ENTRE SEUS SEMELHANTES

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— Já estava pensando que você não viria. — Martina comentou ao ver Charlotte se aproximando.

— Sabe, não tem sido tão simples assim sair. Eu estou com a impressão de que Harry está me observando. — a garota respondeu.

— Ele é um verdadeiro colecionador de criaturas por assim dizer. Está sempre tentando buscar alianças com todos os lados para se manter por cima. Não se preocupe muito. — a morena respondeu com tranquilidade.

— Mas então, para onde exatamente estamos indo? — Charlotte questionou, enquanto acompanhava Martina. Talvez devesse ter perguntado antes de se encontrar com ela em um local isolado sem avisar a alguém, mas nos últimos tempos tem notado uma coragem incomum e as vezes um tanto irracional surgindo dentro de si.

— Você vai ver. — a garota respondeu de forma ambígua, mesmo parecendo ter noção de como aquela dúvida começa a atiçar Charlotte. Apesar dos modos superficialmente gentis, Martina parecia ver certo prazer em pequenas implicâncias e deboches.

[...]

— É simples, mas é nosso. — Martina comentou quando ela e Charlotte subiram uma pequena colina repleta de árvores magras e compridas.

Inicialmente parecia que tudo o que havia ali era aquele pequeno projeto de bosque, mas conforme os olhos de Charlotte se acostumavam a escuridão que começou a tomar conta do lugar em um anoitecer precoce e o dourado tomava conta de seus olhos, ela começou a notar alguns itens simples. As árvores estavam em sua maioria com guirlandas, sacos de tempero, bonecos e marionetes pregados. Um caminho de terra percorria todo o local adornado de velas e incensos, e diversas panelas e potes estavam por todo o lugar, até mesmo nos galhos das árvores.

— O que exatamente você faz aqui? — Charlotte questionou, enquanto sua mente criava uma imagem vivida e cômica de Martina junto a outras pessoas-lobo dançando nua envolta de uma fogueira.

— Tenho ensinado a alcatéia a fazer alguns feitiços básicos de proteção, além disso, um pouco de artesanato nunca cai mal. — Martina respondeu em um tom de brincadeira, enquanto exibia algumas marionetes.

— Sobre isso....— Charlotte começou a dizer. Já estava muito grata por Martina a ter aceitado em sua alcateia (seja lá o que isso significasse) e como alguém que não estava tão acostumada com gentilezas e ficava sem graça perante a elas, precisava juntar coragem para pedir outro favor.

— O que foi? Diga logo. — a garota perguntou, se mostrando uma inimiga da timidez.

Era estressante pedir algo para alguém, mas devia aquilo a Anna de qualquer forma. — E quanto a ensinar feitiçaria para a minha amiga?

— A Brown? Eles não são descendentes de bruxas? — a menina começou a questionar, mesmo já tendo certeza dessa informação, apenas para dramatizar ainda mais o assunto.

— Bem, eu acredito que sejam. — Charlotte começou a dizer, não conhecendo o bastante dessa realidade para expressar com clareza o que desejavam. — Eu só imaginei que você soubesse como ajudá-la a despertar seus poderes, ou ao menos que pudesse a ensinar a fazer feitiços. Ela realmente quer dizer isso. — concluiu, enquanto imaginava o caos que se tornaria a vida de Carol caso Anna aprendesse a usar magia.

— Se ela tem um parentesco tão próximo com uma bruxa, então deveria ser capaz de exercer seus poderes. Deve ter algum tipo de selo de contenção atrapalhando. — Martina explicou.

— Selo? — Charlotte questionou.

— Sim, um selo de contenção ajuda a conter os poderes sobrenaturais de uma criatura e pode até conter temporariamente maldições. — Martina respondeu, parecendo muito contente por poder exibir seu conhecimento sobre o oculto como uma verdadeira expert. — Veja, eles costumam se parecer com isso. — Martina continuou a dizer, pegando um dos muitos grimórios charmosos com capas rústicas espalhados pelo local.

De início a atenção de Charlotte foi tomada pela surpresa ao ver o símbolo que encontraram a biblioteca subterrânea, assim como no colocar de sua mãe, estampado em uma das páginas, mas logo viu outro símbolo familiar. Era uma espécie de águia, uma águia muito semelhante a que estava no bracelete que sua mãe a deu de presente de aniversário. — Mas Anna não usa nada assim. — Charlotte pensou em voz alta, em tom desanimado, enquanto empurrava as dúvidas sobre o significado daquelas formas nas jóias de sua família para o fundo de sua mente.

