Sofreguidão

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Quatro

Tris segura sua cabeça com as mãos e respira profundamente. Hoje a simulação foi a mesma de ontem: alguém apontava uma arma para ela e ordenava que atirasse contra sua família. É um pouco estranho ter visto quase a mesma coisa alguns dias atrás, só que com Becky. Quando ela levanta a cabeça percebe que a observo e cora.

— Eu sei que a simulação não é real — diz.

— Você não precisa me explicar isso — respondo. — Você ama sua família e não quer atirar neles. Não há nada de absurdo nisso.

— A simulação é o único momento que tenho para vê-los — ela diz.— É até engraçado porque eu poderia ver Becky todos os dias, mas é como se ela não estivesse por aqui.

É porque ela não quer estar aqui. Não quer estar ao lado da própria irmã.

— Sinto falta deles. Você às vezes... não sente falta da sua família?

Olho para o chão.

— Não — digo depois de um tempo. — Não sinto. Mas sei que isso não é comum.

Tris se levanta indo em direção a porta, toca a maçaneta mas hesita olhando para trás, parece querer dizer algo. Seus olhos encaram os meus e, enquanto os segundos passam silenciosamente, observo todo o seu rosto, bochechas coradas e boca rosada. Percebo que estou encarando-a a mais tempo do que deveria, mas ela devolve o olhar, e sinto que nós dois estamos tentando dizer algo que o outro não consegue ouvir, embora eu possa estar errado.

E espero estar errado. Porque qualquer sinal de que algo esteja acontecendo entre nós é motivo para eu me afastar. Então, Tris quebra o contato visual, abre a porta e vai embora rapidamente. Consigo voltar a respirar normalmente e me xingo pelo que aconteceu.

Becky

Às vezes acho que estou vivendo no automático, meus dias são todos iguais. Acordo com raiva, vou trabalhar, ignoro todos aqueles que me conhecem e vou dormir com raiva. A não ser pelos dias que preciso sair do complexo distribuindo armas como se fosse garrafas de água para moradores de rua.

Hoje Evelyn me mandou um pessoal de cabelo esquisito com roupas da Abnegação e da Amizade para pegar as armas.

— Olá, Becky. Sou Therese. — Uma mulher estrábica estende a mão. — Evelyn me mandou dessa vez.

— Prazer, Therese. — sorrio. — Evelyn anda ocupada?

A mulher parece ser um pouco mais nova do que Evelyn, usa roupas da Abnegação, poderia até se passar por um membro se não tivesse o cabelo repicado.

— É, por aí. Ser líder dos sem-facções não é tão fácil quanto parece.

Fico um pouco desconfiada e ela percebe isso.

— O que foi?

— Não sei se devo entregar algo tão valioso para alguém que não conheço.

— Você não conhecia a Evelyn. — seu modo de falar é bem interessante, parece estar relaxada, as palavras saem com preguiça da sua boca.

— É diferente. — explico.

— Ela imaginou que isso aconteceria, mas DJ veio comigo. — um dos capangas de Evelyn que sempre vem com ela aparece acenando e eu particularmente gosto muito do DJ.

— E aí, gata? Queria fazer um suspense, sabe?

Dou risada.

— Você sabe como fazer uma entrada triunfal. — falo e ele sorri. Deve ser um pouco mais velho que eu, ele me lembra Amah, de um jeito mais solto e descontraído, simpático, mas sabe ser sério quando precisa.

Subversivo (1.1 Divergente) Onde histórias criam vida. Descubra agora