No balanço das ondas

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— AHHHHH, eu não consigo – me jogo sobre a pilha de livros espalhados na mesa a minha frente — Você consegue, apenas se concentre –  era fácil falar, minha cabeça parecia que ia explodir enquanto ele estava bem sentado lendo jornal e tomando café — Se eu me concentrar mais que isso meu cérebro vai entrar em combustão espontânea – viro meu rosto o encarando, aquela pose de príncipe nordico me encantava e me irritava ao mesmo tempo, apenas seus olhos se desviam das folhas do jornal e me encaram por cima delas — Se terminar os exercicios em até uma hora, te levo pra passear – ainda que tivesse escondido atras do jornal eu podia ver que ele sorria. Retribuo o sorriso e sinto uma onda de energia passar por meu corpo — Não pode mudar de ideia – rapidamente volto a me concentrar nos cadernos e livros. O Clima pode parecer estranho, mas agora fazem tres dias que o furacão Samuel chegou em minha vida. 

Depois daquela madrugada em que batia a sua porta, criamos algumas regras e condições pra que o plano fosse posto em ação. Entre elas que eu concluísse os estudos, não entramos em muitos detalhes sobre o por que eu os parei, mas eu tenho certeza de que ele já sabia o motivo, terei um tutor a partir de amanhã, pelo que entendi ele trabalha com Samuel como advogado mas já foi professor quando mais jovem. Além do básico das matérias, serei introduzido ao inglês também. Essa foi a exigência dele, a minha é de que ele parasse de me chamar pelo sobrenome e diminuísse suas formalidades. Nem sempre ele consegue, mas só de não ouvir o sobrenome de meu pai já é o suficiente por hora. Ainda era muito confuso pra mim, mesmo que eu tenha me comprometido a lhe ajudar e recuperar o que segundo ele é meu por direito, ainda não conseguia ficar completamente tranquilo sobre isso, minhas memórias recentes, a carta de meu pai e o testemunho de Samuel, só mostram que eu não conhecia aquelas pessoas, que na verdade eu não sei nem quem eu sou. Não sabia se conseguiria arcar com toda responsabilidade e pressão do que teria que fazer pra recuperar essa tal herança, mas Samuel me prometeu que estaria ao meu lado me dando assistência a todo momento, e sinceramente eu não sabia se isso me tranquilizava ou me deixava ainda mais ansioso. 


— Ahhh desisto – me jogo pra trás sobre o sofá as minha costas. Não aguentava mais, as letras e números se embaralham a minha frente, um dos famosos suspiros de Samuel ecoa pela sala antes de suas palavras — Me deixe ver o que fez até agora – largando o jornal ao lado, ele estica a mão me pedindo o caderno. Entrego em suas mãos, sentindo um frio na barriga, fazia anos que não estudava, e não posso dizer que quando o fazia era um grande talento da matemática. Sentia meu estômago revirar, e não me contenho ao pegar  uma almofada e jogar em sua direção — Não faz suspense. Tá tudo errado ou não?? – eram raros, muito raros, mas quando os pequenos sorrisos surgiam em seu rosto, o dia parecia se iluminar — Vá se arrumar – demorei um pouco pra entender e acreditar — Você tem dez minutos –  entendi que era real, não perco mais um segundo e corro pra me arrumar, nem perguntei onde iríamos, mas sabia que seria novo pra mim de qualquer maneira. 

Como eu disse, sabia que seria incrível mas nunca poderia descrever em palavras o sentimento que me atingiu. O infinito mar azul se estendia a minha frente sendo emoldurado pela areia branca e finíssima que se acomodava entre meus dedos, os raios de sol aqueciam minha pele, fazendo aquela ser a paisagem mais perfeita que eu já vi — O que achou ? – Samuel ao meu lado encarava o horizonte, olhando seu perfil iluminado pelos raios de sol, me deixavam na dúvida de qual vista me aquecia mais — É simplesmente magnífico – pra qual delas eu entreguei o elogio seria segredo meu, mas sua frase seguinte parecia uma onda me atingindo em cheio — Essa ilha pertencia ao seu pai e a mim. A compramos em parceira anos atrás, ainda faço questão de mantê-la exclusiva – engulo em seco, segurando uma ridículo vontade de chorar que atingiu meus olhos, não sabia o que falar então só expressei um pequeno "oh"
— Agora ela também é sua – pela primeira vez desde que chegamos ele me encara, um pequeno sorriso de lábios e olhos ainda mais claros sobre a luz do sol — Gostaria de caminhar um pouco? – aceno com a cabeça dando um simples sorriso, meu estômago ainda estava enjoado pra lhe entregar algo mais que isso. 

Caminhamos por alguns minutos, antes de pararmos embaixo de um guarda-sol com cadeiras de madeira, que eu nem tinha percebido que existiam ali
— Quer provar ? – ele tem em suas mãos um coco verde, sempre vi em filmes, mas nunca tive a chance de provar, então aceno empolgado com a cabeça, animado pra ter mais uma nova experiência, assim que meus lábios tocam o canudo, sinto um arrepio no estômago ao pensar que os lábios dele também haviam tocado o objeto, a ideia do beijo indireto me causa um leve rubor na face, que logo é substituída por uma cara de nojo.

