PROLOGUE

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O LOCAL estava frio demais por conta do ar condicionado e isso incomodava Céline, que logo quando sentou na banqueta de frente para a câmera, tossiu.

— Teria como aumentar a temperatura do ar? — pediu rouca e em meio à tosses.

— Está muito frio, senhorita?

— É está — respondeu, então se ajeitando na cadeira. Ela ouviu os bipes do controle do equipamento e sorriu agradecida. — Obrigada.

Felipe, quem estava responsável por toda a gravação, sorriu para ela e se posicionou por trás da câmera principal, colocando-a num ângulo perfeito.

Céline não sabia ao certo o que fazer, o que falar, por onde começar. Não sabia nem quais seriam as perguntas, só sabia que precisava falar sobre Ayrton, afinal era seu documentário, do maior campeão do Brasil.

Diversas vezes se perguntou se estaria fazendo a coisa certa, indo até o Brasil para filmar um documentário sobre o cara que, de longe, foi o mais importante em sua vida, apesar dos pesares. Eles tinham história, muitas pessoas sabiam disso. Mas o que elas não sabiam era o que tinha nessa história, e haviam muitas coisas.

O problema era que Céline não queria compartilhar ela com o mundo porque era algo íntimo demais. Tudo o que passaram juntos era íntimo demais, mas ela também não poderia deixar de mostrar para todos o quão incrível era, e por isso ela estava ali, sentada de frente para uma câmera, no lugar favorito de Ayrton, pronta para contar uma longa história.

— Certo, podemos fazer um teste? — o diretor perguntou.

Céline limpou a garganta e se ajeitou na banqueta, tentando puxar a maior quantidade de ar possível.

— O que quer que eu faça?

— Pode dizer qualquer coisa — Felipe disse, sem muita importância.

— Como isso vai acontecer mesmo? Irão me fazer perguntas?

— Nós temos apenas uma pergunta, senhorita. E você quem vai escolher como vai nos responder — ele explicou.

Céline então levou seu olhos pelas pessoas que estavam ali, podendo ver seu companheiro de longa data, Reginaldo Leme, a encarando com aquele sorriso de quando sempre a via no padoque. Ele estava velho, com cabelos brancos e sua calvície fazendo contraste com a quantidade de cabelo que ele tinha há quarenta anos. Céline também avistou Viviane e Neyde, ambas trocando conversas na língua materna. Céline pouco entendia, seu português estava enferrujado demais.

Por um momento ela se sentiu fraca, sem vontade de continuar. Mas não teve tempo de fugir, porque em segundos Felipe chamou sua atenção.

— Vamos começar, Céline.

Ela tossiu e concordou com a cabeça.

— Certo.

— Quem era Ayrton? — ele pediu.

Um sorriso e uma risada fraca deixaram os lábios da francesa, que teve um flashback dos dias alegres ao lado dele, sem mesmo dar chance para as memórias ruins sugarem sua mente.

— O Ayrton é o melhor piloto que tive o prazer de conhecer, trabalhar e ver correr. Era absurdo o assistir, chegava a faltar ar! Um piloto excepcional, calculista e sempre com fome de vitórias. Já o Béco... Como posso dizer? O Béco foi o melhor homem que já conheci. O melhor amigo, o melhor parceiro, o melhor ajudante... Tenho tantas coisas a dizer sobre ele que eu poderia escrever um livro! — ela riu, sentindo o ar faltar. — Poucos tiveram a chance de conhecer o Béco, e não o Ayrton Senna, e eu fui muito privilegiada com essa oportunidade. Todos têm suas histórias com ele, mas a nossa... A nossa é diferente. A nossa é digna de um livro que nem teria uma classificação só, de tantas coisas! — ela riu mais uma vez, vendo todas as pessoas ali presentes rirem também.

Mas então seu rosto perdeu o sorriso, perdeu o brilho.

Céline observou todos os cantos daquela casa, e ficou um tempo a mais observando a enorme janela de vidro que dava de frente para o mar. A brisa bateu em seu rosto e por alguns instantes ela se sentiu viva de verdade.

— A nossa história é diferente, e hoje, infelizmente, só resta a mim contá-la.

MY SOMETHING, ayrton senna (slow updates)Onde histórias criam vida. Descubra agora