Esperei que alguém intervisse e dissesse algo contra a proposta exagerada do Conselho do Deus-rei, mas não houve mais alguma votação até então. O som do fogo estalando na lareira além do sopro agudo do vento escorregando com dificuldade pela fissura eram as únicas coisas audíveis no momento. Mas Kyon estava atento a cada movimento meu, soube pois não ousei tirar os olhos dos seus por algum segundo.
— Não pode me prender — eu disse, roçando a pele purulenta na qual estava o anula-magia de U'uosá. Verifiquei se havia alguma chance de arrancá-lo dos meus ossos para fugir sem dificuldade.
Kyon molhou os lábios quando sorveu o vinho quente e colocou a sua taça na minha frente.
— Podes tentar fugir, Meu Poten — disse, pouco sensível. Tão tranquilo que me fez gritar por dentro e arrancar um pedaço grosseiro da mesma pele, no impulso. — Mas não conseguirás ir para muito longe daqui. Pelo menos, não com este anula-magia. — Deu uma risada abafada, tentando não parecer tão zombeteiro.
Estremeci os lábios e então percebi que o meu nariz começou a se franzir com raiva. Senti-me como um bufão, humilhado, sem importância alguma, exceto para que todos se entretecessem e usassem-me. Talvez servir às Bliguenitas fosse mais agradável do que servir à causa da Ordem Lapidada. Sim. Eu preferia ficar preso à uma cela a ter que jogar o jogo conforme as regras.
— Você precisa de um julgamento, Meu Poten. A melhor forma de fazermos isso, é com a Astância — Heliodoro confirmou com o mesmo olhar insatisfeito no rosto e então contornou todos sentados à mesa. — Devo-lhes admitir que não gosto da ideia de mantê-lo preso pelo resto de sua existência divina. Ele é um deus. Nosso deus! Deveríamos, pelo menos, colocá-lo em prisão aberta, mas apenas por alguns anos! Ele deve fazer presença em todos os continentes, principalmente em Solaris! Solaris é a Terra Sagrada, Itakon é a mãe que deu à luz ao Diamante.
Ele possuía tanto conhecimento quanto o seu filho, Kieran — agora entendo da onde surgiu toda a honestidade no olhar, assim como as características nobres exaltadas no rosto. As roupas eram típicas do lugar quente que viera, tecido de enjú, mas com um toque refinado da famosa Teirraca. Uma grande aranha que fabricava teias capazes de dar origem a um dos tecidos mais caros de toda Adamantem, o anol teirranoso.
Rubi amava vestir-se com anol teirranoso, seus vestidos caíam e se moldavam sobre o seu corpo esbelto, bronzeado. Lembro-me dos seus braços finos balançando a ponta do tecido a todo momento de frente para o espelho depois de receber o presente de seu pai pelos seus ótimos esforços. Ela me observava com o canto do olho ainda pelo reflexo. Mordia os lábios e eu subitamente entendia. Ela queria que eu explorasse cada pequena sarda da sua pele enxuta, cada contorno brilhoso dos seus olhos cor de mel contra o sol do entardecer. Ela era a minha paz. Uma verdadeira princesa de contos recitados por diversos Saisões ou canções de Cotões. Delicada, carinhosa e tão quente quanto a verdadeira terra de sua origem.
Molhei os meus lábios lembrando-me do seu gosto doce e a fúria me apunhalou. Olhei para Kyon, deixando a raiva escapar pelo ar decifrável dos meus pensamentos. Toda essa bagunça nunca deveria ter existido e foi pelo sorriso fulgente da Alvorada e pelo respeito ao seu pai que me obriguei a me manter firme.
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𝔉𝔦𝔩𝔥𝔬 𝔡𝔞 𝔖𝔞𝔩𝔳𝔞çã𝔬
FantasyFruto Sagrado está à beira de sua condenação após permitir que Opala tomasse o poder do Caadal e após assassinar o seu próprio pai, Adamas. O Deus Diamantense que sobreviveu há milhares de anos condenados e que em seu último minuto de vida, concebeu...