Capítulo 15

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   - Você lembra de mim?

   Alan me pegou de surpresa com essa pergunta. Poucas pessoas passavam por nós. Foquei em um ponto em que eu não sei descrever. Sabe aquela sensação de sair do chão? De levar seus pensamentos para longe, focando em algo inexistente, mas esse algo de certa forma está ali, mas você não consegue descrever o que é? Eu senti isso. Geralmente, o que eu mais sentia era isso. Era como olhar para o céu limpo, sem nenhuma nuvem e ver pontinhos transparentes ou brancos flutuando. Eles não estão ali, porém estão.

   - Emma, você lembra de mim? - ele reforçou a pergunta, como se estivesse conversando com uma criança que precisasse de toda a atenção possível.

   - Eu deveria?

   Alan ficou sem resposta, pude ver pelo seu olhar. Talvez tenha sido o tom da minha voz que fez transparecer que fui grossa, mas para mim, foi normal. Eu deveria prestar mais atenção nisso.
   - Não fui importante para você? - E essa foi a minha vez de ficar sem resposta. - Não lembra do garoto que se mudou para o seu bairro? Te apresentei  Alt-J. E Dancing in The Moonlight era a nossa música preferida.

   E agora estava mais claro. Alan era o garoto que eu perdi contato, meu segundo melhor amigo, o primeiro foi Lucas. Ficávamos escutando essa música direto. Um dia, Alan roubou o violão do pai dele e nós fomos para o quintal de fundo da minha casa, colocamos a música de fundo e Alan tentou acompanhar com o violão enquanto eu cantava, e é claro, virou uma tremenda bagunça. E depois, ele me abandonou. Foi embora sem ao menos dar tchau, sem avisar. No dia seguinte, quando acordei, olhei pela janela do meu quarto. Havia uma placa de "Vende-se" em frente a casa dele. Fiquei desesperada sem entender o que estava acontecendo e corri, o procurando por todos os cômodos da casa.

   - Se já sabia quem eu era, por que perguntou meu nome na sala?

   - Pra confirmar.

   Eram tantas perguntas que eu tinha pra fazer... Como, porque e pra onde ele foi, porque não me ligou ou me visitou. Mas eu deixei. Não queria brigar, justo agora que ele tinha voltado. Por que ele foi voltar agora? Justo agora? Reparei em seu rosto. Estava totalmente diferente. E se não fosse ele mesmo? Só havia uma forma de descobrir. Sua manchinha de nascença no ombro.

   - Você não vai dizer nada?

   - Quero ver seu ombro.

   - Pra quê?

   - Você mudou.

   - Você também. Não lembro dos seus olhos serem tão azuis assim. Geralmente é o contrário, não é? Nascemos com olhos claros e depois eles escurecem um pouco.

   Minha vontade era cortar esse assunto clichê e colocar pra fora tudo o que eu sentia nesse momento. A vontade de gritar, chorar, o abraçar e matar a saudade, tudo. Falar como me senti quando ele foi embora, como foi difícil me acostumar. Mas não o fiz. Prossegui em silêncio, lembrando de tudo, trazendo a tona cada pedacinho de memória e enterrando, para nunca mais serem lembradas.

   -Você esta com frio? Seu café gelou. Posso comprar outro.

   - Alan, já estamos na frente da minha casa.

   - Oh, você mora aqui?

   - Sim.

   - Por que?

   - Estou morando com a Lucy.

   - Por que?

   - Muita coisa mudou quando você foi embora.

   - Tipo o que?

   - Acho melhor eu entrar. Está frio.

   Seu olhar não foi convincente, porém ignorei e me despedi. "Até logo", eu disse, me virando. Senti seu olhar queimando minhas costas cada vez mais a cada passo que eu dava. Ele sussurrou um até logo, senti que não esperava que eu ouvisse, mas mesmo assim, ouvi.

   Quando entrei em casa, senti uma sensação de alívio e solidão. Ao mesmo tempo em que eu estava feliz em não ter Lucy por perto, eu me sentia mal por ela estar naquela situação. Ela poderia ser a pior pessoa do mundo, mas era da minha família.

   Não me dei ao trabalho de acender as luzes. Da última vez que acendi as luzes nesse horário, não tive uma surpresa muito boa. Me guiei pelos degraus com a lanterna do celular. Passei pelo quarto de Lucy e pelo quarto de hóspedes, até chegar ao meu. Acendi as luzes e mais uma vez, tive uma surpresa. Mas dessa vez, não foi uma que eu precisasse correr ao hospital pra salvar a vida de alguém. 

  O meu computador estava ligado e meu usuário logado. Quem tinha minha senha? Devo ter esquecido logado, pensei comigo. E foi aí que eu me enganei, quando abri uma aba na barra de ferramentas:

"EU SOU A UNICA PESSOA QUE TE AMA DE VERDADE, A UNICA QUE VAI CUIDAR DE VOCÊ."

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