GURUNGA 3 DE 18

1 0 0
                                        


Viaporã, Centro, 09:21 AM

Desde cedo Lélé estava empurrando uma bicicleta de marcha de cor prata pela cidade, ele estava tentando vendê-la, porém ainda não tivera êxito. A bicicleta estava em bom estado e o valor pedido por Lélé era bem abaixo do que aquele objeto realmente valia, todavia, muitas pessoas desconfiavam que a bicicleta pudesse ser produto de furto, uma desconfiança válida se tratando de Lélé, um notório portador de transtorno mental e alcoólatra. Entretanto, por incrível que pareça, a bicicleta fora conseguida de maneira lícita, uma tia de Lélé que não usava mais a bicicleta a deu de presente para ele.

— Fala Zézão! Cê interessa ni comprá essa bicicleta ni minha mão, tá novinha, faço 70 conto! — Ofereceu Lélé —

Zézão estava pesando milho em sua loja de grãos e rações para animais, ele olhou para a bicicleta e fez uma expressão estranha.

— Eu não tenho interesse não, Lélé, até porque esses tipo de bicicleta nem aguenta o meu peso. — Respondeu Zézão —

Lélé foi embora desaminado, sempre empurrando a bicicleta já que ele não sabia andar de bicicleta, cansado, ele sentou-se numa calçada nos fundos da rodoviária e ficou a observar o movimento na Avenida Ayrton Senna. Dali Lélé tinha uma visão bem ampla, pois a rodoviária ficava num terreno mais elevado e ele podia observar uma grande área.

— E aí Lélé! Tá dando umas curvada de bike agora? — Perguntou Bocão —

Lélé foi pego de surpresa, pois não havia notado a aproximação do rapaz, Lélé sabia que Bocão era quase tão lascado financeiramente quanto ele, mas resolveu oferecer a bicicleta para ele apenas para tentar a sorte.

— 70 conto? O preço tá bom. — Comentou Bocão enquanto analisava a bicicleta —

Bocão inspecionou minuciosamente todas as partes do veículo, mas no fim não fez negócio com Lélé.

— A bike tá filé, mas eu tô sem diêro agora. — Disse Bocão —

A verdade era que Bocão sempre estava sem dinheiro, Bocão sentou-se ao lado de Lélé e eles ficaram ali por um tempo jogando conversa fora.

— Por que cê não oferece essa bicicleta pra Márç Doidão? É bem capaiz dêl comprá. — Sugeriu Bocão —

Lélé se animou com a ideia, Márcio Doidão era um conhecido técnico em eletrônica em Viaporã, além de ser conhecido por seu oficio, Márcio também se destacava por levar uma vida desregrada, consumindo muita bebida alcoólica e outras drogas, além de se envolver com gente que não respeitava muito as leis.

— Eu vô lá vê se eu acho êl na eletrônica! — Disse Lélé levantando-se —

— É, vai lá, se a eletrônica tivé fechada, vai na casa dêl. — Aconselhou Bocão —

Lélé deu a volta na rodoviária e seguiu pela rua que passava pela frente do estabelecimento, a pequena oficina eletrônica de Márcio Doidão ficava naquela mesma rua, à cerca de uns 150 metros. Lélé notou ainda de longe que a porta sanfonada estava aberta e apressou o passo, ele encontrou Márcio Doidão sentado à sua bancada de trabalho soldando um capacitor na placa de um velho Motoradio vermelho.

— E aí meu truta? Qual é a boa? — Perguntou Márcio —

Lélé aproximou-se da bancada.

— Beleza Márç, eu tô vendên essa bicicleta ali, 70 conto, tá zerada. — Disse Lélé apontando para a bicicleta que estava apoiada na calçada —

Márcio Doidão pôs o ferro de solda num suporte e saiu para ver a bicicleta de perto.

"Êl é mêi lascád tamém, mais condefé êl pód comprá."

Pensou Lélé.

Márcio fez uma rápida checagem na bicicleta e depois montou nela e pedalou por alguns metros para testar seu funcionamento. Ao voltar, Márcio ofereceu 50 reais pela bicicleta, houve uma barganha entre os dois até que o negócio foi fechado por 60 reais. O fato de Márcio Doidão ter aquele dinheiro no bolso naquele momento fora apenas um acaso, um pagamento por um serviço que ele havia feito mais cedo. O modo como Márcio geria sua vida e seu negócio era caótico, muitas vezes pessoas ficavam devendo e não pagavam e Márcio nem mesmo se lembrava mais da dívida, em outros momentos alguns aparelhos de clientes sumiam misteriosamente da oficina gerando uma dor de cabeça para ele, às vezes um aparelho de cliente era vendido por Márcio, pois ele julgava que aquilo era seu mesmo ou o antigo dono não se importaria mais em buscar o aparelho.

— Valeu Márç! Vô chega ali incasa! — Despediu-se Lélé —

— Falô mano. — Disse Márcio Doidão —

Lélé dirigiu-se diretamente ao bar mais próximo para tomar umas cachaças.

Gurunga 5Onde histórias criam vida. Descubra agora