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3 DE JUNHO DE 1984
MÔNACO, MONTE CARLO





  CHUVA era a pior coisa que poderia acontecer em um Grande Prêmio. A corrida se tornava extremamente perigosa, os pilotos tinham dificuldade para guiar o carro e quase nunca as provas eram boas. E todos esses fatores pioravam quando a chuva acontecia em Mônaco. O circuito em si já não era lá aquelas coisas, e para piorar ainda mais, o clima decidiu entediar os telespectadores.

  Bom, isso era o que todos nós pensávamos até a chuva de fato começar a cair.

  Era impressionante e inacreditável o que o novato brasileiro estava fazendo na pista, guiando como se a chuva sequer o incomodasse. Estava admirada com sua performance, querendo entender suas técnicas e suas habilidades, até poderia dizer que estava hipnotizada. E de fato estava.

  Senna, como o chamavam, vibrava como se tivesse ganhado a própria corrida, e não posso julgá-lo, afinal eram poucos que largavam de décimo terceiro e terminavam a corrida em segundo. Tenho quase certeza de que se houvessem as voltas finais, ele ganharia aquela prova.



  — Vai perder o pódio, senhorita? — ouvi a voz conhecida perguntar em minha direção.

  Me virei e pude ver Reginaldo Leme, o jornalista brasileiro, segundando um guarda-chuva em uma mão e seu microfone que provavelmente estava desligado, em outra. O som da chuva era forte o suficiente para abafar sua voz.

  — Preciso conversar com o seu piloto, preciso falar com ele antes que os outros — apontei.

  Leme concordou com a cabeça e então disse.

  — Venha comigo que posso te ajudar. Mas não antes de eu fazer as honras.

  Sorri e o segui para onde quer que fosse que ele nos levaria.

  Reginaldo era o único homem que me respeitava de certa maneira e me acolhia dentro do padoque. É claro que eu sabia que seria difícil ser respeitada no meio automobilístico, ainda mais quando a única outra sequer se dava o trabalho de se defender em meio ao ambiente nada saudável. Não posso tacar-lhe pedras, visto que eu também não compro brigas — ao menos não pessoalmente. Ás vezes jogar sujo faz com que ganhemos a batalha, e isso era o que eu precisava.

  Mesmo tendo pouco respeito, eu não me deixaria abalar com comentários fúteis sobre mim, afinal eu conheço muito bem todo meu esforço, meu estudo e minha capacidade.

  Por mais que eu consiga minhas matérias de uma maneira ilegal, por assim dizer.

  Quem diria que dormir com Alain me traria uma oportunidade dessas, não é?





  Segui o jornalista no meio da multidão não querendo acreditar que ele de fato nos levaria até o pódio, mas assim ele o fez. Não entendia como que isso poderia dar algo de bom, era difícil conseguir alguma entrevista logo depois do banho de champanhe, ainda mais logo depois da corrida excêntrica que o novato havia feito, com vários jornalistas querendo ter uma palavrinha com o brasileiro introvertido, mas estava enganada. O piloto, segurando o sorriso, não o conteve por muito tempo quando viu a câmera focada em si. Fez um gesto de comemoração e abriu-o para a câmera, então se aproximando de Reginaldo Leme. Eu, extremamente atenta àquele novo piloto que ficava muito bem no macacão branco cheio de logos de patrocínio, sequer notei que a chuva já havia parado, e que Regi — como carinhosamente era chamado até por mim — já fechara seu guarda-chuva.

  — Ayrton, uma palavrinha para seu povo brasileiro? — pediu.

  — Claro, Leme — ele disse um pouco animado, me lançando uma rápida olhada. — Podemos fazer isso lá dentro?

MY SOMETHING, ayrton senna (slow updates)Onde histórias criam vida. Descubra agora