Posso ouvir sua risada ao meu lado — O que achou – ele me encrava atento e sorridente
— Horrível, eca... isso tem gosto de poça de chuva e água de geladeira misturadas – ele ri contido novamente, antes de dar um gole na bebida, meu rosto volta a corar e desvio o olhar encarando o mar azul — De fato não é todo mundo que aprecia o sabor da água de coco – fiquei feliz em saber que não era tão estranho assim, mas começo a duvidar do paladar de Samuel, ficamos mais alguns minutos em silêncio enquanto ele terminava sua bebida, até que sua voz me faz a pergunta que me anima e me assusta — Gostaria de entrar no mar ? – olho pra ele de olhos brilhantes, a verdade é que desde que chegamos ali, era exatamente isso que eu queria, mas não estava com roupas apropriadas, então não ousei cogitar essa ideia, mas agora ele estava me dando a brecha pra que realizasse mais um de meus sonho, um delicioso banho de mar — Podemos mesmo ? – pergunto incerto, mas ele acena com a cabeça largando o coco vazio sob a areia — Mas... as roupas – ele se ergue esticando a mão pra que eu o acompanhasse — Tudo bem, depois peço que nos tragam outra muda – sorrindo estico a mão alcançando a sua. Mal podia acreditar naquele dia, caminho lentamente até o começo das ondas, um arrepio correu por meu corpo quando a água gélida bate contra minha canela, encaro Samuel um pouco atrás de mim, mas ele agora tinha sua atenção a tela do aparelho. Encaro o mar novamente não me contendo em me curvar e tocar as ondas que se chocava calmas contra minhas pernas, me atrevo a ir um pouco mais fundo, solto pequeno ofego e gritinhos baixo conforme o frio da água contrasta com o calor de minha pele, água já estava na minha cintura, mas aquele azul parecia me chamar cada vez mais pra dentro. E eu iria, se não fosse pela força que me desequilibra, era como se de fato algo me puxasse pra dentro, pro fundo. Meus pés escorregam contra a areia e a onda que se choca contra meu peito, me joga inteiro dentro da água. Me assusto, sentindo o ar já faltar em meus pulmões, sou mergulhado contra vontade na água quando uma onda quebra acima de mim, não me deixando subir, já entrava em completo desespero já que não sei nadar e não conseguia encontrar o chão sob meus pés pra fazer impulso, meu nariz adia pela água que inconscientemente aspirei. Os raios do sol que pareciam turvos e distantes, voltam a aquecer meu rosto, quando braços fortes me puxam com destreza pra fora da agua — PEDRO !!! PEDRO VOCE ESTA BEM, OLHA PRA MIM – a voz grave e nitidamente nervosa de Samuel desentope meus ouvidos, minha tosse não me deixa responde-lo, sinto meu corpo fraco ser carregado pra fora da água, ele desaba sobre a areia me mantendo em seus braços — Pedro, olha pra mim, tá tudo bem agora respira devagar – meu rosto é puxado pra cima, e posso ver a preocupação estampada em seus olhos — Eu... eu tô bem Sam, só... só tô cansado – me deito em seu peito, sentido o calor de seu corpo e do sol que nos aquece — Me perdoe, eu devia ter ficado ao seu lado, me perdoe – sinto sua mão afagar minhas costas, ficamos alguns segundos assim, até que meu corpo parasse de tremer. 

Mesmo insistindo que eu estava bem, não consegui convencê-lo, sendo assim, voltei pra casa sendo carregados nos braços de Samuel, sua insistência de que eu fosse a um hospital só foi burlada quando eu concordei em ver pelo menos um médico particular, que claro veio até meu quarto pra que eu não saísse da cama. Durante as 2 primeiras horas pós acidente, mesmo com a liberação do médico, os empregados se revezavam em ver como eu estava. Agora pelo menos eu havia ganhado a batalha, e teria o direito a comer na sala de jantar ao invés de meu quarto. Depois que voltamos Samuel se manteve distante, física e emocionalmente, minhas perguntas eram respondidas com frases curtas e formais. Estamos agora sentados a mesa, esperando que o jantar seja servido, eu em uma ponta da mesa ele em outra, limpo a garganta preste a perguntar se havia feito algo errado pra justificar suas atitudes, mas a campainha soa na casa, Samuel pelo jeito não esperava a tal visita já que ele franze as sobrancelhas se erguendo da mesa, antes que ele deixasse a sala, um homem alto, de terno escuro e lindos olhos verdes entra na sala sendo acompanhado por uma empregada. 

Sammy dear, did you miss me?

*Tradução*

—Sammy querido, sentiu minha falta?

Mesmo que não seja eu... Me deixe ficarOnde histórias criam vida. Descubra agora