Sob o véu das nuvens, onde o mundo parecia mergulhado em um silêncio quase etéreo, Foxy finalmente encontrava um instante de alívio — um alívio que, como o brilho das estrelas, parecia tênue, porém suficiente para aliviar sua alma marcada pela batalha. Havia escapado por pouco daquele abismo devorador, da garganta obscura do Monstro do Vale, onde cada segundo parecia dilatar-se em um pavor sem fim. Fora um momento em que se sentira realmente vulnerável, pois, ao enfrentar a criatura, sua leal Yokaytan, Kira, a havia deixado à própria sorte, e a sensação de abandono dilacerava mais que qualquer golpe.
No entanto, quando a escuridão começou a pesar como uma sentença inevitável, Foxy se permitiu fazer o que seu orgulho sempre recusara: ela suplicou por ajuda. Com um murmúrio abafado pela pressão das entranhas do monstro, implorou que Kira voltasse, mesmo sem saber se seu chamado seria atendido. Então, como um relâmpago surgindo de uma noite sem estrelas, Kira respondeu. A Yokaytan, até então silenciosa, emergiu com uma força devastadora, despedaçando o monstro de dentro para fora, numa explosão de vida e poder. Em um espetáculo de fúria ancestral, Kira assumiu a forma de uma raposa-titã, gigantesca e resplandecente, e foi como se toda a escuridão daquele vale recuasse em respeito ao renascimento da deusa.
Agora, de pé sobre a relva escura e úmida, Foxy, ainda em sua forma de raposa-titã, arfava profundamente. O ar pesado da noite entrava e saía por seu focinho como o eco de um pesadelo que ainda não havia se dissipado por completo. Sua pelagem estava encharcada pela substância pegajosa e esverdeada, vestígios da criatura que enfrentara, e a luz da lua capturava cada detalhe da cena: os pelos densos e eriçados, o lodo escorrendo em pequenas gotas que brilhavam como orbe fantasmas sob o luar.O céu, agora limpo, exibia uma lua cheia e altiva que parecia observá-la em silêncio, como uma antiga testemunha do fardo que Foxy carregava. Ela ergueu o olhar e contemplou a vastidão acima, sentindo que, mesmo coberta pelos resíduos daquele pesadelo, havia algo na pureza da noite que lhe conferia uma espécie de redenção. As estrelas cintilavam distantes e, naquele momento, Foxy percebeu que a liberdade e a força estavam tão entrelaçadas com a dor quanto a luz estava unida ao escuro.
Kira observava a silhueta de Foxy com a intensidade de quem reencontra algo há muito perdido e, pela primeira vez em anos, a deusa via o mundo através de uma nova perspectiva, um prisma que parecia tanto estranho quanto familiar. Seus olhos percorreram os portais translúcidos ao redor, que revelavam o céu vasto e a natureza exuberante que espreitava além do limite cinzento de sua mente. A beleza do mundo se fundia àquele vale mental, onde o nevoeiro denso se estendia como uma cortina mística entre a consciência e o subconsciente.
— Faz tanto tempo que eu não piso aqui… — murmurou Foxy, sua voz suave ecoando pelo silêncio sombrio, quase como uma prece.
Kira a observou com uma quietude carregada de sabedoria, lambendo suas patas titânicas, cada movimento refletindo uma calma ancestral que contrastava com a intensidade da jovem deusa.
— É, a última vez foi quando você despertou o meu poder Yokaytan — respondeu Kira, sua voz profunda ressoando como trovão abafado no coração de Foxy.
A resposta, simples e firme, trouxe à tona lembranças adormecidas, memórias entrelaçadas com a primeira vez que ambas tinham se unido em um elo irrompível. Foxy virou-se para Kira, suas madeixas ruivas tremulando no vento etéreo do vale mental, e seus olhos carregavam um brilho de curiosidade e leveza.
— Mas… por que me trouxe até aqui? — indagou Foxy, seus olhos hesitantes buscando nos de Kira uma resposta que transcendesse palavras.
Kira suspirou, e de suas narinas escapou um vapor quente e opaco, denso o suficiente para envolver o corpo da jovem deusa. O calor atingiu-a com força, um choque inesperado que a fez erguer os braços para proteger o rosto. Ainda assim, o vapor atravessou sua pele, misturando-se ao ar nebuloso que preenchia o vale.
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Kronedon - O Ciclo Ancestral [1° Livro Da Saga Ancestral]
RomanceAyumi é uma deusa bondosa e muito poderosa, que vê sua vida ser abalada após selar um acordo com um fantasma de seu passado que não lhe deixou alternativa a não ser aceitar. Entre as condições do acordo estava a de ser mãe dos filhos de seu pior ini...