Matinho, Centro, 09:47 AM
Era sábado, dia da feira livre de Matinho, assim como muitas outras pessoas que viviam na zona rural, Anísia e Cassiano vinham à cidade para fazer compras. O casal de idosos ficavam numa casa pequena e singela de propriedade de Anísia, chegavam de manhã cedo e permaneciam ali até pouco depois do meio-dia quando retornavam para a Taboquinha. Jardel estava sentado no sofá da pequena sala tomando café e comendo chimango, Anísia estava na cozinha preparando o almoço, Cassiano estava na casa de uma irmã sua consertando uma máquina de costura.
— Ô di casa!? — Disse Ana, uma irmã de Anísia —
A mulher foi entrando e Jardel pediu a benção a ela.
— Deus te abençoe, cadê sua vó? — Perguntou Ana —
— Tá na cozinha. — Respondeu Jardel —
A mulher dirigiu-se à cozinha, Jardel terminou de beber seu café e desceu até a feira para comer um pastel na barraca de Regis. Ao chegar lá Jardel percebeu que havia uma aglomeração anormal em frente à banca de pastel.
"Tem gente demais... eu vou no bar de Lôlô comer um enroladinho."
Jardel atravessou a Praça da Feira desviando de um bocado de barracas e transeuntes, ao entrar no estabelecimento ele desviou de Zépedin que estava inconsciente junto à uma das portas. Binha estava bebendo uma pinga com limão e saudou Jardel ao vê-lo entrar, Jardel devolveu a saudação e seguiu até o balcão, Lôlô não estava atendendo no momento, em seu lugar estava Ariovaldo, funcionário de Lôlô.
— Um enroladinho pra comer agora, por favor. — Pediu Jardel —
Jardel pôs molho de pimenta e catchup a cada mordida, ele ainda comeu mais dois antes de retornar para a casa de sua avó.
— Oh, Nisa, ocê sáb que Quinca é mêi tôll... — Estava dizendo Ana —
Ao ver Jardel entrar, ela não concluiu o que estava dizendo. Ana era uma pessoa de raciocínio e falar dinâmicos, ela sempre parecia ter resposta pronta para tudo, no entanto, nem sempre as respostas pareciam razoáveis.
— Tava naônd mininn? — Quis saber ela —
— Fui comer enroladinho no bar de Lôlô. — Respondeu Jardel —
— O véi Lôlô inda tá vendên? — Pergunta Ana —
— Sim, mas às vezes um empregado dele fica atendendo no balcão. — Explicou ele —
— É um tição preto do nariz arregaçád? — Questionou a mulher —
Jardel ficou um tanto perdido com a forma com que Ana falou, ele até demorou uns instantes para entender sobre o que ela estava falando.
— Ah, sim, é um homem negro sim, o nome dele é Ariovaldo. — Disse ele —
— Lôlô pudia tê arrumád um hôm mais bem aparicid pra trabáía lá. — Comentou Ana —
"Aquilo é um boteco frequentado por cachaceiros de pés inchados, para que o atendente precisa ser bonito?... Mas eu sei que ela está falando da cor dele e não exatamente da aparência, para ela, se é preto, automaticamente é feio."
Pensou Jardel.
— Cum tanta gente branca e direita caçân siviç Lôlô vai dá imprêg lóg praquêl nêgo preto do nariz esparrachád. — Comentou Anísia entrando na conversa —
"Meu deus do céu... que doidice!"
Pensou Jardel.
Jardel acabou rindo da maneira como sua avó falou, porém logo sentiu remorso por ter rido de uma demonstração da mais pura descriminação étnica.
"Ela fala de gente branca e direita... como se o fato de ter a pele clara fizesse alguém ter boa índole... e essa fixação negativa que ela tem com o nariz das pessoas pretas, isso parece incomodá-la, pois ela sempre bate nessa tecla."
— Pois é Nisa, tem gênt que não tem cabeça! — Disse Ana —
— E ocêis sáb que esses nêgo qué sê bom! Eles qué sê mió que os brânc! — Falou Anísia —
— É VÉRDÁD! Uma veiz eu vi um negão preto igual carvão rastân uma marra cum celulá na cintura, só se cêis visse a marra daquele bicho! — Disse Ana num alto tom de voz —
Percebendo que a conversa só tendia a piorar, Jardel deu uma desculpa qualquer e retirou-se.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Gurunga 5
قصص عامةAcesse esse link para consultar o dicionário da Gurunga https://rangeloblivion.blogspot.com/2020/06/dicioario-da-gurunga.html Baseado em eventos reais NOTA DO AUTOR Este é o quinto livro da série Histórias da Gurunga, essa obra existe para a preserv...