UMA GAROTA INCOMUM

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Hill Valley
1913

Os Johnson faziam parte da história de Hill Valley. O antigo patriarca da família, William Johnson, foi um dos pais fundadores. Junto a seu irmão Gregory, criou a igreja, que era uma das instituições mais importantes da cidade.

Contudo, a família aos poucos havia começado uma lenta e humilhante caminhada em rumo ao declínio financeiro e social. Chegando a um ponto em que, a nobre e honrada linhagem, se via oficialmente falida. E o pior, não tinham ninguém para culpar, a não ser a si mesmos.

— Quinhentas pratas por uma cabana no meio do nada? — Exclamou Amy, em tom de indignação, andando de um lado para o outro na sala de café, cada passo transparecendo uma impaciência contagiante — Enquanto isso se nega a gastar vinte para pagar pelos vestidos da nossa filha. Você sabe que estamos na temporada de festas!

— Talvez, mamãe... — Charlotte começou a argumentar, deixando de lado seu exemplar de "O Vampiro" que lia, ou melhor, devorava, com avidez antes da mãe adentrar o cômodo outrora tranquilo e começar mais uma de suas reclamações diarias. Não que esperasse que Amy levasse qualquer argumento ou fala racional em consideração. Na verdade, esperar que qualquer coisa dita por Charlotte, a filha caçula daquela família decadente e provavelmente o membro mais esquecível daquela cidade, fosse levada a sério, era equivalente a esperar que galinhas voassem. Algo que a menina, como grande entusiasta de aves, sabia ser impossível — Quem sabe Sabrina pudesse usar os vestidos que já tem ao invés de deixá-los juntando poeira.

Os olhos de Amy se encheram de raiva, ela se virou para a filha, a encarando nos olhos (algo que só fazia quando a queria repreender ou intimidar), e estava prestes a começar um longo discurso sobre a importância de vestidos novos, quando foi interrompida por seu marido, Lorenzo.

— Querida, nós precisamos do armazém no sul porque a temperatura ajuda a preservar os embutidos. Não esqueça que isso é a única coisa que nos impede de ter que hipotecar essa casa. — Ele tentou explicar, sem conseguir encarar os olhos da esposa, sua voz pesada e um tanto baixa misturava culpa e medo. Ser o único homem de uma família falida significa arcar com a culpa sozinho, mesmo não sendo os gastos extravagantes dele quem criaram tal situação.

— Eu só acho que você deveria investir mais na sua filha. Essa casa e as fábricas podem desvalorizar, mas Sabrina certamente fará um bom casamento. — Argumentou Amy, sem se importar com como aquele discurso deixava claro a inutilidade de Charlotte nesse quesito.

Não que a menina se importasse, já faziam anos que havia aceitado que nunca seria uma beldade como a irmã mais velha.

Sabrina era a imagem da perfeição feminina, era meiga e formosa em cada movimento. Tinha a pele em um tom de creme de chantilly com uma pitada de geleia de frutas vermelhas, numa proporção perfeita para criar uma cor rosada única e encantadora. Exibia cachos loiros como os de Amy, mas ao contrário do cabelo da mãe, que já começa a embranquecer, os da garota eram como os raios de sol em pleno meio dia. Já seus olhos, ao menos na opinião de Charlotte, eram o maior encanto da moça. Eles eram azuis como o céu depois de um dia chuvoso, mais calmos do que o azul de um dia ensolarado, carregados com a esperança e tranquilidade que sempre vem após da tempestade.

Todos em Hill Valey tinham certeza de uma coisa: Sabrina Johnson era perfeita em tudo. Todos tinham tanta certeza disso quanto tinham da morte.

Charlotte não invejava a irmã, não poderia. Na verdade, sempre que entravam em um cômodo lotado de jovens lindas e todos paravam para admirar Sabrina, tudo o que ela conseguia sentir era orgulho e alívio. Nunca seria como Sabrina, e se a irmã não fosse tão estonteante, Amy dedicaria todos os seus dias a fazer com que Charlotte soubesse a decepção que era como filha. Mas como tinham Sabrina, Charlotte era simplesmente esquecida.

OS SEGREDOS DE CHARLOTTE JOHNSONOnde histórias criam vida. Descubra agora