Capítulo 1

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Brasília. 23 de novembro de 2022. 14:45 PM. Plenário.

Eu caminhava entre as cadeiras espalhadas de maneira desorganizada nos corredores do Senado com o celular em mãos e o coração a ponto de sair pela garganta. Cinco minutos atrás eu estava na tribuna, chamando para a responsabilidade o Ministro da Justiça sobre os bloqueios nas rodovias do país promovidos por arruaceiros que se intitulam patriotas.

Estava emocionada ainda e no meio da minha fala. Tinha acabado de relatar brevemente o caso do pai que ficou parado com seu filho no carro numa rodovia do Mato Grosso às vésperas de fazer uma cirurgia de visão que apresentava riscos a criança... Enquanto fazia as considerações finais e tentava de alguma maneira fazer com que meus colegas enxergassem a gravidade dos movimentos antidemocráticos que se espalhavam rapidamente pelos estados, vi a tela do meu celular acender. Li rapidamente a notificação, me engasgando no meio da fala. Ninguém percebeu, era comum que minha dicção me deixasse na mão quando me alterava nos discursos. A mensagem vinha do grupo dos senadores, avisavam que umas das colegas tinha tido um mal-estar. A mensagem seguinte revelava quem era: Senadora Soraya. A terceira mensagem reclamava da demora para o atendimento médico.

Finalizei minha fala e nem me lembro como fiz. Desci da tribuna e desviei de qualquer pessoa que tentava interromper meu caminho, fui lendo as mensagens que vinham chegando tentando descobrir onde tudo estava acontecendo. Logo um dos colegas sanou minha dúvida. Cheguei na porta da sala ao mesmo tempo que a equipe de enfermagem entrava. Alguém, não me lembro quem, tentou atravancar a minha passagem porta a dentro e apenas me lembro da força que direcionei aos meus braços e do grito firme que saiu da minha boca: Saia da minha frente!

Soraya estava sentada com a cabeça recostada numa almofada pequena que colocaram entre sua nuca e o encosto da cadeira, levava a mão direita na testa e tinha os olhos fechados. Pela primeira vez o tom de sua pele não era bronzeado e sim pálido. Enquanto os socorristas começavam o atendimento fui me aproximando de onde ela estava e fiquei um pouco atrás de sua cadeira, me encostei na parede de braços cruzados e observei. Percebi que ela suava muito e seus lábios estavam quase transparentes. A paramédica começou a perguntar logo em seguida:

- A senhora pode me dizer o que está sentindo? – Perguntou enquanto colocava o estetoscópio e ajeitava o aparelho medidor de pressão no braço de Soraya.

- Não sei explicar, sinto tudo ao mesmo tempo... – respondeu quase num sussurro.

- Pode me descrever o que aconteceu quando começou a se sentir mal? – a paramédica insistiu.

- Eu estava no plenário, me levantei muito rápido e senti tudo rodar... – abriu os olhos mas logo fechou novamente.

- E depois?

- Depois eu avisei minha assessora e viemos caminhando até aqui, quando me sentei comecei a suar frio... me sinto fraca, minha cabeça dói... – se ajeitou na cadeira e soltou um suspiro pesado...

- Por favor, não se mexa muito... – a paramédica disse retirando o esteto e o repousando no pescoço, logo depois olhou para o aparelho no braço de Soraya... – A senhora teve uma queda de pressão, ainda continua baixa mas vai melhorar daqui a pouquinho... Preciso que tome água o quanto puder e se alimente, sei que o enjôo por conta da pressão deve estar sendo um incômodo agora mas realmente preciso que a senhora insista em comer alguma coisa.

- Tudo bem. – Ela assentiu.

- Tem alguém que possa providenciar isso? Algo para a senhora comer? – A moça perguntou.

- Eu resolvo isso! – Respondi de imediato já tirando meu celular do bolso.

As duas me olharam ao mesmo tempo. Soraya mesmo com dificuldade se virou e continuou me olhando espantada, com razão, ela não tinha percebido minha presença ali até o momento.

24 horas e nada mais - [Simone | Soraya]Onde histórias criam vida. Descubra agora