O poente cinzento se desmanchou dando lugar a um céu enluarado, com estrelas que prontamente o salpicaram. A noite estava repulsiva, com cheiro de urina, cerveja e lã queimada. O carmim fibroso da semente de Artimi exprimida no vinho balançou dentro do grande caneco quando o coloquei contra a mesa com brutalidade. A taverna estava vazia, exceto por um único camponês sentado ao fundo, tentando se esconder como a mim. A neve caía lenta do outro lado e uma crosta cinzenta de gelo havia congelado uma parte da janela, tal qual eu estava raspando com o indicador para passar o tempo. Podia sentir os meus dedos duros como pedra enquanto aguardava a comida e continuava a raspar como se isso pudesse de alguma forma apagar as queimaduras do inverno e me levar a algum lugar distante de Adamantem.
Eu estava sempre tentando fugir. Não. Eu estava sempre sendo obrigado a fugir, lembrei da tediosa conclusão e cingi o maxilar com raiva, também apertando o punho, deixando que continuasse a congelar e a respiração continuasse a sair branca. O forno aceso não era o suficiente contra a fúria do inverno.
Às vezes me pegava pensando, especialmente quando estava fora da taverna, em pé, apoiado sob o dossel queimado das árvores nuas, nas terras calmas de Asphardi, nas reses, nas imagens montanhosas que havia visto em todo o meu período Pré-potencial, e fraquejava, lembrava do tempo em que perdi me preocupando com o futuro em Adamantem e agora estava longe do vigésimo sexto ano de existência, estava no vigésimo oitavo, tendo todo um resto de esperança de que um dia talvez eu pudesse atravessar o tempo caótico de Adamantem e voltar. Mas Asphardi estava em cinzas e continuaria assim por muito tempo.
Observei o interior da taverna, o lugar permanecia silencioso e mesmo na escuridão do meu canto e eu podia sentir que algo estava muito errado. O ar era cortante, ainda frio e cheio de medo, entretanto, tudo estava tranquilo demais por Valyon. Sem rotas com Dongús, sem Guardas Diamânticos sondando camponeses que voltam de seus trabalhos nas terras do seu lorde e sem mais algum mestre. Não deveria ser assim, a Ordem Lapidada tinha que estar marcando território como todo predador com seu pedaço de carniça.
Desconfiei por tempo o suficiente sobre o que estivesse acontecendo. Sabia que as serpentes estavam em seu covil, na grande mesa retangular do conselho, aspirando contra mim, que podia se tratar de qualquer armadilha para o Demônio da Salvação e desejei que eu não fosse estúpido o suficiente para cair em quaisquer delas. Respirei fundo, tentando afastar o mau agouro da cabeça, embora tivesse ficado mais difícil quando os meus fiéis decidiram trovejar contra a minha mente com suas orações.
Apertei os olhos, com o caneco do Artimi nas mãos pronto para levar o amargo à boca, quando os abri e senti a presença dourada do corpo da Aswan passando pela minha mesa indo direto para a do camponês para encher-lhe o caneco com mais cerveja. A cabeça doía com os fiéis, então decidi ignorá-los e engoli todo o resto do líquido que ainda tinha. Lambi os lábios devagar. A garganta queimava. Precisava de mais Artimi. Como se Luianda tivesse lido os meus pensamentos ou sentido a minha agonia, a menina caminhou direto até a mim com um único sorriso de canto a canto no rosto delicado.
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𝔉𝔦𝔩𝔥𝔬 𝔡𝔞 𝔖𝔞𝔩𝔳𝔞çã𝔬
FantasyFruto Sagrado está à beira de sua condenação após permitir que Opala tomasse o poder do Caadal e após assassinar o seu próprio pai, Adamas. O Deus Diamantense que sobreviveu há milhares de anos condenados e que em seu último minuto de vida, concebeu...