CINQ

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26 DE AGOSTO DE 1984
ZANDVOORT, PAÍSES BAIXOS





AYRTON ESTAVA FURIOSO e com razão. Ele deixou a pista com uma expressão tão raivosa no rosto que nem me arrisquei chegar perto, ao menos não para uma entrevista. Ele é esperto, no entanto, saiu pelos fundo e fugiu dos jornalistas. Creio que eu no seu lugar faria o mesmo.

Ele estava ansioso para o final de semana, queria ter a oportunidade de correr por mais um dia. Mas algo não estava ao seu favor haviam semanas, e isso quebrou todo seu humor e suas expectativas.

É a terceira corrida seguida que ele abandona a pista por incompetência do carro — e da equipe.

Ayrton anda reclamando do carro desde a metade da temporada, e sinceramente ele tem toda a razão em fazê-lo. Fazem semanas, meses que o acompanho quase todo final de semana, e em todos vejo a mesma coisa: o piloto brasileiro embaixo do carro, dando voltas e voltas para algo melhorar.

Uma vez pedi para ele por qual motivo ele insistia tanto, e ele disse que é isso que campeões fazem, insistem. Disse que Niki fazia isso, que Piquet faz isso, e que é por isso que os outros não evoluem tanto, porque eles não se envolvem. E faz sentido, claro. Sempre vi esses caras fazendo isso, ajudando na montagem do carro. A questão é que a Toleman raramente evolui, e tenho quase certeza que é por teimosia dos mecânicos.

Ayrton foi muito paciente, mas agora não consegue mais filtrar seu humor.

Nos dois últimos Grandes Prêmios o vi discutir com seus mecânicos e com seu chefe de equipe. O clima estava azedo entre eles, e claro também porque eles desconfiavam que Ayrton estava conversando com outra equipe, mas ele não havia deixado nada claro, nem pra mim, nem pra ninguém.

Eu não corro mais atrás de Ayrton logo depois que ele abandona uma corrida porque aprendi da pior maneira que isso é tudo o que eu menos quero. Ele consegue ser muito arrogante quando quer. Mas sempre pede desculpas, sempre.

Mas hoje era diferente, por algum motivo.

— Céline, onde ele vai? — Reginaldo me tirou de meus pensamentos, fazendo-me voltar meus olhos para ele, e então para onde olhava.

Ayrton caminhava quase afundando seus pés no chão, e carregava seu capacete o apertando entre os dedos. Ele estava caminhando para o lado contrário do padoque, onde normalmente ia. Franzi o cenho e o segui com os olhos antes de tomar a iniciativa de o seguir.

— Onde vai? — ele pediu assim que saí dali.

— Atrás dele — respondi sem mesmo olhar para trás.

Ouvi Regi me chamar, mas ignorei. Eu sabia que era arriscado fazer isso por alguns motivos: Ayrton está irritado, alguém pode nos seguir e o pior, nos escutar. Mas não me importo, o que me importa de verdade é saber como ele está.

Nesses últimos meses em que passamos juntos aprendi a gosta do brasileiro. Bom, não que não gostasse antes, mas era algo escasso demais, muito superficial. Com o tempo eu aprendi a lidar com ele e usar as palavras certas nas horas certas, assim também ele comigo, eu percebi, e isso tornou nossa relação mais harmoniosa.

Fora o tempo fora das pistas em que nos comunicamos, seja pessoalmente, por telefone ou pro fax. Não ficamos uma semana sequer sem se falar, e eu gosto disso. Quando não o encontro, sinto sua falta.


Caminhei com passos largos e rápidos tentando seguir Ayrton, apesar de ele estar longe demais. Não o chamei, não queria chamar atenção. Poucos segundos depois eu o encontrei andando de um lado para o outro, bufando enquanto esfregava as duas mãos no rosto.

MY SOMETHING, ayrton senna (slow updates)Onde histórias criam vida. Descubra agora