19

36 4 3
                                    

ANGEL

Eu tenho inveja das pessoas que nunca tiveram seu coração partido. Tenho inveja das pessoas que nunca sentiram algo tão forte como a paixão por alguém, aquelas que nunca passaram dias chorando por uma dor que não pode ser amenizada por um remédio ou uma cirurgia.

Por muito tempo, eu fui essa pessoa. Fui a pessoa que nunca tinha sentido a dor imediata e agonizante de ouvir "Sinto muito, mas não sinto o mesmo", que geralmente vem seguido de um "Mas você é uma pessoa incrível, merece alguém que te ame e valorize, você merece tanto".

Faz alguns dias desde que Miguel Puerto Clements quebrou meu coração. Ele passou anos cultivando esse sentimento, para acabar com tudo em poucos segundos. E o que me deixa mais furiosa, é que não consigo odiar ele, nem um pouco, nem por um segundo sequer. Eu queria muito odiá-lo e gritar com ele e dizer como ele é um cuzão e que merece ser miseravelmente triste até o dia em que morrer.

Mas eu não posso. Não consigo. Por mais que eu sinta que deveria odiá-lo, não tenho forças para isso. Miguel Clements sempre foi meu melhor amigo, sempre cuidou de mim como se eu fosse o ser mais frágil da Terra, talvez esse tenha sido o maior erro dele, o erro que custou meu coração e todas as lágrimas que escorreram pelo meu rosto nos últimos dias.

– Angel, estudar como uma louca não é saudável e não vai curar a sua dor mais rápido. – tiro meus olhos do livro de Física para olhar para a porta. Vejo Juan encostado no batente com um prato de comida na mão.

– Mas eu vou ocupar a minha cabeça com fórmulas impossíveis e não vou chorar porque seu irmão acabou com todas as expectativas que eu tinha. – dou um sorriso cínico e ele revira os olhos. – O que é isso? – indico o prato com a cabeça.

– Seu almoço. Fiz risoto de frango. – Faço uma careta.

– Você que fez? Acho que prefiro desmaiar de novo.

– Ha ha engraçadinha. Come e não reclama. – Bato continência e levanto da escrivaninha.

– Sim senhor, capitão!

Me sento na cama e Juan se junta a mim, me entregando o prato com o risoto e os talheres. Juan tem me feito companhia todos os dias desde que saí com Miguel. Ele volta mais cedo pra casa para assistirmos algum filme, vamos ao cinema, fazemos as compras do mercado juntos, somos praticamente inseparáveis.

Eu não acreditaria se, meses atrás, me dissessem que eu iria gostar e ansiar pela presença de Juan Clements todos os dias, mas agora não tê-lo por perto parece errado e me sinto vazia e sozinha. Nunca esperei que Juan virasse um dos meus melhores amigos, mas sua amizade me faz muito bem.

– Então, festa do Noah e do Bruce amanhã à noite e nós vamos de Uber.

– Não, nós vamos com o meu carro.

– Da última vez você teve que voltar no dia seguinte porque estava bêbada e tivemos que voltar de Uber.

– Da última vez nós- – me interrompo no momento que percebo que estou prestes a falar sobre o que aconteceu naquela noite, que prometemos fingir que nunca aconteceu. – Eu passei do limite. Naomi me apresentou Cranberry Vodka, mas não vai acontecer de novo. – O olhar de Juan em mim expressa decepção, talvez porque eu me recuso a tocar no assunto delicado, ou talvez seja coisa da minha cabeça.

– Ok, mas por via das dúvidas, nós vamos de Uber, ok? – Tento protestar, mas Juan me interrompe. – Se você insistir eu vou ligar para a Amanda e dizer que a filha dela está sendo irresponsável. – Reviro os olhos e continuo a comer.

– Idiota.

– Você ama.

– Acho que você está muito seguro de si, Clements. – Ele dá de ombros.

Unexpected FallOnde histórias criam vida. Descubra agora