Capítulo 4

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     -Exatamente o que você está vendo. -respondi indiferente.
   Ela andou até mim. Nesse momento toda a coragem que eu tinha evaporou. Eu realmente senti muito medo dela, muito.
   Meu rosto começou a queimar de um lado. Um tapa. Ela havia acabado de me dar um tapa.
   -O que eu faço com você? Eu poderia te mandar para um internato de freiras ou a um orfanato. O que você prefere?
   Simplesmente não consegui a responder. Eu não queria ir para nenhum dos dois, claro que não queria. Ela apenas me encarava com aquela expressão que eu sempre tive medo. Isso mesmo, tive. Não tenho mais.
   -Faça isso. Mas pelo que eu sei, você não trabalha. Você se sustenta pelo dinheiro dos meus pais. Se souberem que eu não estou mais morando com você, o que acha que eles farão? Então você primeiro procura um emprego e vira alguém na vida, e aí sim você pode pensar no que fazer comigo. Isso se até lá eu ja não tiver idade pra sair dessa casa.
   Subi as escadas e a deixei la. Seu olhar mudou totalmente. Estava opaco, sem vida. Senti um pouco de culpa por tratá-la dessa maneira, mas eu simplesmente cansei. Cansei de sempre ter que me submeter a ela, cansei de ter que apanhar todos os dias, cansei dela.

*

   Me deitei na minha cama com os fones de ouvido no máximo e tentei digerir o que tinha acabado de acontecer. Eu tinha acabado de encarar minha tia de frente.
   Logo meu celular começou a vibrar. Era Lucas me ligando.
   - Oi.
   - Da pra senhora tirar os fones e abrir a janela? Mas só se você quiser, porque eu estou aqui te chamando só a 20 horas.
   Encerrei a chamada e fui até a janela.
     -Como você subiu aí? - perguntei abrindo-a.
     -Não importa. Vamos?
     -Vou me arrumar, um minuto.
     -Ok.- Lucas disse se sentando na cama e se distraindo com alguns álbuns de música aleatórios que estavam esparramados sobre a mesma.
     Peguei uma roupa qualquer e me vesti no banheiro.
     -Vamos?
     -Se passaram mais de 1 minuto.
     - Onde aprendeu a ser tão chato?
     -Com você.
     Pulamos a janela e descemos por uma árvore que até então,  eu nunca havia reparado que estava ali.
     Tales estava nos esperando com Vicky.
     -E então? - ela perguntou, assim que a cumprimentei.
     -E então o quê? 
     -Como foi com a sua tia? Lucas me contou tudo.
     -Ah... daquela mesma forma que você conhece.
     -Ok...-Ela se limitou, com entonação de "O que mais?"

     -Apenas implicou um pouco. Como está a Carin?

     -Bem, ela vai sair do Brasil,  por conta do intercâmbio que ela conseguiu.

      -Quando?

      -Daqui a alguns dias. - Vicky disse com um ar que eu poderia definir como uma mistura de felicidade e tristeza, ela encarava seus dedos pálidos por conta do frio entrelaçados uns aos outros enquanto andávamos.

     -E como vocês vão ficar?

     -Bem, eu acho...

     Vicky convive com os pais, namora a 2 anos com Carin. O problema é que eles são homofóbicos, então ela nem tenta conversar porque sabe que não vai resultar em nada. "No mínimo, uma expulsão de casa", segundo ela.
     Andamos por alguns minutos, até que Tales perguntou o que eu hesitava durante todo o percurso.
     -Onde nós vamos?
     -Ever Over. -Lucas respondeu e apontou para uma casa preta,  com luzes coloridas para todos os lados preenchida por tantas pessoas que só de olhar eu ficava tonta.
     -Quanto tempo não venho aqui... -comentei.
     -Relembrar os velhos tempos.
     -Fiquei sabendo que agora está proibida para menores.  -questionou Tales.
     -10 pilas a mais e você faz o que quiser la dentro.
     -Então queridos, vamos entrar ou vão ficar de conversinha aleatória?- Vicky falou andando na frente.
     Entramos na casa e nos sentamos em uma mesa de canto com bancos aveludados. Olhei em volta... realmente estava melhor. A antiga parede marrom desbotada estava coberta por um azul turquesa forte e luzes coloridas a preenchiam. O chão de madeira caindo aos pedaços fora trocado por um carpete preto. O teto coberto por isopores e o bar havia sido tomado por balcões modernos.  Apenas uma coisa permanecera... o bom e antigo rock de sempre.
     Fui despertada dos meus devaneios por uma mão,  indo de cima a baixo frente ao meu rosto. Tales.
     -Emma? Você está aí?
     -Sim, desculpe. -respondi com um sorriso seco.
     -O que vai querer?
     -Hmm... suco de uva.
     -Sério? - Vicky questionou com um leve tom de desprezo -E você Tales?
     -Vou te acompanhar.
     -Alguém aqui tem bom gosto.  Lucas?
     -Sendo assim, vou acompanhar a Emma.
     -Vocês e essa caretice de tradição.  Vou buscar as bebidas, sobrevivam sem mim.
     E ela desapareceu em meio as pessoas bêbadas caindo.
     -Vou ao banheiro. -Lucas disse se levantando e saindo.
     -Você gosta dele.

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