Capítulo 14

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  Fiz o que Eduard pediu. Ele realmente era ruim no caixa. Deixei escapar uma risada após ver seu jeito atrapalhado, o que fez ele me lançar um olhar de reprovação. Me pergunto como se virou por tantos anos.
    Como fazer contas não era seu forte, Eduard deixou o caixa assim que me viu. A última pessoa que trabalhou ali foi útil por 3 anos, até que pediu a conta pois foi morar em outra cidade, ele me disse. Foi direto para o banheiro e depois de algum tempo, quando comecei a considerar a ideia de alguém tê-lo esquartejado e jogado seus restos na privada ou pela janela, surge um cara totalmente diferente.
   Demorei um tempo até assimilar que era uma versão de Eduard, digamos, mais "ajeitada".
   - O que achou?  - ele disse ajeitando cuidadosamente o terno. Era estranho vê-lo sem barba.
   - Quem conseguiu isso de você? - Disse o ajudando a fazer o nó na gravata vermelha. 
   - Se tudo der certo, trago ela aqui para você conhecer.
   Eduard estava feliz. Podia ver o brilho em seus olhos, enquanto se admirava no espelho.
   - Boa sorte.
   Ele acenou com a cabeça e saiu. Senti dó dele. Porque de uma forma ou outra, ele iria se machucar. Se viver sozinho é ruim, acompanhado é pior. Na vida temos apenas duas escolhas, ou vivê-la e sofrer ou desperdiça-lá,  como as pessoas dizem. Eu prefiro o termo dormir. A diferença das duas escolhas é que a primeira o sofrimento é duradouro, a segunda é instantâneo.
   Entraram mais algumas pessoas, mas a que me chamou mais atenção foi um homem vestido totalmente de preto e com uma touca, tampando seu rosto. Ele andava como se quisesse esconder seu rosto, com a cabeça baixa, revelando apenas sua boca avermelhada.
   - Algo mais? - perguntei enquanto passava a lata de energético dele pelo caixa.
   Tive apenas um balanço de cabeça como resposta. Ele pagou e saiu da loja apressadamente.
   Logo me distraí fechando o caixa, até que deu o horário e chequei se as luzes estavam apagadas.
   Senti novamente a sensação de estar sendo observada, o que me levou a ligar as luzes. E novamente, não havia ninguém.
   - Oi.
   - Tá fazendo o que aqui? - Disse assim que vi Alan encostado em uma das janelas.
   - Não sei, tava passando por aqui e vi que já tinha dado seu horário de sair e resolvi te esperar.
   - Ok, que tal começar a me contar a verdade? - disse cruzando os braços e esperando uma resposta. Um sorriso surgiu em seus lábios.
   - Quem começou mentindo foi você.
   O encarei por alguns segundos, talvez minutos, até que ele disse:
   - Tudo bem, eu vim aqui propositalmente pra te acompanhar até em casa. - e levantou as mãos em forma de rendimento.
   - Então vamos. - disse indo na frente.
   - Sério?
   - Não foi pra isso que você veio?
   - Sim, mas...  achei que você fosse primeiro reclamar ou brigar.
   - Por que?
   - Sei la, você é meio brava.
    Continuei andando, ignorando o comentário que sempre ouvi de pessoas que não me conhecem realmente. Alan não era nada mais do que uma pessoa que não me conhecia. 
   - Você tá com frio? -  Ele apressou o passo até ficar do meu lado.
   - Não, por quê?
   - Porque você está quase fundindo suas mãos de tanto apertá-las uma na outra.
   Logo as separei, reparando na total vermelhidão das duas.
   - Quer minhas luvas?
   - Você não está de luvas.
   - Verdade...
   Sua expressão era pensativa. Até que ele parou na minha frente e segurou minhas mãos. Fiquei sem reação por alguns segundos. Suas mãos eram quentes, o que causou um grande alívio. Porém, logo foram tomadas pelo frio novamente assim que me afastei.
   - O que foi isso? - perguntei, não entendendo mais nada.
   - Já que eu não trouxe minhas luvas, nós vamos andar de mãos dadas até sua casa.
   - Nem pensar. - sua expressão mudou totalmente para uma confusa, como se eu acabasse de falar a coisa mais complicada do mundo.
   - Por quê?
   - Porque não.
   - Ah...  - Alan pensou novamente por alguns segundos, depois de uma breve pausa - Já sei!  Vou comprar um café pra você. Me espere aqui.
   E ele saiu. Pensei seriamente em ir pra casa, porém seria uma grande desfeita. A única pessoa que se preocupava comigo, era Lucas. Talvez meu bloqueio não me permitiu entender que Alan queria apenas ajudar.
   Me sentei perto de uma estátua que jorrava água e observei as pessoas. Todas tão diferentes. Perto dali em um banco no centro da praça um casal de idosos dividiam um algodão-doce azul. Seus olhares apaixonados me fizeram por instinto tirar minha câmera da bolsa e fotografá-los. Logo eles notaram e deixaram escapar um sorriso, o que fez a foto ficar mais bonita ainda.
   - O que você está fazendo? - senti uma mão em meu ombro, o que me fez gelar totalmente por dentro.
   - Não faça isso...
   - O quê?
   - Você quase me mata de susto.
   - Desculpe. Agora segure isto.
   Alan me entregou o café quente. Minhas mãos sentiram novamente o alívio, porém não tão intenso quanto antes.
   - Posso ver? - Ele apontou para a câmera que estava no meu colo.
   Fiz que sim e o entreguei com um pouco de receio. Ninguém nunca havia visto minhas fotos antes, a não ser quem entre no meu quarto.
   - Você é boa. - Alan disse enquanto passava as fotos de uma em uma lentamente. - Por que não investe nisso? - Ele desviou o olhar da câmera e os descansou em mim.
   - Tiro fotos por diversão, se transformar isso em trabalho perde totalmente a graça.
    - Entendi. Suas mãos estão melhores?
    - Sim, obrigada.
    Alan fez concordou com a cabeça e se levantou.
    - Vamos?
    - Vamos.

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