XIX

201 17 6
                                    

Observo um homem de estatura mediada se encaminhar para frente da sala e com um "boa noite" chamar a atenção de todos ali. Respondemos em um coro uníssono e ele prossegue se apresentando, seu nome é Carlos e ele é responsável pelo andamento das reuniões. Sem prestar atenção à minha volta sinto alguém chegar e sentar ao meu lado, uma mulher com um perfume familiar. Sem dar muita bola para isso continuo prestando atenção nas palavras de Carlos que explicava o funcionamento das reuniões. Em algum momento ele perguntou se alguém estava ali pela primeira vez, algumas mãos se levantaram e eu não querendo chamar atenção para mim deixei minha mão onde estava. John cutuca meu braço com seu cotovelo incentivando-me a levanta - lá. Resistentemente levanto alguns dedinhos. Carlos desejou boas vindas a nós e todos os veteranos juntos também.

- Você está bem? - John pergunta-me.

- Sim, estou.

Carlos continua:

- Como de costume pedimos a algumas pessoas que compartilhem suas e experiências para incentivar aos demais a prosseguir na caminhada, hoje Dona Maria, Letícia e Eduard vão estar aqui contando um pouco de suas lutas contra o vício para vocês.

Uma jovem baixinha e muito magra se dirige até a frente, seus cabelos curtos e loiros emolduram seu rosto pálido com pequenos cachos acobreados.

- Boa noite! - Ela começa. - Meu nome é Letícia tenho 26 anos sofro com o alcoolismo há algum tempo e adquiri um distúrbio comportamental pouco conhecido, mas cada vez mais frequente chamado drunkorexia. Estou a dois anos limpa e vocês devem estar se perguntando que diabos é isso. Basicamente é a anorexia combinada ao alcoolismo. Entre comer e beber, para não engordar, decide-se por um deles normalmente a bebida.
Eu sofria com o Bulling na escola e meus colegas me apelidaram das coisas mais traumáticas que uma pré adolescente em fase de aceitação do próprio corpo pode suportar. Então começaram os distúrbios alimentares, a busca pelo corpo perfeito, já na adolescência o álcool me acolheu de maneira que ninguém antes havia feito. - Neste momento Letícia seca uma lágrima que rola em seu rosto. - Comecei a beber nos finais de semana e para que as calorias das bebidas não me engordassem ainda mais eu decidia não comer durante o dia para beber sem culpa a noite, os piores problemas de estômago eu tenho hoje por beber demais de barriga vazia. E assim eu fui afundando minha mãe só chorava e tentava me mostrar no espelho o quanto eu era linda e não precisava mais emagrecer e eu simplesmente não enxergavam. Meu reflexo no espelho era distorcido pela minha mente, cheguei a pesar 45kg. O fundo do poço começou quando eu não comia mais e apenas bebia cheguei ao extremo da fraqueza e sucumbi, minha família me internou em uma clínica de reabilitação fiquei coma por um mês e acordei com 10kg a mais. Minha família me apoiou e terapia juntamente com as reuniões do AA me auxiliara muito. Fiquei quase um ano em tratamento, sem bebidas e sem espelhos. Quando conheci meu marido ele me encorajou a me aceitar como eu sou, me elogiava e colocou minha auto-estima lá em cima, voltei a meu olhar em espelhos e com ajuda de terapia a síndrome de distorção de imagem foi amenizando com o tempo. Já do álcool foi mais difícil de me limpar porque mesmo me sentindo melhor psicologicamente meu corpo ansiava pela bebida. E manter mente e corpo alinhados é uma tarefa muito difícil. Jeff, meu marido e a psicóloga me orientaram a transferir a resignação que eu tinha em ficar dias sem comer para ficar sem beber. Foi difícil, mas eu consegui, nos conseguimos e hoje depois de alguns meses de casada estamos esperando um bebê. - Ela coloca a mão sobre a barriga e acaricia olhando para o marido sentado na primeira fila. - E hoje não luto mais por mim mesma, mas por eles, meus amores precisam de mim e eu estarei aqui, boa, para eles.


SEDEOnde histórias criam vida. Descubra agora