reconheço as luzes em neon laranja do Pub Authoria, foi onde tive meu primeiro porre, foi uma noite memorável e o motivo de tanta bebida foi o primeiro idiota que me iludiu. Quantos anos eu tinha? 15 ou 16. Mais a frente um lugarzinho charmoso que sempre íamos aos sábados, já com 18 pra 19 anos, adorávamos as mesinhas ao ar livre e a música ao vivo, nessa época eu não tinha motivos para me embriagar, simplesmente o fazia. Lembro de quando nem minha aparência importava mais, a única coisa que eu queria era a bebida.

              Após algum tempo de bebedeiras e fiascos sem precedentes acabei por afastar as pessoas de mim e já não tinha companhia para sair. Depois do terceiro coma alcoólico minha família já não ia mais me buscar nas sarjetas e acabei por ficar só. Meus olhos começam a pesar e não consigo mais mantê-los abertos acabo cochilando com o embalo suave do ônibus.

            Comprei uma garrafa de vodca logo após chegar ao bar naquela noite chuvosa de setembro, bebo a metade lá dentro e quando o lugar começa a encher demais e ficar abafado saio para rua a procura de ar. Decido ir para casa a alguns quarteirões dali, morava sozinha nesse tempo num micro apartamento de subúrbio, era o único que eu conseguia pagar com o salário de atendente em um café. Vou caminhando e bebendo pelo caminho curtindo a chuva no rosto, de repente tenho a impressão que passos além dos meus me acompanham, vejo nas sombras das paredes uma silhueta vindo logo após mim, até o momento nada de anormal nisso, deve ser alguém seguindo seu caminho apenas, mas uma voz desfaz minha teoria:

- Onde a princesinha está indo com essa garrafa?

Não respondo apenas acelero o passo.

- Ei! Estou falando com você moça. – Ele agarra meu braço cobre minha boca com uma mão para que eu não grite e me arrasta a força para um beco a frente. – Não te deram educação gracinha?

- Me solta! – Eu grito e acabo levando um tapa no rosto, sinto o gosto metálico de sangue nos lábios e acabo por parar de lutar.

          Ele leva as mãos nojentas dele até a barra de minha blusa e tenta levantá-la, eu resisto e tento o empurrar para longe, ele continua a tentar e me impede de gritar cobrindo minha boca, ele força minhas pernas a se abrirem com a força das suas e me prensa na parede, nesse momento me sinto apavorada e suando frio, sua mão desce para a braguilha de minha calça e força seus dedos contra meu sexo. Nesse momento de desespero percebo que ainda estou segurando a garrafa de vodca em uma das mãos e num ápice de lucidez segurando pelo gargalo a quebro contra a parede e o que sobrou lanço contra o pescoço daquele homem jorrando sangue dele sobre mim, aos poucos sinto o aperto de seus braços afrouxarem e os joelhos dele se sobrarem enquanto caia sobre mim, o empurro com nojo ele cai morto aos meus pés.  

        Acordo nesse momento num sobressalto enquanto John me segura pelos braços chamando meu nome.

- Anis?! O que está acontecendo? Você está bem?

Uma lágrima rola de alívio quando o vejo em minha frente e não aquele homem desprezível, tento deixar essas lembranças no passado, mas em sonhos o passado me atormenta. John leva a mão ao meu rosto e seca as lágrimas.

- Você teve um pesadelo não foi?

- Foi. – Olho para minhas roupas e vejo que não há nenhum sangue ali.  

- Está tudo bem agora, pesadelos são frutos da nossa imaginação. Vivem apenas lá e não podem nos machucar de verdade. – John seca outra lágrima levanta meu rosto para olhar em meus olhos, estes que ainda encaravam minhas mãos.

- Não quando meus pesadelos já foram realidade um dia. –Respondo.

Seu olhar nubla com minhas palavras e ele se cala.

- Já estamos chegando? Pergunto

- Já, faltam só alguns quarteirões.

O resto do caminho passamos em silêncio. 

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