E aqui estou eu, encarando a casa de Lucas. Era simples, tanto quanto a minha. Um pequeno sobrado com a pintura verde-limão desbotada, a grama estava alta, o portão enferrujado e uma porta de vidro cheia de desenhos alternativos.
Toquei a campainha, uma, duas vezes. Nada. Pensei em ir embora, desconsiderando a ridícula idéia de colocar alargador.
Ouvi um barulho de tranca e Lucas apareceu. O cabelo estava molhado, provavelmente saíra do banho.
-Desculpa a demora, pode entrar.
Passei o braço por cima do pequeno portão, o abri e entrei, me arrependendo amargamente a cada passo.
Me sentei no sofá de couro marrom e logo fui surpreendida por uma coisinha incrivelmente fofa me abraçando. Jhen, irmã de Lucas.
-Emma! Que saudades!
-Oi meu bem, como você está?
-Melhor.
Jhen era a irmã mais nova de Lucas, ele era responsável por ela desde que nascera.
Sua mãe abandonou a família por conta de um amante e seu pai, inconsolado, se matou. Como se já não bastasse isso, eles tinham muitas dívidas, pois seu pai comprava muitas coisas desnecessárias. Como por exemplo, centenas de caixas grandes com paletas de violão dentro. Não que isso seja "Oh, que coisa cara! ", mas juntando com os computadores empoeirados que nunca foram usados, os celulares que provavelmente nem funcionam mais e as milhares de esculturas de papais noéis, dava uma bela de uma grana. Onde ficava tudo isso? Em um balcão alugado. Ou seja, mais gastos.
Lucas, com muito custo conseguiu a guarda da irmã. Ele nunca iria deixar ela com seus parentes. O acordo foi alguma pessoa da família ir uma vez por semana na casa deles e checar a situação. Algo que os parentes de Lucas não cumpriam, iam uma vez por mês, isso quando lembravam.
Com 2 anos de idade Jhen desenvolveu asma, o remédio era caro e a ajuda do governo não fora o suficiente, ele então arranjou um emprego. Lucas começou a trabalhar em um estúdio de tatuagens como auxiliar. Eu gostava do emprego dele.
O cara que fazia as tatuagens se chamava Tales, ele tinha 18 anos e herdara o estúdio do pai.
Lucas apareceu na sala segurando uma pequena maleta e se sentou do meu lado abrindo-a.
-Jhen, vai lá pra cima?- Ele disse e ela assentiu, nos deixando a sós.
Passava hora de aventura, tentei disfarçar o medo fitando a TV.
-Vai doer?- perguntei.
Ele apenas sorriu. Que pergunta idiota, é claro que iria doer.
Pegou uma garrafa de álcool e a descarregou em suas mãos e na minha orelha direita. Tirou o excesso com um pedaço de algodão.
O cheiro exagerado de álcool queimava minhas narinas a cada inspiração. Na tv passava um documentário sobre pombos. Mudei de canal e coloquei em uma faixa de clipes, onde passava My Chem, Helena. É uma música meio triste, o clipe se passa em um velório. Não seria o tipo de música que eu consideraria ideal para tentar se distrair quando se tem um sadista querendo ferrar com a sua orelha. Mas a música é boa.
-Preparada?
Assenti. Fechei os olhos e me concentrei na música.
Senti a agulha abrindo espaço a cada centímetro. Até aí tudo bem, mas a dor realmente começou quando ele começou passar algo parecido com um ferro pontudo. Foram 4 ferros deslizando na minha orelha. Naquele momento eu achei que fosse morrer. Sério mesmo, nunca latejou tanto.
-Pronto.
Me levantei e fui até o espelho, estava feito. Só conseguia pensar em como minha tia iria reagir diante disso.
-Qual o número? - perguntei.
-4.
-Você é louco.
-Uma hora você iria aumentar, por que não agora?- Sorri - quer colocar na outra também?
-Outro dia, não quero morrer quando chegar em casa.
Lucas se levantou e foi até mim, me olhando pelo espelho. Ele era alguns centímetros maior do que eu. Sua expressão era uma mistura de ódio e pena.
-Se eu pudesse fazer algo por você... - ele disse.
-Você já fez demais por mim, me aturando por todos esses anos.
Ele deu um sorriso sem graça.
-Que tal a gente sair pra comemorar seu primeiro alargador colocado por mim?
-Tudo bem, mas agora eu já vou indo.
-Ok, até daqui a pouco.
-Até.
Me despedi de Jhen, peguei meus fones e cachecol e fui pra casa. Era agosto, estava muito frio. Coloquei as mãos no bolso na esperança de esquentá-las. Minha orelha ainda latejava, mas o frio ajudava a melhorar um pouco a dor.
Eu morava perto da casa de Lucas, algumas músicas andando e eu já tinha chegado.
Fitei a casa da minha tia por tempo o sulficiente para ter coragem de entrar.
Abri a porta e ela estava assistindo a um programa culinário na televisão, logo virou-se pra mim.
-Que porra é essa? - ela disse.
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Quem é você?
RandomEmma é uma garota que, como todo mundo, enfrenta problemas na vida. Quando menor, seus pais foram mortos por seu irmão Harlan. Ela teve que morar com sua tia Lucy desde os 6 anos da qual sofria abusos tanto físico quanto verbal. Apesar de tudo, ela...