O QUE NINGUÉM DIZ

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Querido diário, eu penso que pessoas são como construções, precisam de enfeites para se valorizarem, precisam de reparos, precisam de um propósito para se manterem, e precisam de cômodos e mais cômodos para atender suas necessidades, cômodos esses que evitamos olhar.

Por trás das lindas salas de estar, e dos quartos espaçosos, elas tem caldeiras, cozinhas e dispensas. Importante demais para não serem colocadas, verdadeiras demais para serem vistas.

                 Trecho do diário de Charlotte
                      26 de abril de 1913

Charlotte queria poder continuar divagando, qualquer coisas lhe parecia melhor do que ouvir aquela dissertação de Anna quanto aos novos moradores. Tanto sua mãe quanto Anna só falavam disso, a ruiva até ignorou completamente o recado de Charlotte sobre uma bruxa nas docas.

Não que Charlotte estivesse muito melhor, não com suas lembranças vindo e voltando. Não era a primeira vez que algo assim acontecia, mas antes eram apenas pequenas partes de sua mente, como um dejavu, ou até sonhos. Mas agora essas lembranças estavam vindo de uma forma tão vivida, que era impossível achar que se tratavam apenas de alucinações, ainda mais com todas vindo acompanhadas de um sentimento de sobrecarga emocional, e a remeterem a sua forma bestial.

Bem, já tinha coisas demais para lidar no momento, e preferia seguir a dica de Noah para tentar concretizar seu plano, do que tentar desvendar essas lembranças que podiam não significar nada. Se ao menos Annabella também estivesse tão focada, mas ela parecia dar mais atenção ao tal Andrew.
Não era só o senso de curiosidade de Anna que a levava a ter tanto interesse pela nova família. Enquanto Amy estava determinada a saber tudo quanto possível a respeito do mais velho, Anna por outro lado só falava do irmão mais novo.

Era realmente confuso pensar que seres supostamente evoluídos, criaram uma sociedade que dá tanta importância ao casamento. A ideia de depender tão severamente de alguém chega a ser nauseante, felizmente vivia em uma época onde poderia se recusar a isso. Tudo bem, as pessoas ainda tinham visões um tanto arcaicas quanto a solteironas, mas que se danem as pessoas. De qualquer forma, o caso de Anna era ainda pior. Não estava atrás de um herdeiro, embora obviamente mesmo que como segundo filho homem o garoto teria boas condições. Era pior do que isso, ao menos Anna melhor do que ninguém poderia fugir de um compromisso por conveniência.
Mas a forte e determinada Anna, entre tantas pessoas, parecia estar realmente encantada com o tal rapaz.

— Eu já lhe disse sobre os olhos? — perguntou a ruiva enquanto caminhavam, parecendo desconectada da realidade.

— Sim, você já disse. Hoje foram três vezes

— Ah Lotte! — Anna suspirou, não parecendo ter ouvido uma única palavra dita pela amiga. — São simplesmente perfeitos! Como um mar tropical. Tão... tão angelicais! Ah, Lotte ele é um anjo!

Quem era aquele ser em sua frente? O que fizeram com sua amiga? Sinceramente, Anna recebia propostas a torto e a direita desde que completou seus quinze anos. Alguns obviamente movidos pelo dinheiro, outros tolos apaixonados, e algumas das propostas eram até bem inapropriadas, para se dizer o mínimo.

O amor romântico, ou melhor a paixão, não fazia sentido algum na cabeça de Charlotte. Ela conheceu o tal garoto, ainda no dia em que se mudaram eles se viram na praça. Quando Charlotte e Thais estavam voltando da casa Campbell, o loiro apareceu feito um príncipe buscando sua amada.
Literalmente pois o garoto estava ironicamente em um cavalo branco, desesperado por encontrar uma ruiva. Charlotte logo descobriu que o pobre rapaz estava atrás da irmã, e embora a cena tenha sido cômica não foi isso que mais lhe chamou atenção. Por algum motivo quando se viram ele a encarou, não por acidente, ele a encarou por minutos afins parecendo perplexo. Isso só lhe fazia pensar algo....

OS SEGREDOS DE CHARLOTTE JOHNSONOnde histórias criam vida. Descubra agora