INTELIGENTE E LEAL

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Querido diário, o que me difere de tantos outros indivíduos cruéis que um dia me vi no direito de julgar? Embora a perspectiva de me tornar uma fera seja assustadora, a de me tornar uma estranha frente a minha essência é maior.

Talvez não sejam os pelos negros, ou olhos dourados como o pecado, que no fim me definiram como um mostro.

"Perder a si" que destino cruel, afinal não ligaria de nunca ter nascido, mas uma vez aqui clamo por minha vida.

No fim o que tememos não é a morte e sim a inexistência. E não é nisso que se resume se perder? Tornar tudo o que aprendeu na vida obsoleto, se afastar de suas memórias.

"Perde a si", ó sim, que destino cruel.

                Trecho do diário de Charlotte                                     21 de abril de 1913

Charlotte não conseguia se lembrar de um único dia dos últimos três anos, nem um dia se quer, em que tivesse ignorado Noah. Ele era seu melhor amigo, e por mais que os ideais familiares pregados por seu tio na igreja julgassem tal ato como pecaminoso, afinal, a família deveria ser sempre sua devoção maior, ela não negava que as vezes o valorizava mais do que a sua própria irmã.

Ainda assim, já haviam se passado treze dias, treze insuportáveis dias sem se falarem direito. Poucas vezes em sua vida Charlotte teve forças para se afastar de alguém, e quando o fez, foi por desprezo a outra pessoa, como quando se afastou de Niguel e enterrou qualquer tipo de simpatia que já tivesse sentido pelo rapaz. Esse definitivamente não era o caso com Noah, o garoto nunca a desagradou, nem minimamente. Mas como voltar a se aproximar sabendo que isso poderia trazer ruina a seu melhor amigo?

De fato, o ignorar parecia a melhor opção. Mas infelizmente, mesmo tendo conseguido enrolar Anna por quase uma semana, o destino não parecia interessado em deixá-la continuar adiando os planos que havia feito com a ruiva.  Por que uma festa justo agora? Tudo bem, talvez não devesse culpar o universo. Os Campbell só ficavam atrás dos Millers e dos Browns na quantidade de bailes. Realmente não havia muitas formas de evitar alguém em uma cidade pequena como aquela.

Vendo que não tinha para onde correr, Charlotte se esforçou para ignorar seus instintos pessimistas e não pensar que poderia estar prestes a levar Noah para um caminho perigoso. Que talvez Anna nunca controle seus poderes. Que se alguém realmente mantinha as bruxas afastadas, talvez essa pessoa também não quisesse feras como ela por ali.

"Simplifique seus problemas" essa estava sendo a única forma de minimizar os danos a sua saúde mental. Focar em incômodos e dilemas mais simples por um momento, para se permitir por as ideias no lugar.

Pois bem, problemas simples....problemas simples....
Estava usando um vestido ridículo!

Rosa era a cor de sua família. Aparentemente, ainda na escola, sua mãe e as amigas haviam se juntando e acordado cores para as mulheres de cada família, evitando assim que tivessem brigas envolvendo vestidos muito parecidos. Aparentemente essa solução havia dado tão certo, e as agora matronas haviam gostado tanto dessa ideia exclusividade, que fizeram as filhas manterem essa tradição. Sendo assim, rosa para os Johnsons; laranja e vermelho para os Browns; sempre azul para os Millers; dourado para os McQueens e verde para os Jonnes.

Rosa, que cor cruel para alguém que facilmente se via corada ao se expor ao sol. Além de cheia de sardas, sua pele também ficava parecendo um presunto.
Sinceramente a cor conseguia a irritar mais do que os babados, e Charlotte realmente odiava babados. Ao menos a cor combinava muito bem com os cabelos loiros de Sabrina. O rosa primavera que a irmã estava a usar, deixava o cabelo da mesma parecendo tão claro, tão inocente, como creme de manteiga.

OS SEGREDOS DE CHARLOTTE JOHNSONOnde histórias criam vida. Descubra agora