Me olhando no espelho, não me vejo. Talvez muito no fundo possa vislumbrar uma fumava do que um dia eu fui. A batida na porta me mostra que não tenho mais tempo pra me afundar em autopiedade, ela deixa claro que era hora de ganhar algum dinheiro. Pra mim ? Claro que não, mas isso já não importava mais, estava conformado com a ideia de que morreria ali enchendo o bolso daqueles nojentos com o suor e fluidos de meu corpo.
Deixo o pequeno quarto que era destinado a nós, para que nos arrumamos, vestindo as vestes mais desavergonhadas que eles dispunham, que eram todas na verdade, me coloco ao lado do último na fileira, pra que um bando de velhos tarados, impotentes e frustrados com a vida, nos escolham para descontar suas vontades em nossos corpo a fim de aliviar as frustrações de suas vidas em alguém que não pode revidar.
Hoje parecia um dia atípico, os "alugadores" como chamávamos não pareciam tão ruins, ainda que não chegassem perto dos compradores, pessoas de alto padrão que compravam escravos sexuais naquele buraco de ganância humana. Mas claro que alguém como eu jamais chegaria naquele patamar. Alguém julgado como puta desde os 15 anos de idade, quando fui achado em uma pequena sala de armazenamento com mais três garotos, não teria esse luxo, claro que em momento nenhum de minha vida fui perguntado se estava lá por vontade própria, não, isso era consideração demais para com um garoto que foi abandonado pela mãe e vendido pelo pai drogado. Me perco nesses antigos pensamentos e acabo não percebendo quando meu número é chamado, recebo um tapa em meu rosto, me lembrando que essa é minha realidade e que não deveria preencher minha mente com qualquer outra bobagem a não ser quais posições meu alugante sentiria mais prazer.
...
Meu corpo dói, meu ânus arde e provavelmente está rasgado, geralmente recebo pelo menos um cuspe daqueles que tem o mínimo de consideração, não foi o caso dessa fez. Os outros garotos que dividiam o quarto comigo ainda não retornaram, fui devolvido mais cedo, pois segundo o homem que me tomou, eu era magro demais para lhe divertir. Acho que essa é a primeira vez em minha vida que me sinto feliz por passar fome nesse lugar, ainda sim minha mísera parte monetária daquele dia foi descontada. O que me deixou com um total de 10 reais. Sem forças nem pra tomar banho apenas me jogo sobre o colchonete esperando que o cansaço e a fraqueza de meu corpo me proporcionem um sono profundo pra que pelo menos assim minha mente tenha um pouco de sossego.
- Eii vagabundo acorda - o chute em minha costela, me arranca o pouco de ar que meus pulmões ainda conseguiam produzir
- Anda cadela não tenho o dia inteiro - saio da cama sendo puxado pelos cabelos, não estava entendo nada, mas conforme me aproximo daquela sala de porta negra, meu coração para. Começo a me debater e implorar por misericórdia mas tudo que recebo é um soco no estômago e sou empurrado pra dentro da porta caindo de joelhos lá dentro. O quarto do Adeus, era como chamávamos aquele lugar, todos que entravam ali, nunca mais eram vistos. Esse quarto era onde levavam aqueles que seriam vendidos aos piores tipos de depravados, psicopatas e sádicos da cidade. Eu e mais três estávamos encolhidos de joelhos ali. A nossa frente 6 homens sentados sob o escuro do lugar. O sino suou e os lances começaram a serem dados - 2 mil no loirinho - o garoto citado, estava ao meu lado, as lágrimas escorriam mudas por seu rosto
- Eu quero ele, dou 2.500, já posso até ver ele pendurado no meu quarto - além do medo o nojo me corroia por dentro, por que logo seria minha vez.Como sempre havia sobrado apenas eu na sala - Só tem ele ? Parece tão frágil que se eu soprar sinto que ele se desmancha - sinto meu estômago revirar, talvez ninguém se interesse por mim e eles simplesmente me deixasse ir - Eu fico com ele - minhas ilusórias esperanças desabam no mesmo momento em que estupidamente se ergueram - Eii calma aí amigo, nunca disse que estava desistindo. Até gosto do som de ossos quebrando - a frase do homem me arrepia de uma forma repugnante - Nunca senti que estava uma competição. Dou 50 mil por ele - o silêncio choca a todos ali. Nunca um descarte arrecadou esse valor, nem juntando todos os vendidos da noite - Quer contra atacar o lance ? - a pergunta veio do brutamontes que me arrastou até ali - Nunca, não sou maluco de gastar esse dinheiro com sobras. Você sabe que podia comprar um belo bife aqui por esse valor não sabe ?? - o pobretão que me ofende pergunta descrente ao homem que aparentemente havia me comprado - De fato pra alguém com um paladar tão pobre como o seu deve ser difícil reconhecer caviar se só está acostumado a comer sardinha - o homem se levanta, tirando do bolso do paletó dois maços de dinheiro vivo. Assim que os joga sobre o colo do brutamontes me estende a mão - Vamos, esse lugar fede - me sinto completamente trêmulo, mas agarro sua mão me erguendo do chão e ficando em pé ao seu lado. A surrealidade daquilo não permitiu que eu falasse nada, mas ainda consegui controlar meu corpo pra um último ato. Me virando encaro o homem que me trouxe até ali, e como se realizasse um sonho de infância estico a mão jogando bem diante de seus olhos um lindo "Foda-se" feito com meu dedo do meio.
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Mesmo que não seja eu... Me deixe ficar
RomantikUma promessa... Uma esperança... O que essas duas coisas tem em comum ?? Descobra ao conhecer uma pouco mais sobre Samuel e Pedro.