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Gustav:

Mais um dia movimentado no escritório, mas hoje não consigo me concentrar no trabalho, não consigo manter o foco. Os pensamentos de ontem a noite não me deixam focar no que preciso fazer, _é ridículo eu não conseguir parar de pensar em uma menina que nem sei o nome, me sinto até errado, como se estivesse cometendo um crime já que sou bem mais velho que ela._

— Chefe? - quase me assusto ao ouvir a voz do meu secretário. — Tá dormindo acordado, senhor? Te chamei pelo menos umas 3 vezes.

— Só fiquei perdido em alguns pensamentos… O que deseja? - me ajeito na cadeira e obrigo meu cérebro a parar de pensar em coisas desnecessárias no local de trabalho.

— Trouxe os documentos sobre o processo do senhor Pereira e também umas papeladas pro senhor assinar. - colocou duas pequenas pilhas de papel na minha mesa. — A audição do senhor Pereira é daqui a uma semana e eu preciso desses papéis assinados pra hoje. - ele fala como se estivesse acostumado a dar ordens.

— Inversão de valores, Enzo? Agora o funcionário manda no chefe, o poste mija no cachorro, tá com muita liberdade. - ele sorri para mim.

— Senhor… não quero parecer desrespeitoso, mas sem mim nada aqui funciona, então, sugiro que pare de gracinha e comece a assinar, porque eu não vou pular meu almoço pela terceira vez só nessa semana. - ele me olha sério e sinto um arrepio na espinha, como um moleque 30 centímetros menor que eu pode meter tanto medo? Ele sorri e sai da sala _preciso de novos funcionários._

Chega a hora do almoço e sinto uma vontade inexplicável de ir até a café da esquina ver novamente a atendente _Calma, nós precisamos de verdade estabelecer algumas coisas aqui_, tem razão… Nós queremos um relacionamento agora? Não, não temos tempo e nem coragem, mas o que isso tem a ver?._E se ficarmos indo lá o que pode acontecer?_ Sentimentos… Isso mesmo, e não queremos isso agora_. Então é melhor não ir mais lá, deixar essa coisa que estou sentindo passar e nunca mais voltar naquele lugar, é melhor assim. Ando até meu café de sempre e peço o almoço de sempre, massa com algum molho e suco verde, como pensativo, hoje nem a garçonete adolescente me afetou, estou no meu mundinho de pensamentos e possibilidades, o que poderia ter acontecido se eu tivesse cruzado a esquina? Acho que nunca saberei, mas é melhor assim, eu não levo jeito para sentimentos.

Volto para o escritório e encerro mais um dia puxado, saí até que cedo, são 20h e eu já estou no carro a caminho de casa, mas uma idéia melhor me vem, eu deveria ir ao clube hoje, só para espairecer, me dar uma folga dessa confusão de sentimentos.

Estaciono no Way to Hell e imediatamente me sinto deslocado, é estranho estar aqui de terno e gravata, já que todos ao meu redor vestem as típicas roupas de motoqueiro, mas logo relaxo quando entro no lugar pouco iluminado, que cheira a couro de jaqueta, bebida e cigarro, minha segunda casa. Sento no bar e Lucas vem me atender, ele é um velho amigo, dono do estabelecimento e bartender.

— Olha só, veio todo vestido de desembargador. - brinca sorrindo, sorrio também.

— Desembargador? Estou ganhando mais que um. - ele ri alto e sem que eu precise falar, me serve a dose de whisky que sempre peço.

— Já sei quem vai pagar minha dívida de sinuca com o Paulão. - ele me analisa um pouco e coça a longa barba grisalha. — Mas me fala, o que ‘tá pegando?

— Me serve mais duas que eu te conto.

O sol bate na minha cara e eu abro os olhos lentamente, sentindo minhas pálpebras latejando, assim como toda a minha cabeça. Que merda aconteceu comigo? Parece que levei uma surra… Fico imediatamente vermelho quando as lembranças me vem como um filme: Depois de três doses de whisky eu desabafei tudo o que estava sentindo, e logo uma roda de motoqueiros se reuniu no bar para ouvir a história, depois que terminei de contar eu já estava na minha sexta dose e só me lembro de ouvir os conselhos mais absurdos vindos de velhos solteirões “Para de ser marica e chama logo ela pra sair”, “O nome dela não importa, até hoje não sei o sobrenome da mãe do meu filho Carlinho”, “Vai lá onde ela trabalha no fim de semana e bota esses músculos a mostra, elas gostam de caras altos e parrudos igual a você, quanto mais macho mais elas querem”, meu rosto todo formiga e meus olhos enchem de lágrimas só de lembrar a vergonha que passei, isso não deveria ter acontecido! Me enfio debaixo das cobertas para tentar amenizar o constrangimento, hoje não vou sair de casa, sem chances.

Meetings and DisagreementOnde histórias criam vida. Descubra agora