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EU DESEJAVA DO FUNDO DO CORAÇÃO que aquele caderno fosse falso, que fosse uma espécie de pegadinha. Queria que Hiero e meus irmãos saíssem de repente de trás das cortinas com uma câmera, que rissem do meu nariz vermelho de chafariz e da minha cara mais inchada que a de um sapo-cururu. Mesmo o horror e a vergonha desse flagrante imaginário seriam melhores do que como me sentia naquele momento.

Seriam astronomicamente melhores.

Procurei lenços de papel e tive de me recompor antes de continuar.

"26/04/2001

Sinto que minha vida começou somente quando saí de São Paulo.

Enquanto morava lá, vivia como naquela música do Rei Leão: num ciclo sem fim; só que de uma maneira terrível. Eu sempre esperava que ele mudasse, que conseguisse passar mais do que três meses sóbrio. Nunca aconteceu. Foram seis longos e difíceis anos de muita decepção.

Eu tenho certeza de que minha mãe o amou o suficiente para nunca desistir dele. Mesmo no último ano, que foi quando ele começou a nos agredir principalmente de forma física, ela sempre dizia que deveríamos ter paciência. Que ele estava doente e com os remédios certos iria melhorar. Que a depressão estava esmagando o verdadeiro Heitor dentro dele.

Disse para eu não respondê-lo ou fazer qualquer outra coisa que despertasse a sua fúria. Então, eu guardei tudo dentro de mim. Minhas frustrações, medos, anseios e carências. Comecei a me fechar e a ter problemas na escola. Foi tão ruim que ela acabou me matriculando em outra, no comecinho do ano passado."

O próximo parágrafo deixou-me apreensiva. Ler o meu nome escrito em sua letrinha desengonçada fez meu coração disparar tão veloz quanto um cavalo na pista de corrida.

"27/04/2001

Na nova escola tinha essa menina, a Beatrice. No início eu tinha pena dela, porque todos os garotos da turma mexiam com ela e eu não sabia a razão. Ela não era feia ou chata. Mas todo mundo a tratava mal, como se só quisessem alguém para servir de Bobo da Corte da sala.

Nunca vi motivo para odiarem tanto a Bea. Ela foi uma das pessoas mais legais que conheci. Mesmo quando tudo era novo e desconhecido para mim, ela foi gentil e me mostrou o caminho para a sala correta. Também sentou ao meu lado e me emprestou uma lapiseira, já que eu tinha esquecido a minha. Foi engraçado, porque ela não parava de falar e algumas vezes a professora chamou nossa atenção por ficarmos cochichando."

Sim... é verdade. Eu me lembrava disso, mas não que aquele garoto era o Hiero. Sorri em meio aos córregos de água.

"Foi assim durante os primeiros dias. Percebi que mesmo já estando naquela escola há anos, estranhamente ela não tinha amigos.

Só que eu queria ter amigos.

Queria muito ter estar num grupinho popular, sair com os caras e me divertir como um pré-adolescente comum. Esquecer toda essa merda que acontecia em casa.

Segredos dele, Mentiras delaOnde histórias criam vida. Descubra agora