Suscitação

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As rachaduras começam a ficar ainda mais visíveis, por mais que eu tente escondê-las sempre aparece mais uma. Feridas que nunca cicatrizam, o peso nunca diminui, esmagando-me lentamente.

Quando minha mãe cortava meus cabelos em frente ao único e escondido espelho da minha antiga casa, eu amava me observar. Ver meu cabelo com cachos grandes e pesados, fios escuros e brilhantes. Meu nariz arrebitado e minhas bochechas coradas. Meus olhos marcantes e minha boca num vermelho natural. Soco o único espelho que tenho em meu apartamento e jogo seus pedaços no chão, diferente da paisagem do medo o sangue que escorre em minha mão é real, não suporto me ver. Ver quem eu me tornei me deixa enojada.

Me sinto idiota por estar cobrindo meus ferimentos com uma faixa e assim que termino saio do apartamento para começar mais um dia feliz nesse inferno.

Passo em frente ao dormitório dos iniciados e espio, Beatrice está amarrando seus cabelos loiros que papai tanto elogiava, mesmo que isso fosse um ato não comum para um membro da Abnegação. Há alguns dias a deixei no apartamento de Quatro toda machucada e me sinto mal por isso, ela está se curando bem, não há mais tantos hematomas como antes. Certifico que tudo está bem e dou um passo para ir embora, mas esbarro em Christina.

Ela me olha desconfiada.

— Você devia falar com ela ao invés de ficar apenas observando. Você está fazendo isso todos os dias, não é muito normal, sabe? — diz como se tivesse alguma intimidade, esquecendo quem eu sou. Cruzo os braços e pelo que vejo na mudança da sua expressão ela se deu conta de que está falando comigo. — Ah, sinto muito se falei demais. Eu era da Franqueza.

— Percebi. Um boca aberta nunca deixa de ser um. — digo e ela abaixa a cabeça. — Não diga a Beatrice que me viu, entendido, Boca aberta?

Ela balança a cabeça rápido demais.

— Entendido.

— Ótimo.

Dou as costas para o dormitório e não vou para meu escritório, subo uma das tantas escadas que essas lugar tem. Dou um tchauzinho para Zeke que faz uma careta enquanto tenta ajudar um senhor com algumas sacolas, mexo no curativo, ultimamente estou machucando muito a minha mão. Sou uma boba, não quero ficar com nenhuma outra cicatriz.
Dou três batidas na porta de Tori e ela abre sorrindo.

— Veio para a sua sessão de terapia? — Tori zomba enquanto me serve uma xícara de café.

— Deixa de ser boba. — digo. — Só queria sua companhia para tomar café.

Tori senta a minha frente.

— Sorte sua que estou de folga hoje. — ela sorri. — Se bem que tenho certeza que a qualquer momento alguém pode chegar e me pedir a tatuagem mais inusitada que já fiz. — da de ombros. — Já estou acostumada.

— Eu deveria fazer uma nova tatuagem. — penso alto e tomo um gole de café, quente, forte, mas com bastante açúcar. Já me falaram sobre morrer de diabete, se eu morrer por causa disso antes de chegar na velhice tudo bem.

— Você só tem uma e nem dá pra ver.

— Essa são para pessoas especiais verem. — respondo rindo e ela faz uma cara de nojo.

— No caso, pra uma pessoa especial, né? — meu sorriso cai. — Qual é? Quando você vai transar com outra pessoa?

— Não quero transar com outra pessoa. — falo olhando pra xícara.

— Tem tanta gente te querendo! Quatro foi o seu primeiro, você tem que tentar com outro pra saber se ele é tudo de bom mesmo. — solta uma gargalhada e eu bufo.

Subversivo (1.1 Divergente) Onde histórias criam vida. Descubra agora