Viaporã, Vila Fagundes, Academia de RoboCop, 04:05 PM
A Academia Fortrainer de propriedade de Juvicélio, também chamado RoboCop por seus alunos devido à sua maneira um tanto quanto rígida de movimentar era situada num dos extremos da Vila Fagundes, já na divisa com o bairro Alto do Cristo, de fato, dali era até mesmo possível avistar a estátua no alto do morro. O estabelecimento ficava quase no final de uma grande ladeira (coisa comum em Viaporã), de um lado havia um lote fechado por cerca de arame farpado, do outro ficava uma casa. O recinto era demasiadamente pequeno, media por volta de 5 metros de largura por 10 metros de comprimento, o espaço para a movimentação dos frequentadores tornava-se ainda menor por causa de todo o equipamento. Por falar em equipamento, esse era bem humilde, algumas barras e anilhas eram na verdade peças de carros que foram adaptadas para a musculação. Até mesmo existiam duas marombas clássicas feitas com latas de tinta e concreto, porém eram bem caprichadas, uma tinta de cor prata cobria os objetos dando-lhes um aspecto mais profissional. A mensalidade da Academia Fortrainer era de 15 reais, a diária era de 2 reais. O horário de funcionamento da academia era das 04:00 pm até as 09:00 pm. O dono raramente ficava tomando conta do local, pois ele trabalhava na Cerâmica de Gerson, a academia era apenas um complemento de renda, quando os frequentadores chegavam, o filho de RoboCop vinha abrir o estabelecimento, às vezes ele ficava por ali conversando com o pessoal, às vezes apenas abria a porta e deixava os marombeiros se exercitando e voltava para sua casa que ficava a poucos metros no final da mesma rua. Havia também uma espécie de funcionário, Janílson era seu nome, um marombeiro de braços enormes e pernas finíssimas.
— Cê sáb ônd Expedito mora? — Perguntou Gilvan —
Janílson achou aquela pergunta meio estranha.
"Ôx... dév sê porque tem pouco tempo que êl mudô pra cá."
Pensou Janílson.
Em cidades pequenas como Viaporã era comum as pessoas saberem onde as outras moram, trabalham e estudam... às vezes até mais do que isso. Gilvan tinha se mudado de Caetité para Viaporã havia 2 anos, nesse tempo ele se enturmou bastante, mas ainda não o suficiente para saber onde a maioria das pessoas morava.
— Expedito mora nessa mêrma rua da casa de Vandearley, você vai até o final dela e lá você vai vê uma casa com portão azul e cheia de planta na frente, tem um bocado de coqueiro no quintal da frente, não tem erro. — Explicou Janílson —
— Ah, valeu véi! Eu vô passa lá depois, vô trocá uma ideia mais Expedito pra sabê se tem vaga na firma que êl trabáia. — Disse Gilvan —
Gilvan voltou para sua série de rosca direta diante de um espelho na parede, Janílson seguiu sentado numa cadeira dobrável de metal, dessas comuns em bares, ele gostava de ficar ali do lado de fora, na calçada. O aparelho de som da academia tocava Pagodão, gênero musical muito popular na Bahia.
— Fala Janílsão! — Cumprimentou Marcelo, filho de Dinho de Zé Neto —
Os dois saudaram-se dando um tapinha na mão um do outro e depois tocaram os punhos fechados. Marcelo era um rapaz acima do peso assim como seu pai, Din, no entanto, Din era muito mais alto e mais pesado. Marcelo foi direto para o cômodo do fundo pedalar na bicicleta ergométrica. Pouco depois os primos Leonardo e Jardel chegaram, Janílson esboçou um sorriso de felicidade genuíno ao vê-los chegar, eles se cumprimentaram e os primos foram se exercitar.
— Oi Níls, tá bom Níls? — Cumprimentou uma conhecida da mãe de Janílson —
— Eu tô bom e a senhora? — Perguntou ele —
— Eu vô levân a vida côm Deus qué... e sua mãe tá boa? — Quis saber ela —
— Mãínha tá boa sim. — Respondeu ele —
— Intão tá bom demais, eu vô cabá de chega lá incasa, té mais Níls. — Despediu-se ela —
— Tchau dona. — Despediu-se ele —
Ao fim do treino, Jardel e Leonardo despediram-se de Janílson e tomaram o rumo da casa de Leonardo que ficava na avenida principal que cortava parte de Viaporã, a Avenida Ayrton Senna. Depois de terem se afastando o suficiente da academia eles começaram a conversar sobre algumas pessoas que ali frequentavam.
— Rapaz... é meio complicado alguma mulher se interessar por Marcelo, além de gordo o cara tem um chulé que nunca acaba. — Comentou Jardel —
Leonardo fez uma expressão curiosa, um misto de nojo e felicidade.
— Moço, aquele cara alto e meio gordo do Alto do Cruzeiro tava até reclamân, dizendo que Marcelo não tinha educação... ele tava achân que Marcelo tava peidando na academia. — Disse Leonardo —
Jardel não se conteve e gargalhou ao ouvir aquilo, ele tentou começar uma frase, mas não conseguiu por causa do riso. Um instante depois ele respirou fundo e falou.
— Cara, eu acho que aquilo não é peido não... porque aquele cheiro fica nele direto, não tem condição do cara ficar peidando o tempo todo. — Explicou Jardel —
— É verdade, não tem como... pode ser um chulé brabo mesmo ou uma sovaqueira violenta. — Falou Leonardo —
Os primos desceram uma estreita rua que saía na Avenida Ayrton Senna e seguiram reto pelo largo acostamento calçado com paralelepípedos onde havia muitos estabelecimentos comerciais, a maioria oficinas mecânicas.
— Tem gente que é azarada na vida, além do cara não ser muito bonito, ser gordo, pra completar ainda tem esse cheiro desagradável, é de lascar!
— Disse Jardel —
— É osso! — Comentou Leonardo —
Os jovens chegaram em casa, Ivan, pai de Leonardo estava conversando com o vizinho, Jorge, ambos estavam agachados de frente da entrada da oficina mecânica de Jorge. Ambos os homens usavam apenas bermudas de tecido fino, tanto Ivan como Jorge só usavam camisa quando a ocasião exigia ou o tempo estava frio. Leonardo também compartilha do hábito do pai, num grau menos elevado. Olivia estava na sala assistindo tv, os rapazes foram para os fundos, lá Leonardo começou a lavar um par de tênis.
— Às vezes eu fico pensando nesse negócio de preconceito... parece que quem mais sofre é o gordo, depois o gay e por último o negro. — Explicou Leonardo —
Jardel estava sentado na divisória de concreto da área coberta, ele fez um gesto de aprovação com a cabeça.
— É... a pessoa gorda sempre vai sofrer mais, até porque é uma coisa óbvia demais... se for mulher vai sofrer ainda mais. O homem gay ainda pode passar despercebido se não for muito extravagante, a pessoa negra não tem como esconder sua aparência. — Disse Jardel —
— Agora imagina um cara que é negro, gordo e gay. — Propôs Leonardo —
— Vixe! Aí ferrou. — Comentou Jardel —

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Gurunga 5
General FictionAcesse esse link para consultar o dicionário da Gurunga https://rangeloblivion.blogspot.com/2020/06/dicioario-da-gurunga.html Baseado em eventos reais NOTA DO AUTOR Este é o quinto livro da série Histórias da Gurunga, essa obra existe para a preserv...