— Não precisa ser um acessório nem uma roupa. Pode ser algo pintado ou esculpido em algum objeto com o qual ela mantenha contato frequentemente.

— E como empeço esse bloqueio? — questionou em tom de urgência, querendo riscar isso da sua lista de objetivos de uma vez e quem sabe usar essa informação para si mesma mais tarde.

— Ela precisa quebrar por conta própria. Liberar uma grande quantidade de energia próximo ao selo para que ele se rompa. — Martina explicou, como se dissesse algo óbvio.

— E como ela pode fazer isso?

— Quer que eu desenhe tudo para você? Eu não sou uma bruxa, não sei como os poderes delas funcionam. — Martina respondeu de forma rude, o que fez a voz de Charlotte ser cortada pela metade e a menina se sentiu levando um sermão, mas então Martina voltou a sua expressão gentil, o que fez Charlotte supor que ela não estava realmente incomodada com as perguntas e apenas era uma pessoa um tanto descarada.

Apesar de estar certa de que a moça não estava realmente sentida, Charlotte ainda se via na necessidade de pedir desculpas. Porém, antes que pudesse dizer qualquer coisa sua atenção foi roubada para um movimento suspeito que ela percebeu entre as árvores, e como alguém que estava paranóica com a ideia de estar sendo observada a dias, ouvir passos se aproximando não era a coisa mais reconfortante do mundo.

— Senhorita Jhonson, você continua a me surpreender. — o professor Simon comentou, enquanto se aproximava junto a um grupo de cerca de oito pessoas.

Charlotte não sabia se o que tomava conta de sua face era a surpresa ou a vergonha, mas definitivamente estava afetada por ver as mulheres daquele grupo vestindo calças de couro, com os seios expostos, carregando carcaças de animais com uma mão e uma ou duas crianças com a outra.

— Ah, não se incomode querida. — uma das mulheres, que aparentava ter uns vinte e cinco anos, começou a dizer ao notar o constrangimento de Charlotte. — Se você tivesse de caçar e amamentar também usaria o mínimo de roupa o possível. — a mulher concluiu, acariciando o cabelo de três meninos que pareciam ser trigêmeos e amamentando dois bebês de aproximadamente a mesma idade.

— Vocês tem muitas crianças aqui. — Charlotte comentou, enquanto novata o restante dos membros da alcatéia se aproximando, cada um com pelo menos um par de gêmeos, enquanto metade das mulheres pareciam grávidas.

— É, por algum motivo a nossa espécie é muito fértil. Na última temporada de partos a maioria teve quadrigêmeos. — Martina comentou, e mesmo não planejando ter filhos aquela informação arrepiou a espinha de Charlotte.

— E então? Você planeja vir aqui mais vezes? Eu adoraria estudar o seu tipo. — o professor Simon voltou a dizer.

— O meu tipo? — Charlotte questionou, boa parte da sua atenção ainda focada nas crianças que escalavam o colo dos pais e choravam por atenção.

— Você viu a Martina, você é um tipo de pessoa-lobo incomum, a forma como você consegue acessar seus poderes...— o professor começou a explicar, os olhos brilhando de curiosidade com a ideia de estudar uma nova criatura. Definitivamente ele merecia um ponto de coragem por ser humano e viver em prol de estudar criaturas sobrenaturais, embora provavelmente ensinar adolescentes seja ainda mais assustador.

— Isso é ruim? — Charlotte questionou, receosa com essa ideia de ser diferente dos demais. Achar pessoas na mesma situação que ela estava sendo gratificante e calmante, não queria se ver novamente como alguém reclusa sem saber que direção tomar.

— Vamos descobrir juntos. — Simon respondeu, motivado muito mais pela vontade de conhecer essa variação de pessoa-lobo do que de ser gentil, mas para alguém que estava a deriva num mar de ansiedade, qualquer perspetiva de apoio era vista com gratidão.

— Acho que mal não faz. — Charlotte concordou, um pouco mais calma agora. Começava a concordar com Martina sobre como uma alcatéia facilitava as coisas, a sensação de irmandade era reconfortante.

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⏰ Última atualização: Jun 26 ⏰

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