TODOS SE PERDEM

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Charlotte permaneceu em silêncio na sacada por alguns minutos, observando Hill Valley com um leve fascínio melancólico. O chuvisco que havia se iniciado cerca de uma hora antes agora começava a se dissipar, deixando ela oficialmente sem qualquer companhia.

A garota endireitou o corpo e afastou seus braços da grade da sacada, que até então sustentava todo o seu peso. Ela havia ido até ali para conversar com Noah, e por mais que não tivesse começado bem, não desistiria assim tão facilmente.

Estava prestes a ir atrás dele, afim de evitar deixar que as coisas ficassem daquele modo. Como a última coisa que queria naquela momento era ser novamente abordada por Anna, o que com certeza aconteceria caso tentasse se esconder nas sombras do salão novamente, optou por seguir um caminho um pouco mais próximo ao tumulto da festa, mas que ainda a permitia evitar ter de apelar para uma socialização forçada com aquelas pessoas. Ou ao menos foi o que pensou...

— Desculpe, senhorita. — disse um rapaz que havia empurrado seu ombro.

Charlotte o encarou por alguns instantes, tanto quanto julgou apropriado, tentando se lembrar daquela figura. Ele era alto e consideravelmente robusto, principalmente levando em conta que ambos deveriam ter no máximo dois anos de diferença. Tinha um cabelo loiro um pouco bagunçado, não de um jeito que mostrasse desleixo, mas de um modo natural, como um charme rude que só os homens tinham permissão de ter. Os olhos azuis eram aparentemente gentis, o maxilar um tanto marcado, o que o deixava com um rosto muito maduro em comparação com os demais garotos adolescentes, ao mesmo tempo que, de forma estranha e contraditória, ele também tinha uma aparência muito jovial e delicada. No geral, uma beleza grega. Isso só aumentava ainda mais a certeza de Charlotte de que ele deveria ser novo na cidade, era a única coisa que explicava o porque desse projeto de Adônis não estar sendo perseguido por Carol e nem Lucin.

— T-tudo bem, eu já estou um pouco acostumada com pessoas esbarrando em mim. — Charlotte respondeu, gaguejando um pouco no começo, mas conseguindo se comunicar de forma mais clara no restante da frase. Estava tão focada em tentar achar Noah no meio das outras pessoas que a vergonha, e consequentemente a gagueira, não tiveram espaço.

— Bem, não me parece algo com o qual se deva ficar acostumado. As pessoas dessa cidade não sabem respeitar o espaço pessoal alheio? — ele perguntou em um tom de indignação crescente, comprovando de vez a hipótese de Charlotte de que aquele era um forasteiro.

— Se tratando de mim, acho que a ideia de respeito acaba por falhar em várias áreas. Digamos que em uma cidade pequena, não precisa de muito para conquistar a inimizade de pessoas entediadas. — Charlotte comentou com naturalidade.

— Com todo o respeito, senhorita, eu suponho que isso se deva a você parecer um alvo fácil. — chegava a ser engraçado tamanho o peso da ironia que essa frase carregava.

— Suponho que sim. O que posso fazer? Quando uma garota não tem atributos sociais, somos ensinadas a abaixar nossas cabeças. A ideia de fragilidade é apenas uma das desvantagens provenientes disso.

— Não me parece alguém sem atributos sociais. Ninguém que consiga expressar seu infortúnio com tanta facilidade realmente sofre com a incapacidade de se comunicar. — O loiro argumentou, o que conseguiu a deixar incomodada. Já tinha questionamentos demais a cerca de sua tal maldição, não precisava que um completo estranho viesse e colocasse em dúvida as poucas certezas que lhe restavam.

— Do que adianta saber me expressar se não tem ninguém interessado em ouvir o que tenho a dizer? Moças precisam de mais do que só um bom assunto, precisamos de charme e jogos mentais. É nisso que falho de forma miserável. — Charlotte declarou, de forma direta, mostrando seu conformismo com sua posição e seu total desinteressante em mudar sua visão quanto a isso.

OS SEGREDOS DE CHARLOTTE JOHNSONOnde histórias criam vida. Descubra agora