Tiro meu olhar dos relatórios que tenho diante de mim, e olho para a minha secretária que acaba de entrar no meu escritório.
— Rodrigo, o Nuno, está na linha um. Ele pediu para avisar que é algo importante.
Suspiro sem paciência.
Eu sei que Nuno não tem coisa nenhuma importante para me dizer. Apenas não tenho aceitado os seus infrutíferos convites para sair, mas ele não desiste. Como ele tem sido insistente, tenho recusado todas as suas chamadas para o meu telemóvel. Quando muito respondo algumas das suas mensagens, de forma simples e direta, com uma negativa às suas tentativas de me fazer sair de casa durante estes 4 meses após a morte de Eva.
Será que ele não percebe, que tudo o que eu mais preciso é de estar sozinho?
Como se já não bastasse os meus pais, com as mesmas tentativas, e a mesma ladainha para eu refazer a minha vida.
— Pode passar a chamada, Fernanda.
Já me preparo mentalmente para o seu bla bla do costume. " Não podes ficar trancado em casa", " Vamos só beber um copo.", " É uma festa de aniversário", " Vamos até à piscina?"
— Sim, Nuno!
Atendo mais ríspido do que queria, mas pode ser que assim meu amigo entenda de uma vez por todas, que eu não estou com a mínima vontade de sair, para qualquer que seja seu programa de hoje.
— Rodrigo, até que enfim, faz dias que não me atendes.
Ele também me parece irritado.
— O que se passa, Nuno?
Encosto-me na minha cadeira confortavelmente, aguardando a desculpa da vez.
— Bem, marquei uma viagem de 5 dias entre amigos, para Menorca.
— Hummm, boa viagem!
Ouço um suspiro do outro lado.
— Entre esses amigos, o teu nome também consta na lista Rodrigo.
Rio da cara de pau dele.
— Nuno, eu estou cheio de trabalho, não tenho tempo para nenhuma viagem agora.
Tento falar o mais convincente possível.
— Rodrigo, acabei de falar com Fernanda. E pelo que sei não há nenhuma reunião prevista, nem nenhum compromisso importante para a data da viagem.
Anoto mentalmente a carta de despedimento que terei de fazer para a Fernanda, por passar informações privadas minhas, mesmo que elas tenham sido feitas sob pressão do meu melhor amigo.
— Sabes que acabaste de colocar o emprego da Fernanda em cheque, não é? Não admito que se intrometam no meu trabalho, Nuno.
— Caramba Rodrigo, que mal tem uma viagem? São cinco dias não é como se fosses estar o mês todo ausente do escritório. Além disso já devias ter tirado férias faz tempo.
Ele estava nervoso, mas não mais que eu. Sua insistência já começava a me tirar do sério. Dou-me por vencido. Tudo bem se ele quer uma companhia nada agradável, ele a terá.
Respiro fundo.
— Quais são as datas?
Pude sentir seu sorriso de vitória do outro lado.
— Segunda que vem, e voltamos domingo.
Espera aí....Faço umas contas rápidas mentalmente.
— Disseste cinco dias. Eu estou a contar sete, Nuno.
Falo irritado.
— Cinco dias úteis, que são os que trabalhas no escritório. O fim de semana não contabilizei.
Ele responde com a maior lata. Faz-se silêncio. Algo me diz que ele não vai desistir.
— Ok! Envia os cartões de embarque pelo meu e-mail. Encontrámo-nos segunda no aeroporto.
— Eu passo em tua casa para te buscar.
Eu sabia que ele ia dizer isso com receio que eu não aparecesse.
— Ok, até segunda.
— Já agora, não queres beber um copo este fim de semana? Ou posso apenas passar em tua casa...
— Nuno, não abuses e não me faças arrepender ter aceite essa viagem.
— Ok. Ok. Não está mais aqui quem falou... até segunda.
Já me preparava para desligar, quando o Nuno fala novamente:
— Rodrigo?
— Sim?
— Não despeças a Fernanda, não sabes o que eu a chateei para que ela me revelasse o programa da tua agenda.
Ele não precisava de me dar essa explicação, pois disso eu já sabia. Fernanda é uma excelente profissional, e tenho a certeza de que ele a venceu pelo cansaço, tal como a mim.
— Vou pensar nisso...
Respondo deixando-o com a dúvida se Fernanda seria despedida ou não. O fato de o fazer se sentir culpado por ser tão intrometido, não lhe vai fazer mal algum, e da próxima pensará duas vezes antes de envolver outras pessoas no meio de suas tentativas para me fazer sair.
— Abraço.
Foi o que ainda tive tempo de ouvir antes de desligar a chamada.
Rodo a cadeira para a grande janela do meu escritório, e fico por alguns minutos a observar do nono andar, a correria do mundo lá fora. Pessoas passavam com sacos de compras, outras estavam sentadas à conversa num banco de jardim.
Algumas crianças jogavam à bola, outras apressadas ao telefone, também haviam alguns casais a tirar selfies perto de uma linda fonte de água que ali havia.Ver aqueles casais sorridentes deu-me uma saudade enorme de Eva. De sentir o seu abraço. Tenho sentido tanto a sua falta. Nestes últimos meses, não tenho saído para nada, a não ser para trabalhar, ou ir almoçar vez ou outra aos domingos com meus pais, depois de tanta insistência deles. Eu não os culpo nem a eles, nem ao Nuno por me quererem tirar de casa e distrair. Mas depois da morte de Eva a vida perdeu qualquer sentido. Eu não consigo sequer me imaginar estar em algum local público sem a sua companhia. Não me imagino no cinema, sem o seu braço delicado sobre a minha perna, não me imagino num bar sem a ver dançar, nem na praia sem ver seu riso maroto com cada grão de areia que me atirava. Enfim, eu não consigo viver sem ela. A única coisa que eu tenho feito quando saio do trabalho, é entrar direto em casa, pegar numa de suas roupas, num copo de whisky para me relaxar, e adormecer no sofá do escritório que era dela, cheirando seu perfume ainda entranhado nas roupas. Espero não me arrepender de ter aceite esta viagem, mas eu queria tentar por ela, sei que não gostaria de me ver assim. Eva vivia a vida de forma intensa, e eu também até ela ser tirada de mim. Limpo a garganta que já formava um nó com as lembranças. Não me farão mal uns dias de praia e descanso. Respiro fundo, e volto novamente a atenção aos relatórios.
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Teu Coração ( Disponível na Amazon)
AcakRodrigo perde sua noiva Eva, num terrível acidente automóvel. Seus órgãos são doados. Nunca conformado com sua morte, Rodrigo procura quem foi o receptor do coração de sua falecida noiva, na ilusão de se sentir um pouco mais próximo dela ao conhecê...