II

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Coloco um pé a frente do outro e solto as mãos me lançando à escuridão. Chego a sentir o frio na barriga quando algo interrompe minha queda, abro os olhos e me vejo nos braços de um desconhecido com um olhar de completo espanto e perplexidade, seus olhos escuros de cílios alongados me lançam uma interrogação. Sinto sua respiração acelerada próxima aos meus lábios e só então percebo o rosto angular de barba rala, lábios entreabertos convidativos e cachos castanhos volumosos colocados gentilmente atrás das orelhas.

- Você ficou maluca? - o estranho pergunta enquanto me pega em seus braços fortes e me puxa para o lado de dentro da ponte. Deixo-me levar sem reação, ainda não entendendo como poderia ter alguém por perto em uma ponte tão distante e deserta que escolhi a dedo. Percebo que pelas roupas, suor e fones de ouvido este estranho deveria estar correndo por ai quando me encontrou, ele me segura pelos braços enquanto meu olhar se perde na água - Onde você está com a cabeça?- Ele chega mais perto e sente meu hálito- Você bebeu?

Me solto de seus braços me afasto dando as costas a ele, deixando cair as lagrimas que segurava de frustração e agora raiva. Ouço passos se aproximando.

- Moça? Paro e me viro mantendo os olhos no rio. -Você está bem?

Olho em seus olhos e disparo:

- Bem? Sorrio irônica- Bem eu estaria no fundo do rio.

- Como assim? Por que você quer fazer isso? A vida não pode ser tão ruim assim.

- Pra mim é. Eu não estaria aqui se fosse boa. Você não pode simplesmente impedir alguém de fazer alguma coisa. Você não sabe melhor que eu da minha vida, porra. - nessa altura já estou aos berros, chorando desesperada. - Ahh! - Saio correndo em direção a beira da ponte, mas sou impedida novamente pelo estranho. - Me solta inferno! -esperneio e bato nele o quanto posso, mas não consigo me soltar.

- Calma! Caramba, calma!- o estranho acaba gritando comigo e eu me assusto com isso.

Vendo que não adiantava lutar, sucumbi as lagrimas e aos poucos relaxo meus tensos músculos nos braços dele. Com palavras de conforto ele tenta me acalmar sinto o efeito do álcool finalmente fazendo efeito, choro mais ainda, minhas pernas perdem as forças e me ajoelho ao chão.

- Ei, ei, desculpe está tudo bem, calma. - O desconhecido se ajoelha ao meu lado, tira meus cabelos do rosto com cuidado e o segura entre as mãos. - Olhe para mim. - Acabo encarando aqueles olhos bonitos novamente e noto que acabo de ter o carinho que a pouco reclamava nunca ter me sido oferecido.

- Seus... Seus olhos são tão... Tão... Bonitos. - Falo

- Você está meio bêbada, não acha?

- Talvez. Respondo

- Não vou deixar você aqui pra tentar nenhuma loucura novamente, vem vou levar você pra casa. - Ele me ajuda a ficar em pé. -Onde você mora?

- Você não precisa, sei me virar sozinha.

- Sim, pra eu virar as costas e você se lançar da ponte? Não mocinha, vamos.

- Não quero ir pra minha casa. - Tropeço em meus próprios pés e quase caio. - Eu nem conseguiria encontrá-la mesmo.

- Ótimo, vamos pra minha então amanhã encontramos a sua e alguém que cuide de você.

Começamos a caminhar para longe dali. O estranho me segura pelo braço para que eu não caia olho momentaneamente para o céu e estrelas pontilhando o escuro, a brisa continua soprando leve balançando as folhas das árvores pelo caminho. Não fosse pela luz fraca e amarelada dos postes de quando em quando, por ali seria uma total escuridão. Olho de canto de olho para este desconhecido que me conduz cuidadosamente, seus cachos negros estão no rosto ele leva a mão à testa para tirá-lo dos olhos, tem um jeito meio sério, lábios tristes, ele é tão bonito deve ter namorada com certeza. Tropeço em um degrau no caminho outra vez por causa da bebida e antes que eu caia sou segurada e aquela boca está novamente a centímetros da minha, sinto seus cachos macios em meu rosto e seu cheiro de colônia masculina com um toque de menta. Afasto-me de seus braços assim que me recordo de meu estado depreciativo e do hálito horrível que devo estar.

- Eu cuido de mim mesma há algum tempo. - Rebato o comentário para amenizar o clima constrangedor e sigo caminhando sem sua ajuda.

- Parece que você não tem feito isso direito a meu ver. O que aconteceu pra chegar aqui e tentar isso tudo?

- Não tenha medo de usar a palavra suicídio comigo. Pode perguntar diretamente sem medo de me ofender. Por que eu tentei me matar? Não me diga que é psicólogo e está tentando entender meus traumas e conflitos?

- Não sou psicólogo, sou curioso só isso. Queria saber do que você foge tanto na vida.

- Dela mesma, a própria vida não sorri pra mim. Uma coisa que não entendi bem foi o fato de você estar perdendo tempo me tirando de lá mesmo sabendo que na primeira oportunidade eu vou voltar.

- Talvez você não volte, sei lá. - Ele acende um cigarro e me oferece um. - Eu vi você indo até a ponte.

- E? - Pergunto fingindo desinteresse, mas muito surpresa por saber que ele estava por perto o tempo todo.

- Fiquei tentado a descobrir o que você faria. - Ele dá uma tragada e solta a fumaça do cigarro suavemente. - Passei por você no caminho e ao voltar te encontrei de novo, só que desta vez do lado de fora da ponte.

- Estava por perto o tempo todo?

- Sim. É a primeira vez na vida que vi alguém beber como você. -Ele sorri.

Olho pro chão e me sinto corar. Calo-me por boa parte do caminho até que chegamos a um ponto de ônibus.

- Eu moro meio longe. -Ele diz. - Vamos de ônibus pra chegar mais rápido. Você está tão quieta. Está tudo bem?

Não respondo e mal encaro seus olhos, estou tão envergonhada de tudo. Tomo coragem e respondo:

- Você pode ir pra casa se quiser, eu sigo daqui.

- Como assim segue daqui?

- Você não precisa fazer isso. Nem me conhece, sou uma bêbada problemática e nada mais que um peso na vida das pessoas é melhor nos separarmos por que já estou me tornando um pra você também.

- Você tem que ser sempre tão dramática? - Pergunta com um sorriso no canto da boca. - Como você se chama?

- Anis.

- Muito prazer, John. - Ele estende a mão para um aperto amigável. - Pronto Anis, agora que gente se conhece vamos pra casa.

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